BORDO DO Pedro II
31º DIA (Final)
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Isauro:
- Não nos faça uma conferência. Olhe, querida, que os nossos
digníssimos ouvintes já devem estar com Morfeu a lhes rondar os sentidos...
- Não, é cedo. Morfeu está no salão do baile ao lado do casal
de sírios.
-Magnífica está a limonada, pena que não sirva para os
mistérios do santo sacrifício da missa; isto faria mais bem e saberia melhor
aos santos abades. Eles preferem, porém, a limonada da parra. Dá-lhes sonhos,
dá-lhe ilusões!
- E dá-lhe irreverência – rematou a embaixatriz.
Doutor Hidalgo:
- Sempre brigona e inquisitorial a minha cara-metade!
Nísia:
- Como percebo Deus: A humanidade que vem percorrendo toda
escala dos seres da criação, desde o infusório ao leão e deste ao homem, cedo
compreendeu eu precisava de um ser que o
protegesse e daí começou adorando animais, aves, répteis, o sol e, por último,
criou um nome com a evolução, para defini-lo.
Chamou-o Deus, Alá, Júpiter, Pam, etc.
Foi o medo quem criou este nome e as religiões tomaram conta
deles e fantasiaram ao ponto de tecerem uma teia complicada dando lugar às
milhares de definições e, com elas, as milhares de obras, todas com um único
fim de manter a humanidade na sua milenar ignorância, tornando-a escrava do
medo.
Criaram o inferno com as suas penas eternas, os dogmas, os
mistérios, as divindades e uma corte celestial do feitio das casas reinantes da
terra, com ministros, anjos, serafins e até virgens!
Depois veio a inquisição. A golpes de torturas obrigava a toda
a população a acreditar nos seus dogmas ou então seria mandada em nome de Deus
para a casa do outro Deus de igual poder ; o Satanás. E foram milhões de seres
imolados por esta infame e sacrílega instituição que, segundo ela, estão
povoando outros infernos, eternamente, sem outra culpa senão a de não
acreditar, por exemplo, que o papa é Deus e que o inferno e o purgatório são
lugares reais. Ora, isto é apenas infantil! Sem que queira embrenhar-me nos
mundos metafísicos, os deixo de lado e vou dizer o que penso sobre Deus...
Admiro Deus em tudo quanto no universo existe.
O Todo dentro do Todo.
Ao surgir do sol, quando os seus raios cheios de luz, calor
e eletricidade, penetram em todos os lugares; nas choupanas, nas tocas, nas
florestas, nos ninhos, nos lagos, nos rios, nos mares, no solar, nos palácios,
nas igrejas, nas academias, nas roças dos lavradores, nos campos, no leito do
moribundo, no berço de recém-nascido.
Aí vejo Deus... a sua imagem com a sua bondade, com a sua
justiça, com a onisciência...
Vejo Deus em tudo que palpita, que vibra!
Quando contemplo o céu estrelado e ponteado de sóis, de lua,
de planetas, de cometas, de nebulosas, de Via-Láctea, nestas noites lindas do
céu do Brasil, sem nuvens, de um azul profundo e suavíssimo, eu fico admirada,
enlevada, agradecida na contemplação do Cosmo-Deus que naquele conjunto
harmonioso, vibra, palpita e observa as diversas humanidades contadas aos trilhões que naqueles mundos vivem,
vibram, trabalham, gozam e rendem culto à harmonia, à fraternidade, à justiça e
ao amor que é, em síntese, o único nome que define Deus. Sim... que define
Deus!
Não esse amor humano, egoísta, falso, não esse amor-desejo,
amor-paixão, amor-instinto, amor-sensualidade, mas amor-sentimento, amor-altruísmo,
amor-desprendimento, amor-justiça, amor-bondade, amor-perfeição.
Eu vejo e sinto Deus-Amor dentro de mim, dentro da
humanidade.
Deus-Amor está no desabrochar da flor, no germinar da
semente, no perpassar da brisa, nos movimentos dos oceanos, nos estampidos dos
trovões, no movimento dos astros, no brilho dos sóis, na magnitude das noites
enluaradas. Está também no silvo do réptil, no canto do passarinho, no lamento
do injustiçado, nas dores do doente, no leito do moribundo, no berço do
infantil, nos soluços da mãe, no grito de dor do desesperado.
Deus está em tudo. Está dentro de nós, de nossa consciência,
nos nossos atos.
Por isso, admiro-o pelas suas obras. Ele é tal imenso sol ,
de tamanho absolutamente incompreensível aos nossos sentidos, que emite
chispas, fagulhas e estas fagulhas seguem universo a fora, descrevendo órbitas,
limando-se, polindo-se, aprendendo e fazendo outras iguais evoluírem e nessa
trajetória de milênios, retornará ao sol de onde saiu, unindo-se a Ele e com
Ele se confundindo.
Falou doutamente.
Pena que a madame não ouvisse a sua dissertação. Rezava
ave-marias e ladainhas castelhanas “inacianas”.
- Sei que tudo isto nada representa, sei que a Igreja está
com a verdade e que o munto está cheio de fantasias e de descrenças.
- Bem, agora vamos repousar. Buenas noites...
Desperto às cinco horas.
As costas e os contornos da capital estão à vista.
O pessoal de bordo está lavando o convés.
O sol vem surgindo do mar, lançando reflexos sobre as águas.
Um marinheiro vem içar a bandeira nacional no mastro do Bagé,
e, ao fazê-lo, o sol vai beijando o verde-amarelo das nossas cores, ao balanço
do terreal fresco e macio, fazendo-a ondular enlaçada de reflexos dos seus
raios violáceos...
Senti-me poeta e relembrando o cearense Paulo Ney,
declamei-lhe os versos:
“Auriverde pendão da minha terra
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que à luz do sol encerra
As promessas divinas da esperança!”
- Bravo, bravíssimo! Estás poeta?!
Era Nísia que me despertava
do meu êxtase, como uma deusa seráfica, radiante de beleza e encantos...
Não me contive.
Beijei-a apaixonadamente...
...afinal, éramos humanos.
O sol inflamava as águas e o casario da cidade com as
reverberações dos seus lampejos.
O farol ainda emitia tênues lampejos de três cores a
despedir-se da noite, incendiando os fios elétricos.
As luzes da cidade já se apagaram.
Apenas o verde-escuro da cidade-Pomar vai se iluminando de
claridades solares.
O navio vai mansamente transpondo a barra.
Alvoroço à bordo.
Muita gente no cais.
Conhecidos acenam sorrindo.
Famílias dos congressistas.
Convidados.
Curiosos.
Amigos.
O cais está apinhado
como se fosse dia de chegada de algum figurão oficial.
Os carregadores conhecidos abrem os dentes alvíssimos,
destacando-se do preto da cara e do azul da vestimenta.
Meu pai.
Minha mãe!
Pedrito!
Até Frutuoso e Massimo estão no cais.
Diviso-os, saúdo-os com o lenço.
Nísia e eu saltamos juntos.
Abraços fortes, congratulações, alegrias.
Rumo à chácara.
CONCLUSÃO
Meus pais ambientados e afeitos à nova vida.
A chácara fora magnífico negócio.
Frutuoso superintende o pomar e a horta.
Massimo, o estábulo e a capineira.
Tudo em progresso e rendendo lucros.
Eu e Nísia casamos.
Não houve festas. Tudo feito e realizado numa simplicidade wagneriana.
Somos felicíssimos.
Montamos consultório na cidade e vivemos dos labores da
nossa profissão, que nos enche de entusiasmo e convida-nos a prosseguir.
Pedrito, juntando o útil ao agradável, também casou-se.
Hoje é genro e sócio do senhor Castro.
Sob o mesmo teto paterno, na casa ampla da chácara, vivem
agora três casais. Dois deles sem filhos, por enquanto...
Finalmente,
A árvore plantada pelo Velho Martinho transportou-se para
terreno fértil e profundo.
Frondou, e novos galhos virentes e robustos surgiram
impetuosamente.
(Ponto
Final)
NOTA.
Entrou a
minha historinha por
Uma porta e
saiu na outra,
Agora...
Julinha...
... que me conte
outra.
27/01/1941
F. B. Santos
(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII) –Francisco
Benício dos Santos
Postagem final
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Para facilitar sua leitura, ICAL publica abaixo os links de
postagens do capítulo XXII – DIÁRIO DE VIAGEM:
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