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segunda-feira, 8 de abril de 2019

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos (14)


BORDO DO Pedro II

31º DIA (Final)

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Isauro:
- Não nos faça uma conferência. Olhe, querida, que os nossos digníssimos ouvintes já devem estar com Morfeu a lhes rondar os sentidos...
- Não, é cedo. Morfeu está no salão do baile ao lado do casal de sírios.
-Magnífica está a limonada, pena que não sirva para os mistérios do santo sacrifício da missa; isto faria mais bem e saberia melhor aos santos abades. Eles preferem, porém, a limonada da parra. Dá-lhes sonhos, dá-lhe ilusões!
- E dá-lhe irreverência – rematou a embaixatriz.
Doutor Hidalgo:
- Sempre brigona e inquisitorial a minha cara-metade!

Nísia:
- Como percebo Deus: A humanidade que vem percorrendo toda escala dos seres da criação, desde o infusório ao leão e deste ao homem, cedo compreendeu eu precisava de um ser que o protegesse e daí começou adorando animais, aves, répteis, o sol e, por último, criou um nome com a evolução, para defini-lo.
Chamou-o Deus, Alá, Júpiter, Pam, etc.

Foi o medo quem criou este nome e as religiões tomaram conta deles e fantasiaram ao ponto de tecerem uma teia complicada dando lugar às milhares de definições e, com elas, as milhares de obras, todas com um único fim de manter a humanidade na sua milenar ignorância, tornando-a escrava do medo.

Criaram o inferno com as suas penas eternas, os dogmas, os mistérios, as divindades e uma corte celestial do feitio das casas reinantes da terra, com ministros, anjos, serafins e até virgens!
Depois veio a inquisição. A golpes de torturas obrigava a toda a população a acreditar nos seus dogmas ou então seria mandada em nome de Deus para a casa do outro Deus de igual poder ; o Satanás. E foram milhões de seres imolados por esta infame e sacrílega instituição que, segundo ela, estão povoando outros infernos, eternamente, sem outra culpa senão a de não acreditar, por exemplo, que o papa é Deus e que o inferno e o purgatório são lugares reais. Ora, isto é apenas infantil! Sem que queira embrenhar-me nos mundos metafísicos, os deixo de lado e vou dizer o que penso sobre Deus...

Admiro Deus em tudo quanto no universo existe.
O Todo dentro do Todo.
Ao surgir do sol, quando os seus raios cheios de luz, calor e eletricidade, penetram em todos os lugares; nas choupanas, nas tocas, nas florestas, nos ninhos, nos lagos, nos rios, nos mares, no solar, nos palácios, nas igrejas, nas academias, nas roças dos lavradores, nos campos, no leito do moribundo, no berço de recém-nascido.
Aí vejo Deus... a sua imagem com a sua bondade, com a sua justiça, com a onisciência...

Vejo Deus em tudo que palpita, que vibra!
Quando contemplo o céu estrelado e ponteado de sóis, de lua, de planetas, de cometas, de nebulosas, de Via-Láctea, nestas noites lindas do céu do Brasil, sem nuvens, de um azul profundo e suavíssimo, eu fico admirada, enlevada, agradecida na contemplação do Cosmo-Deus que naquele conjunto harmonioso, vibra, palpita e observa as diversas humanidades contadas  aos trilhões que naqueles mundos vivem, vibram, trabalham, gozam e rendem culto à harmonia, à fraternidade, à justiça e ao amor que é, em síntese, o único nome que define Deus. Sim... que define Deus!
 Porque Deus é amor.

Não esse amor humano, egoísta, falso, não esse amor-desejo, amor-paixão, amor-instinto, amor-sensualidade, mas amor-sentimento, amor-altruísmo, amor-desprendimento, amor-justiça, amor-bondade, amor-perfeição.
Eu vejo e sinto Deus-Amor dentro de mim, dentro da humanidade.

Deus-Amor está no desabrochar da flor, no germinar da semente, no perpassar da brisa, nos movimentos dos oceanos, nos estampidos dos trovões, no movimento dos astros, no brilho dos sóis, na magnitude das noites enluaradas. Está também no silvo do réptil, no canto do passarinho, no lamento do injustiçado, nas dores do doente, no leito do moribundo, no berço do infantil, nos soluços da mãe, no grito de dor do desesperado.
Deus está em tudo. Está dentro de nós, de nossa consciência, nos nossos atos.

Por isso, admiro-o pelas suas obras. Ele é tal imenso sol , de tamanho absolutamente incompreensível aos nossos sentidos, que emite chispas, fagulhas e estas fagulhas seguem universo a fora, descrevendo órbitas, limando-se, polindo-se, aprendendo e fazendo outras iguais evoluírem e nessa trajetória de milênios, retornará ao sol de onde saiu, unindo-se a Ele e com Ele se confundindo.
 É assim que eu compreendo Deus!

Falou doutamente.
Pena que a madame não ouvisse a sua dissertação. Rezava ave-marias e ladainhas castelhanas “inacianas”.

- Sei que tudo isto nada representa, sei que a Igreja está com a verdade e que o munto está cheio de fantasias e de descrenças.
- Bem, agora vamos repousar. Buenas noites...

Desperto às cinco horas.
As costas e os contornos da capital estão à vista.
O pessoal de bordo está lavando o convés.
O sol vem surgindo do mar, lançando reflexos sobre as águas.
Um marinheiro vem içar a bandeira nacional no mastro do Bagé, e, ao fazê-lo, o sol vai beijando o verde-amarelo das nossas cores, ao balanço do terreal fresco e macio, fazendo-a ondular enlaçada de reflexos dos seus raios violáceos...
Senti-me poeta e relembrando o cearense Paulo Ney, declamei-lhe os versos:

“Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que à luz do sol encerra
As promessas divinas da esperança!”

- Bravo, bravíssimo! Estás poeta?!
Era Nísia que me despertava  do meu êxtase, como uma deusa seráfica, radiante de beleza e encantos...
Não me contive.
Beijei-a apaixonadamente...
...afinal, éramos humanos.

O sol inflamava as águas e o casario da cidade com as reverberações dos seus lampejos.
O farol ainda emitia tênues lampejos de três cores a despedir-se da noite, incendiando os fios elétricos.
As luzes da cidade já se apagaram.
Apenas o verde-escuro da cidade-Pomar vai se iluminando de claridades solares.
O navio vai mansamente transpondo a barra.
Alvoroço à bordo.
Muita gente no cais.
Conhecidos acenam sorrindo.
Famílias dos congressistas.
Convidados.
Curiosos.
Amigos.
O cais está apinhado como se fosse dia de chegada de algum figurão oficial.
Os carregadores conhecidos abrem os dentes alvíssimos, destacando-se do preto da cara e do azul da vestimenta.

Meu pai.
Minha mãe!
Pedrito!
Até Frutuoso e Massimo estão no cais.
Diviso-os, saúdo-os com o lenço.
Nísia e eu saltamos juntos.
Abraços fortes, congratulações, alegrias.
Rumo à chácara.
 ...............
CONCLUSÃO

Meus pais ambientados e afeitos à nova vida.
A chácara fora magnífico negócio.
Frutuoso superintende o pomar e a horta.
Massimo, o estábulo e a capineira.
Tudo em progresso e rendendo lucros.

Eu e Nísia casamos.
Não houve festas. Tudo feito e realizado numa simplicidade wagneriana.
Somos felicíssimos.
Montamos consultório na cidade e vivemos dos labores da nossa profissão, que nos enche de entusiasmo e convida-nos a prosseguir.

Pedrito, juntando o útil ao agradável, também casou-se.
Hoje é genro e sócio do senhor Castro.
Sob o mesmo teto paterno, na casa ampla da chácara, vivem agora três casais. Dois deles sem filhos, por enquanto...

                                    Finalmente,
A árvore plantada pelo Velho Martinho transportou-se para terreno fértil e profundo.
Frondou, e novos galhos virentes e robustos surgiram impetuosamente.
                                   
                                     (Ponto Final)

NOTA.
         Entrou a minha historinha por
         Uma porta e saiu na outra,
        Agora... Julinha...
        ... que me conte outra.

27/01/1941
F. B. Santos

(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII) –Francisco Benício dos Santos

Postagem final

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Para facilitar sua leitura, ICAL publica abaixo os links de postagens do capítulo XXII – DIÁRIO DE VIAGEM:

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