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sexta-feira, 7 de julho de 2017

TERRAS DE ITABUNA: A marcha do progresso

A marcha do progresso


            Essas histórias, ele Carlos Sousa, ouvira de Basílio Oliveira, filho de Militão Oliveira, quando um dia perguntara a Basílio por que não tinha medo de balas.

            E Basílio, aquele que brigou com os Badarós, disse-lhe: Nasci no meio de balas. Meu pai trabalhava na mata, com a arma de fogo junto. Naquele tempo a gente aprendia a pedir a bênção ao pai, fazer o sinal da cruz e a apertar o gatilho da espingarda. Sem isto ninguém aguentava nas matas bravas do cacau. E narrava-lhe:  entre os anos de 1860 e 1899, Tabocas cresceu apesar das lutas e dos conflitos. Um povoado que se fez por si mesmo, sem lei, e sofrendo a dura influência do banditismo que imperava no município ilheuense, sob o domínio de Gentil de Castro. Terra de gente valente, nunca deu para trás.

            Jamais recuou sempre teve chefes decididos nas brigas e no trabalho. Gentil de Castro, de Ilhéus, por exemplo, atacou a fazenda Alegrias do Coronel Manuel Pancrácio Pereira Pinto, intimando-o a passar-se para as fileiras do Partido Liberal. Mas quando tentou atacar a fazenda de Henrique Alves topou tempo duro: Henrique Alves amoitou-se e enfrentou o valente de Castelo Novo, que recuou. Nesse mesmo tempo Maximiano de Oliveira, o velho Maxi, cantava na viola:

“Chore quem chorar
Ria quem sorrir
O outeiro da Palha
É do velho Maxi”.

            Havia lágrimas, mas havia alegrias. Noites se passavam ao som da viola, das cantigas e das danças. Noites se passavam ouvindo o som dos tiros.

            Com essas alternativas, do som das violas e dos tiros das repetições, os Itabunenses elaboravam a sua tarefa, construíam a riqueza da terra, plantavam cacau.

            Ao raiar do século, as dificuldades do povo aumentavam, as riquezas também.

            A consciência popular começava a protestar contra a Câmara de Ilhéus, que não fazia nada, até parecia que odiava o distrito. Não era mais possível que continuasse um distrito oprimido, explorado pelos fiscais, em número de cinco, na cobrança de impostos. Seiscentos réis pagava de imposto um saco de cacau e, por cima de tudo, o povo humilhado pela jagunçada dos mandões. Precisava de correio e não tinha, uma carta custava dez mil-réis, os tropeiros haviam subido o frete do cacau de três para oito mil-réis, por causa da desgraçada estrada do Banco da Vitória, que matava burros, aleijava burros, arrebentava os tropeiros e exigia três dias de trabalho em cada viagem de cacau.

            O distrito solicitou uma escola e nomearam um alfaiate como professor, que matava as crianças de pancada. A crise do comércio, por falta de dinheiro, desesperava. Os negociantes de Salvador não estavam remetendo numerário, assombrados com a ordem pública. A coisa não andava boa. O engenheiro José da Silva Matos tomou uma cacetada à noite, ao sair à rua depois do espetáculo da artista Mariana das Neves, que estava enlouquecendo os homens da terra. Misael Tavares sofreu um atentado à bala, que matou o seu pajem de nome Eusébio Cardoso.

            Não havia garantias. Havia trabalho e audácia, decisão e tenacidade. Luta de vida e morte, na construção do patrimônio. Não existia um sinal de administração pública. Os porcos, as cabras, os animais andavam soltos no comércio, sujando tudo, invadindo as casas. A Rua da Lama com as suas setenta casas comerciais se achava intransitável, uma miséria,  um atoleiro de fora a fora. Por outro lado, a febre grassava, danada, matadeira,  inclemente.

            Apareceu um boletim manuscrito que dizia: O nosso presente é terrível, nosso futuro se afigura medonho. O Conselho de Ilhéus não faz nada. Só faz é perseguir o povo de Tabocas e negou o pedido para o distrito passar a vila. No outro dia prenderam o filho de Aureliano – o pintado – como autor do boletim. Uma semana depois, o Alferes Cupertino tomou dois tiros à queima-roupa do filho de Aureliano, que fugiu, mas foi preso e assassinado.

            Os homens brigavam, se matavam, e os cacauais cresciam e, com eles, o povoado que, nessa época, entre 1900 e 1902, possuía seiscentas casas.

            Em outras partes do País os trabalhadores sofriam pela pobreza, pela falta do que fazer; nas terras de Tabocas, sofriam pela ânsia de enriquecer ligeiro.


(TERRAS DE ITABUNA)

Carlos Pereira Filho

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O BARBEIRO, O PAPA E A REGULAMENTAÇÃO DAS PROFISSÕES – Raul Cânova

O barbeiro, o papa e a regulamentação das profissões 


Ontem fui cortar o cabelo (o que restou) e como sempre João me recebeu com um abraço. Somos amigos e às vezes confidentes já faz um tempo. Bem humorado, começou seu trabalho perguntando: Você conhece a anedota do barbeiro e o cara que foi a Roma? Não – respondi. - Então a estória é a seguinte: o cara vai ao barbeiro e começa o seguinte diálogo…

Cliente: Bom dia, Libertino!

Barbeiro: Ora, viva! Como está você?

Cliente: Tudo bem, tudo bem! Preparando minha viagem, vou a Roma amanhã, com minha mulher. Vê de deixar meu cabelo em ordem.

Barbeiro: Roma?! Xi! Que escolha, eh! Uma cidade suja, barulhenta cheia de turista pobre...

Cliente: É, minha mulher e eu queremos ver o Papa.

Barbeiro: O Papa? Tá bom! Vão vê-lo deste tamanhinho, desde a Piazza di San Pietro, quando saúda a multidão desde a janela – diz fazendo um gesto com a mão, enquanto segura o pente entre os dentes.

Cliente: Não importa, de qualquer maneira iremos vê-lo.

Barbeiro: Já comprou as passagens?

Cliente: - Sim, pela Alitalia.

Barbeiro: Alitalia?! Alitalia não renova a frota há tempos, nem as aeromoças, aff... São as mesmas da época da Sophia Loren. E o hotel? Já reservou o hotel?

Cliente: Sim, claro, vamos ficar no Sofitel.
Barbeiro: O Sofitel não é aquele da Via Veneto? Um prédio antigo, meio caindo aos pedaços?

Cliente: Libertino, acho que você está enganado, me falaram que é um hotel delicioso, muito fino.

Barbeiro: Sei não, tomara que dê tudo certo – disse o homem enquanto passava uma escova, depois de terminar com o corte.

PASSAM-SE QUATRO SEMANAS E O CLIENTE VOLTA AO SALÃO COM UM SORRISO MAROTO

Cliente: Como estão as coisas, Libertino? Tudo Bem?

Barbeiro: Tudo OK! Como foi de viagem?

Cliente: Ah, foi bom, sempre tem algum transtorno, mas foi tudo bem, tudo bem mesmo.

Barbeiro: Mesmo, mesmo?

Cliente: - Ô, quando chegamos a Cumbica, para embarcar na ida, sofremos com um overbooking.

Barbeiro: Não falei?!

Cliente: Sim, mas o pessoal da Alitalia nos ofereceu como compensação viajar na 1ª Classe, inclusive na volta, sem nenhum gasto extra. Foi fantástico: Risottos alla Milanese, acompanhados com bons vinhos como Brunello di Montalcino, aeromoças simpáticas, aliás, a companhia está com uma frota nova de Boeing 777, silenciosos e essas comissárias de bordo foram formadas recentemente e, apesar de jovens, meninas quase, são treinadíssimas e muito simpáticas.

Barbeiro: Humm... E o hotel, era velho como eu disse?

Cliente: É, o predio é de 1890, mas foi reformado há pouco e por dentro tem toda a tecnologia do século XXI. O problema é que quando chegamos não encontravam minha reserva.

Barbeiro: Ai!

Cliente: É, e o concierge, que era uma figura, um verdadeiro conde romano, arranjou a suíte presidencial para nós e ainda pediu mil desculpas. Incrível, foi uma espécie de segunda lua de mel, mas de poderosos!

Barbeiro: - E o Papa? Foram na praça para ver o Papa?

Cliente: - Não, fomos visitar o Vaticano bem cedo e aconteceu algo totalmente inesperado. Estava andando com minha mulher, conversando sobre as obras de arte do Museu do Vaticano, quando se aproximou um guarda suíço e falando baixinho pergunto se éramos brasileiros. Eu falei que sim, que éramos de São Paulo e ele confidenciou que Sua Santidade tinha acordado com o desejo de convidar brasileiros para seu desjejum. Ficamos surpresos, parecia um sonho. Tomar café da manhã com o Papa era demais! Mas era verdade, entramos nos aposentos papais e lá estava ele com um sorriso sabido, como se me conhecesse há tempos.

Barbeiro: E aí?– pergunta atônito, já com a tesoura quase caindo da mão.

Cliente: Aí nada. Foi tudo muito cerimonioso, tomamos o café em silêncio, nessas xícaras de porcelana de Limoges, tudo muito chique, com muita prataria, toalhas e guardanapos de linho...

Barbeiro: E ele, o Papa, não falou nada com você, nada?

Cliente: - Falou sim, chegou bem perto de mim e disse, em voz baixa e doce: 'Hummm, quem é o cretino imbecille que corta teu cabelo?"

Depois de umas boas risadas, que contagiaram as outras pessoas que estavam também cortando o cabelo, o João me disse que, piadas à parte, há muitos por aí que não honram a profissão do Fígaro, falando mais do que devem e cuidando mal das madeixas. Mas, segundo ele, tudo isto acabou depois de aprovar a lei que regulamenta a profissão de cabeleireiro, vinte dias atrás.

- Nós, cabeleireiros de verdade, sentimos orgulho de seguir os passos de Vidal Sassoon e de Lee Stafford.

- Quem são esses caras? – perguntei.

- Como quem são esses caras, Raul? O Vidal é uma eminência há um tempão e o Stafford é hoje, o mais famoso do planeta!

- Pega leve, João, aposto que nunca ouviu falar de John Brookes ou de Patrick Blanc.

- Lógico que já, ou você acha que não leio sobre jardins?

- Tá bom, Espero que, junto a outros colegas, possa sentir esse mesmo orgulho, quando aprovemos a regulamentação da profissão de paisagista.

- Ué, sua profissão não é regulamentada? Não é pra valer?

- Ainda não, João,

Na ANP, que é a Associação Nacional de Paisagismo, estamos trabalhando para que a lei seja aprovada.

- Puxa, nada mais justo!

- Abraço, João

- Abraço, Raul!

P.S. Piadas à parte, todos aqueles que, de algum modo, projetam espaços ambientando-os com vegetação e mobiliário específico para áreas externas, devem somar-se aos que trabalham para aprovar o Projeto de Lei 2043/11, do deputado Ricardo Izar (PV-SP), em tramitação na Câmara, que regulamenta a profissão de paisagista e passará a ter registro próprio expedido pelo Ministério do Trabalho.

Autor: Raul Cânovas




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