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quinta-feira, 26 de julho de 2018

FLIP 2018: FERNANDA MONTENEGRO É APLAUDIDA DE PÉ E SE EMOCIONA AO FAZER HOMENAGEM A HILDA HILST NA ABERTURA


Festa Literária Internacional de Paraty começou nesta quarta-feira (25) e vai até domingo (29). 
Compositora Jocy de Oliveira também participou da sessão que inaugurou a 16ª edição.

Por Cauê Muraro, G1, Paraty
25/07/2018

Fernanda Montenegro lê Hilda Hilst na abertura da Flip 2018 (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)

Foi com uma apresentação emocionada a de Fernanda Montenegro lendo trechos da obra da escritora Hilda Hilst (1930-2004), homenageada desta edição do evento, que a 16ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) começou na noite desta quarta-feira (25).


Com direção de cena de Felipe Hirsch, a atriz de 88 anos esteve por cerca de meia hora no palco. Passou a maior parte do tempo sentada diante de uma mesa.

Mas, nos minutos finais, levantou-se. A última palavra que declamou foi "delicadeza". Fez, então, um gesto indicando um abraço, e as luzes se apagaram.

Quando se acenderam de novo, Fernanda 
foi ovacionada e aplaudida de pé pelo 
auditório de 500 lugares, todos ocupados. 
Com voz embargada, disse: "Maravilhosa 
Hilda Hilst. Inesgotável Hilda Hilst. Amada 
Hilda Hilst".

Fernanda Montenegro é aplaudida na abertura da Flip 2018 (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)

No geral, a abertura teve seus momentos (sutis, mas aprovados) de política, pornografia e poesia, como era de se esperar num tributo a Hilda Hilst.

Mesmo com a chuva (e o barulho) forte que caiu bem na hora da sessão, a Praça da Matriz ficou lotada. Tinha muita gente dentro e fora da tenda que exibe de graça, num telão, os debates.

Fernanda Montenegro leu trechos como estes, todos da poesia, da prosa ou de entrevistas da homenageada:

"Quero ser lida em profundidade, e não como distração, porque não leio os outros para me distrair, mas para compreender, para me comunicar, não quero ser distraída";

"Eu sempre tentei me aproximar do outro, ainda que no decorrer da vida eu tenha tido medo dessa proximidade";

"Não é todo mundo que consegue entrar no mundo da poesia";

"Gente, eu já estou uma fúria e para ficar mais calma proponho algumas coisas mais sutis, por exemplo: o Esquadrão Geriátrico de Extermínio, a sigla óbvia seria EGE. Arregimentaríamos várias senhoras da terceira idade, eu inclusive, lógico, e com nossas bengalinhas em ponta, uma ponta-estilete besuntada de curare (alguns jovens recrutas amigos viajariam até os Txucarramãe ou os Kranhacarore para consegui-lo) nos comícios, nos palanques, nas Câmaras, no Senado, espetaríamos as perniciosas nádegas ou o distinto buraco malcheiroso desses vilões, nós, velhinhas misturadas às massas, e assim ninguém nos notaria, como ninguém nunca nota a velhice".

Mas o tom não foi só de reverência. Teve risos na plateia (como quando Fernanda leu um pedaço da tal crônica "E.G.E.") e risinhos envergonhados (como quando leu passagens da conhecida vertente pornográfica da produção de Hilda, no caso de "A obscena Senhora D").

'Mulheres que mudaram a identidade brasileira'

A curadora Joselia Aguiar na abertura da Flip 2018 (Foto: Divulgação/Walter Craveiro)

Fernanda Montenegro subiu no palco após falas do arquiteto Mauro Munhoz, diretor-presidente da Associação Casa Azul, responsável pela Flip; da fundadora da Flip, Liz Calder; e de Joselia Aguiar, curadora da festa pelo segundo ano seguido.

Munhoz lembrou que a sessão de abertura da Flip 2018 junta teatro, música e literatura e tem dois atos: primeiro, com Fernanda Montenegro; depois, com a compositora Jocy de Oliveira. Ele lembrou que ambas são da mesma geração de Hilda.

"Em sua atuação artística e política, as 
mulheres dessa geração mudaram a 
identidade brasileira", afirmou ele.

Já Joselia disse que a homengeada da Flip experimentou vários gêneros literários (poesia, prosa, teatro), publicou por editoras pequenas e era conhecida por público restrito. Mas atualmente, uma década e meia após a morte, tem sido cada vez mais assunto de trabalhos acadêmicos e críticas.

A curadora citou casos de pessoas que agora tatuam no corpo versos da autora, falando em "níveis de popularidade inéditos sem deixar de desafiar o leitor".

'Nós, mulheres, somos todas Hilda'

Jocy de Oliveira no segundo ato da abertura da Flip 2018 (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)


A abertura da Flip 2018 foi encerrada com dois números musicais compostos da maestrina, compositora e pianista Jocy de Oliveira.

Entre as apresentações, ela também falou sobre as relações entre sua obra e a de Hilda Hilst (agora, parte do público se dispersou pouco).

Jocy tratou, especificamente, da importância do tema "morte" na poesia e na ficção da homenageada da Flip. A autora em certa fase da vida espalhou gravadores pela chácara onde morava em Campinas (SP), a famosa Casa do Sol, para tentar gravar sons de espíritos.

"Ao tentar se comunicar com outro mundo, Hilda dizia que conseguia algumas interferências de vozes desconhecidas, algumas bastante nítidas, outras bastante fracas", contou Jocy.

"O segundo tema que me chama atenção [na obra de Hilda] é a 'transgressão'. Hilda foi sem dúvida uma mulher transgressora, além de seu tempo. Enfrentou paradigmas de sua época, enfrentou a mídia, seus críticos, lançou seus textos pornográficos pelo desejo de ser lida."

A compositora completou: "Ela nunca precisou se preocupar em ser uma mulher à frente de seu tempo, porque ela foi além de seu tempo".

Ao falar sobre o poder dos textos da 
homenageada especialmente entre as 
leitoras, Jocy de Oliveira declarou: "Nós, 
mulheres, somos todas Hilda".

No auditório da Praça, onde as mesas da Flip são transmitidas gratuitamente, a compositora foi bastante aplaudida após esta última frase.

Em seguida, foi mostrada uma versão de sua ópera "Medea solo". De acordo com a compositora, o mito é mostrado na obra a partir "de um ponto de vista político" e retrata "questões extremamente pertinentes no mundo atual".

Esta volta da política foi talvez o único ponto em comum entre este segundo ato e aquele bom início com Fernanda Montenegro, na leitura da crônica do Esquadrão Geriátrico de Extermínio.

Apesar da chuva bem na hora da sessão de abertura da Flip 2018, ficou lotada a área externa do auditório que exibe num telão de graça a programação do evento (Foto: Walter Craveiro/Divulgação)


Veja, abaixo, a programação da Flip 2018

Quarta-feira (25 de julho)

20h – Mesa 1 (Sessão de abertura), com Fernanda Montenegro e Jocy de Oliveira – A atriz e a pioneira na música de vanguarda, que hoje se dedica à ópera multimídia, fazem homagenagem a Hilda Hilst.

Quinta-feira (26 de julho)

10h – Mesa 2 (Perfomance Sonora), com Gabriela Greeb e Vasco Pimentel – A voz, a escuta e as divagações literárias e existenciais de Hilda Hilst registradas em fitas magnéticas na década de 1970 são apresentadas pela cineasta brasileira e pelo sound designer português.

12h – Mesa 3 (Barco com Asas), com Júlia de Carvalho Hansen, Laura Erber e Maria Teresa Horta (em vídeo) – Esse diálogo inusitado reúne, por vídeo, um grande nome da poesia de Portugal do último meio século e, em Paraty, duas poetas brasileiras influenciadas pela lírica portuguesa que têm pontos em comum com Hilda Hilst.

15h30 – Mesa 4 (Encontro com livros notáveis), com Christopher de Hamel – A religião, a magia, a luxúria e a leitura na época medieval se apresentam nas páginas do "Evangelho de Santo Agostinho", do "Livro de Kells" e de "Carmina Burana", comentadas pelo maior especialista do mundo nesses manuscritos.

17h30 – Mesa 5 (Amada vida), com Djamila Ribeiro e Selva Almada – Uma ficcionista argentina que escreveu sobre histórias reais de feminicídio e uma feminista negra à frente de uma coleção de livros conversam sobre como fazer da literatura um modo de resistir à violência.

20h – Mesa 6 (Animal Agonizante), com Gustavo Pacheco e Sérgio Sant'anna – Um grande mestre da literatura brasileira que abordou o desejo, a solidão e a morte relembra sua trajetória ao lado de um leitor seu e autor estreante elogiado pela crítica portuguesa com histórias de humanos e outros primatas.

Sexta-feira (27 de julho)

10h – Mesa 7 (Poeta na torre de capim), com Lígia Ferreira e Ricardo Domeneck – A falta de leitores e o silêncio da crítica, como reclamava Hilda Hilst: para esse debate, encontram-se a grande especialista no poeta negro Luiz Gama e um poeta e editor atento a nomes ainda fora do cânone, como Hilda Machado, que morreu inédita em livro.

12h – Mesa 8 (Minha Casa), com Fabio Pusteria e Igiaba Scego –Fazer literatura tendo uma língua comum – o italiano – e diferentes aportes, fronteiras e paisagens geográficas e literárias: nesse diálogo, reúnem-se o poeta de um país poliglota, que é tradutor do português, e uma romancista filha de imigrantes da Somália, que escreveu sobre Caetano Veloso.

15h30 – Mesa 9 (Memórias de porco-espinho), com Alain Mabanckou – O absurdo e o riso, Beckett,culturas africanas, escrita criativa e crítica da razão negra: a trajetória e o pensamento de um poeta e romancista franco-congolês premiado se revelam nessa conversa com dois entrevistadores.

17h30 – Mesa 10 (Interdito), com André Aciman e Leila Slimani – O exercício da liberdade de escrever e a escolha de temas tabu ou proibidos – a exemplo do homoerotismo, da sexualidade feminina e da religião —são as questões tratadas nesse diálogo entre dois romancistas, um judeu americano de origem egípcia e uma francesa de origem marroquina.

20h – Mesa 11 (A Santa e a Serpente), com Eliane Robert Moraes e Iara Jamra – A obra de Hilda Hilst em poesia e prosa é vista tanto em sua dimensão corpórea quanto mística por uma ensaísta que atua na fronteira entre a literatura e a filosofia, enquanto são feitas leituras por uma atriz que encarnou a sua personagem mais famosa – Lori Lamby.

Sábado (28 de julho)

10h – Mesa 12 (Som e Fúria), com Jocy de Oliveira e Vasco Pimentel – A escuta e a criação de universos sonoros: para esse diálogo, encontram-se uma das pioneiras da música de vanguarda no país, hoje dedicada à ópera multimídia, e um sound designer português – os dois conhecidos pelo rigor e pelo preciosismo.

12h – Mesa 13 (O poder na alcova), com Simon Sebag Montefiore –Historiador britânico best-seller que publicou biografias de Stálin, dos Romanov e, agora, de Catarina, a Grande, conta, nessa conversa com dois entrevistadores, como faz para retratar figuras centrais da política em seus pormenores mais íntimos.

15h30 – Mesa 14 (Obscena, de tão lúcida), com Juliano Garcia Pessanha – Uma romancista portuguesa nascida em Moçambique que tratou de temas como o racismo e a gordofobia se encontra com um narrador de gênero híbrido e filosófico para discutir a escrita de si, os diários e as memórias, o corpo e o desnudamento.

17h30 – Mesa 15 (Atravessar o sol), com Colson Whitehead e Geovani Martins – O americano vencedor do Pulitzer com um romance histórico sobre escravizados que construíram sua rota de fuga se encontra com um estreante que, da favela do Vidigal, inventa com liberdade seu jeito de narrar e usar as palavras.

20h – Mesa 16 (No par do incomum), com Liudmila Petruchévskaia – Um dos grandes nomes da literatura russa moderna, comparada a Gogol e Poe por seus contos de horror e fantasia que não dispensam o teor político, relembra sua trajetória proibida por décadas no regime stalinista, hoje aclamada de Moscou a Nova York.

Domingo (29 de julho)

10h – Mesa Zé Kleber (De Malassombros), com Franklin Carvalho e Thereza Maia – Um narrador do sertão baiano que abordou a mitologia da morte em seu premiado romance de estreia se encontra com uma folclorista que recolheu histórias orais de Paraty, em um diálogo sobre o território e seus encantados.

12h – Mesa 17 (Sessão de encerramento 'O escritor seus múltiplos'), com Eder Chiodetto, Iara Jamra e Zeca Baleiro – Uma atriz, um compositor e um fotógrafo que fizeram obras baseadas em Hilda Hilst relembram os encontros com a autora, o processo de criação e as marcas que a experiência deixou em suas trajetórias.

15h30 – Mesa 18 (Livro de cabeceira): convidados leem trechos de livros marcantes.


Flip 2018

Quando: de 25 a 29 de julho

Onde: Paraty (RJ)

Ingressos: R$ 55 para cada mesa (com meia-entrada)

Onde comprar: durante a Flip, a venda acontece só em Paraty, na bilheteria oficial localizada na Praça da Matriz, no Centro Histórico.

Como assistir pela internet: as mesas vão ser transmitidas ao vivo por streaming no canal oficial da Flip no YouTube (clique aqui), pelo Facebook (clique aqui), pelo Instagram (clique aqui) e pelo Twitter (clique aqui).


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‘EXISTE CERTO RADICALISMO NAS IDEIAS, ATÉ MEIO BOÇAL’, DIZ CONSULTOR DE BOLSONARO


“Ao ver o STF, sinto-me envergonhado pela falta de espírito público, pela covardia moral, pelas falsidades e, principalmente, por observar que uns merecem mais que outros ante os olhos daquele colegiado” General Hamilton Mourão (Crédito: Jackson Ciceri)

26/07/18 

Um dos consultores da candidatura à Presidência de Jair Bolsonaro (PSL), o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), de 64 anos, afirma que há um “certo radicalismo nas ideias, até meio boçal”, entre os apoiadores do candidato nas eleições 2018. Ao Estado, ele diz que a campanha é “meio amadora” e reclama que a imprensa trata Bolsonaro com “preconceito”. Há dois meses no comando do Clube Militar, entidade que teve espaço de destaque na política até os anos 1960, Mourão, gaúcho de Porto Alegre, diz que o setor ficou dentro do “casco” como tartaruga desde o fim do regime militar, mas voltou disposto a atuar em disputas eleitorais.


A campanha do PSL tentará um eleitorado mais amplo ou preservar o que conseguiu?

Ele está num momento de encruzilhada, tanto em relação à escolha do vice, que não está fácil, como à necessidade de buscar novos eleitores. Ele alcançou o limite daquele pessoal que, por decantação, se sente atraído. Tem de buscar aquelas pessoas que ainda não escolheram em quem votar. Ele tem de estar preparado, desde agora, para ser o presidente de todos os brasileiros, e não apenas do grupo que o apoia fanaticamente. Não é mudar o discurso. Existe muito estereótipo em cima da figura do Bolsonaro, porque parcela aí da imprensa não publica as coisas boas, só as escorregadas. Há um preconceito, uma má vontade. Ele tem de mostrar que não é um troglodita. Que é um homem que criou os filhos de forma correta, que não nasceu em berço de ouro.


Os seguidores tradicionais de Bolsonaro entenderão o pragmatismo de uma campanha?

Existe um certo radicalismo nas ideias, um radicalismo até meio boçal. Tem boçal dos dois lados. Os extremos se atraem. Quando a Janaina (Paschoal) falou que o pessoal não pode ser o PT ao contrário, ela tem razão. A gente não pode dividir o País. Isso foi o que o PT fez. O PT é a vanguarda do atraso. A gente tem de trazer todos os brasileiros e aceitar as ideias de uns e de outros e não ficar se matando.


Foi um elo previsível uma candidatura de um homem oriundo do meio militar e jovens órfãos de lideranças políticas?

É o camarada que perdeu a perspectiva. No momento em que essa geração quer fazer um concurso público ou quer ir para fora do País, alguma coisa está errada. O País deixou de empreender, criar emprego e esperança. Por meio das redes sociais, Bolsonaro captou a mensagem. Tem muita gente que vê o galo cantar e apresenta visão distorcida: ‘Ah, o Brasil vai virar uma Venezuela’. Eu digo: ‘Calma lá, minha gente. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.’


O grupo dos senhores está mesmo no jogo?

Estamos para ganhar. O que eu julgo é que a campanha do Bolsonaro está meio amadora. É aquela história: ele se fez, então tem dificuldades de ouvir as pessoas. Mas acho que ele vai colocar um coordenador de campanha, que poderia ser o general (Augusto) Heleno. Alguém tem de coordenar esse troço aí, tem de colocar já uma equipe para escrever logo o programa de governo, o que ele vai fazer. Não pode o camarada ganhar a eleição e perguntarem: ‘O que ele vai fazer agora?’. Se ele pretende reduzir o número de ministérios, tem de ter um estudo. Qual é o programa de privatização? Tem de ser mais claro. Até porque, a partir daí, ele buscará aquele eleitorado liberal que ainda está fazendo cara feia porque sente que não tem muita profundidade nessa lagoa.


Por que a atuação de militares na política está mais explícita?

O Exército é apartidário, mas não é apolítico. Na Nova República, as Forças Armadas foram muito atacadas, isso levou a um refluxo, a um comportamento de uma tartaruga que se esconde dentro do casco. Houve, então, infelizmente por erros de lideranças civis envolvidas em corrupção, um movimento da sociedade de buscar no grupo militar gestores capazes.


Sem articulações, a campanha terá pouco espaço no horário gratuito de TV.

Tempo de TV não é balizador. Quando começar o tempo eleitoral, a maioria das pessoas vai desligar a TV. E quem tem TV a cabo, fica com a TV a cabo.


Não é uma faca de dois gumes para as Forças Armadas ter um candidato oriundo da caserna e, ao mesmo tempo, com discurso polêmico em relação às questões indígena e de gênero?

Não acho que Bolsonaro recebe apoio ostensivo das Forças. O pessoal da ativa pode até apoiar, mas você não vai ver faixa no quartel. Esses temas que tiveram êxito nos últimos 30 anos fazem parte do gramscismo, que resultou no politicamente correto e no abafamento da liberdade de pensar.



* * *

ITABUNA, TERRA AMADA: Falando sobre a Vida, por Ghislaine Marques


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Falando sobre a vida


No abrir da porta ao amanhecer
Abrir os braços é dizer
DEUS, como é bom viver!

Viver é muito bom,
Saber que tem alguém para abraçar
Ter um coração pra amar...

Ah, como eu queria
Que todos os corações
Não guardassem mágoas
E nem rancor.

Meu coração, como o de todos,
Foi feito pra guardar amor.

Ao amanhecer
Vamos dizer como somos felizes
Amando, sem ódio
E sem rancor.

Ao anoitecer estamos prontos
Pra dormir um sono reparador
É ao acordarmos
Abrir os braços e dizer:
Como é bom viver!

Ghislaine Marques, poetisa

Itabuna / BA


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ITABUNA, TERRA AMADA: ITABUNA, 1950 (Bar, Jazz, Bogart) - Florisvaldo Mattos


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ITABUNA, 1950
(Bar, Jazz, Bogart)

Tinha tempo bastante a desfrutar
Konstantinos Kaváfis (1863-1033)


Baco adora quando desço a praça
Adami, caminho do Elite Bar.
Lá (no bar de Emetério), busco o morno
canto, próximo às mesas da sinuca;
observo os jogadores do apostado,
os ases das tacadas. O maior,
Zito Maleiro, já tuberculoso,
captura a solidão da bola sete;
o infinito resvala sobre o verde
espaço de luz acabando o jogo.

No ambiente etéreo, Raleu, um Gable
de cabaré no rosto juvenil,
confere ares de sonho ao botequim.
O garçom vem. Peço um vinho do Porto.
Ali, flagro o soluço do gargalo,
o intumescimento da taça e o rubro
trincolejar do vidro satisfeito.

As vitrinas do balcão, as prateleiras
alojando garrafas de bebidas.
A roda de gamão; o espelho e o rádio
Philips. Na sequência das notícias,
um julgado de saxes e trompete:
Duke Ellington, atacando “Perdido”,
acende um risco de néon na noite.

Sorvo o vinho do Porto, calmamente.
Atento o ouvido para o andar de cima,
ouço o ruído abafado da roleta
na sensação das coisas clandestinas.
Chegaram os amigos. Planejamos
o que faremos do frescor da noite.
Saímos. Vamos pela Rua da Lama,
em direção à Zona, ao Bar de Juca.
Lá ficamos até de madrugada.

Por que pensar na ciência dos abismos,
se temos muito tempo pela frente?
Antes fazemos hora, indo ao cinema.
Subimos a praça. Nunca perdemos
em nossa idade um filme de Bogart.

(A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior, 1996)
.....
Florisvaldo Mattos

Nascido em Uruçuca, antiga Água Preta do Mocambo, na Região do Cacau da Bahia, quando ainda distrito de Ilhéus, residindo depois em Itabuna, onde cursou no Ginásio da Divina Providência, e transferindo-se depois para Salvador, Florisvaldo Mattos diplomou-se em Direito, em 1958, mas optou pelo exercício do jornalismo, no mesmo ano, integrando inicialmente a equipe fundadora do Jornal da Bahia, como extensão da militância cultural de parcela do grupo nuclear da Geração Mapa, atuante, nos anos 1960, sob a liderança do cineasta Glauber Rocha. Foi professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde ministrou disciplinas e ocupou cargos na Faculdade de Comunicação e foi presidente da Fundação Cultural do Estado da Bahia, de 1987 a 1989; jornalista, escritor e poeta, desde 1995 ocupa a Cadeira 31, da Academia de Letras da Bahia; afastou-se do jornalismo em 2011, no cargo de Diretor de Redação do jornal A Tarde, de Salvador, onde antes editou por quase 14 anos o caderno A Tarde Cultural, premiado em 1995 pela Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA. É autor dos seguintes livros: Reverdor, 1965, Fábula Civil, 1975, A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior, 1996 (Prêmio Ribeiro Couto, da União Brasileira de Escritores), Mares Anoitecidos, 2000, Galope Amarelo e outros poemas, 2001, Poesia Reunida e Inéditos, 2011,Sonetos elementais, 2012, Estuário dos dias e outros poemas, 2016, e Antologia Poética e Inéditos, 2017 (todos de poesia); Estação de Prosa & Diversos, (coletânea de ensaios, ficção e teatro, 1997); A Comunicação Social na Revolução dos Alfaiates, 1998, e Travessia de oásis - A sensualidade na poesia de Sosígenes Costa, 2004, ambos de ensaio.


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