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domingo, 3 de maio de 2020

BISPOS OU SACERDOTES PODEM PROIBIR A COMUNHÃO NA BOCA? QUAL É A LEGISLAÇÃO DA IGREJA A RESPEITO?


3 de Maio de 2020
Concílio de Trento – Anônimo, séc. XVI. Museu do Louvre, Paris.

Padre David Francisquini
 Fonte: Revista Catolicismo, Nº 832, Abril/2020

Pergunta — Devido à ameaça de epidemia do coronavírus, o bispo da minha diocese impôs que a Sagrada Comunhão seja distribuída exclusivamente na mão dos fiéis, e não mais na boca. Chama-me a atenção que, no mesmo comunicado, proíbe-se o costumeiro aperto de mão na saudação da paz. Se o contato com a mão transmite o vírus, seria lógico proibir também a comunhão na mão, porque o padre poderia estar contaminado, não é? Essa contradição me leva a suspeitar que alguns bispos estejam querendo aproveitar a crise sanitária para tentar acabar com a distribuição da comunhão na boca, que é o modo tradicional. Há muitos anos sou “mal visto” por vários sacerdotes, por não receber a comunhão na mão, e tenho sido interpelado algumas vezes para “fazer como os demais”. Esses padres alegam que na Igreja primitiva se comungava desse jeito, e que o fato de não se permitir aos fiéis tocar na hóstia, como se fazia antes, estabelecia uma distinção excessiva entre os leigos e o clero, dando a entender que os padres eram virtuosos e os fiéis eram pecadores. Gostaria de saber se isso é verdade, e qual é a legislação da Igreja sobre a distribuição da comunhão.
Resposta — O Concílio de Trento declarou que o costume de o sacerdote celebrante comungar de suas próprias mãos, e depois distribuir a hóstia aos fiéis, é uma tradição apostólica (sess. 13, c. 8). São Basílio (330-379) informou que só era permitido receber a comunhão das próprias mãos em tempos de perseguição ou no caso dos monges do deserto — ou seja, quando não havia nem sacerdote nem diácono para dar a comunhão (Carta 93). Com a paz de Constantino essa exceção acabou, pois foi permitido à Igreja sair das catacumbas. Provavelmente isso era desrespeitado em alguns lugares e cometiam-se abusos, porque no ano 650 o Concílio de Rouen definiu: “Não coloques a Eucaristia nas mãos de um leigo ou de uma leiga, mas unicamente na sua boca”.
De fato, à medida que a Igreja foi tomando consciência de quão augusto é o tesouro que Nosso Senhor lhe deixou com o Sacramento da Eucaristia — seu Corpo e Sangue realmente presentes nas espécies consagradas do pão e do vinho —, Ela foi aos poucos aperfeiçoando seu modo de celebrar a Missa, a assiduidade e o modo de distribuir a Sagrada Comunhão, assim como de conservar e transportar o Santíssimo Sacramento. Basta citar, por exemplo, que os primeiros cristãos celebravam a Missa no mesmo local da refeição fraterna que tomavam em comum (ágape), e logo depois de terem comido. Ainda no século V, São Paulino de Nola testemunha a existência desse tipo de reuniões à mesa, não inteiramente separadas da celebração; e foi somente no segundo milênio que se tornou mais rígida a regra do jejum eucarístico prévio à recepção da Sagrada Comunhão.

Certeza da presença de Jesus na hóstia santa
Concomitantemente foi se impondo o costume de dar a comunhão na boca, pela certeza de que o Corpo de Nosso Senhor estava tão presente numa pequena fração quanto numa hóstia inteira, como belamente escreveu Santo Tomás de Aquino no hino Lauda Sion“Quando a hóstia é dividida, não vaciles, mas recorda que o Senhor encontra-se todo debaixo do fragmento, tanto quanto na hóstia inteira”. Ora, durante a distribuição da Sagrada Comunhão é frequente separarem-se da hóstia pequenos fragmentos, e é por isso que o coroinha deve sempre colocar a patena sob o queixo do comungante, a fim de recolher os fragmentos que eventualmente se desprendem da hóstia. Voltando ao altar, o sacerdote limpa a patena, derramando esses minúsculos fragmentos dentro do cálice a ser purificado mediante as abluções.
Essa consciência crescente da presença miraculosa de Jesus na hóstia, e da necessidade de recebê-Lo com a reverência devida, levou também a Igreja a impor aos fiéis recebê-Lo de joelhos, em sinal de adoração. É um sinal exterior para prestar-Lhe homenagem e saudá-Lo com o nosso corpo, num gesto de humildade. A recepção na boca é também um sinal de infância espiritual, pois da mesma forma que as crianças abrem a boca para receber o alimento, abrimos a boca para receber da mão do sacerdote o nosso alimento espiritual. E o sacerdote celebra a Missa “in persona Christi”, ou seja, ao celebrar, assume a própria pessoa de Cristo. Esses gestos de humilhação se fazem, portanto, diante do próprio Deus; e longe de rebaixar, engrandecem quem os pratica, porque são atos de adoração e de reverência a Deus.
Cumprir com santo zelo os deveres religiosos
O inexplicável é que, depois do Concílio 
Vaticano II, a comunhão na mão e outros 
modos de proceder protestante tenham 
começado a se infiltrar na Igreja 
Católica.

No século VI, na Igreja de Roma, a santa hóstia já era depositada diretamente na boca dos fiéis, segundo o testemunho de São Gregório Magno ao contar um milagre de Santo Agapito (Diálogos, livro 3°). E foi na Idade Média que se generalizou a recepção de joelhos, como afirma São Columbano, monge irlandês que cristianizou os escoceses.
A partir da Idade Média, os fiéis tiraram grande proveito espiritual desses gestos de reverência diante das espécies eucarísticas. Basta pensar na instituição da festa de Corpus Christi pelo Papa Urbano IV, em 1264. O primeiro grande fruto desse aperfeiçoamento no trato da Eucaristia foi o aumento da fé na Presença Real de Nosso Senhor no pão e no vinho consagrados, que se transformam no Corpo e no Sangue do Salvador. O segundo grande fruto foi o aumento da piedade, sendo reconhecido que a perfeição da virtude da religião produz nas almas um afeto filial para com Deus e uma terna devoção às Pessoas divinas, aos santos, à Igreja, às Sagradas Escrituras, etc., levando-as a cumprir com santo zelo os deveres religiosos.
Infiltração de costumes protestantes na Igreja
Esse movimento de fervor foi crescendo na Igreja Católica ao longo dos séculos e marcadamente a partir do século XVI em oposição às heresias de Lutero e seus sequazes.
Todas as seitas protestantes negam a transubstanciação, ou seja, negam que o pão e o vinho tornam-se o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, perdendo sua substância e ficando deles somente os acidentes. Algumas seitas dizem que a presença de Cristo é apenas espiritual, enquanto outras sustentam que, durante a cerimônia, seu Corpo e Sangue se unem à matéria das espécies, mas a substância do pão e do vinho permanece íntegra. Negam também o caráter de sacrifício da Santa Missa; e como consequência, negam o sacerdócio como uma ordem sagrada para realizar o sacrifício in persona Christi. Daí a equiparação dos fiéis aos pastores, que são meros pregadores.
O resultado da disseminação dessas heresias foi a transformação do altar numa mesa, colocada na frente ou no meio dos participantes, e o fazerem uma fila para ir pegar eles mesmos com a mão o pão e o vinho diretamente sobre a mesa. Na óptica herética deles, tudo isso se explica porque o culto é principalmente uma pregação; e a “comunhão” é simplesmente partilhar um pão e vinho não transubstanciados onde haveria uma vaga presença espiritual de Cristo.
O inexplicável é que, depois do Concílio Vaticano II, muito desse modo de proceder protestante tenha começado a se infiltrar na Igreja Católica.
O documento crucial para o abandono da maneira tradicional de receber a Comunhão foi a Instrução Memoriale Domini, publicada pela Sagrada Congregação para o Culto divino em 29 de maio de 1969. Ela explicava que um número reduzido de bispos havia pedido a admissão da comunhão na mão; mas, tendo sido interrogados todos os bispos do mundo pelo Papa Paulo VI, apenas um quarto deles aprovaram essa novidade.
A Instrução acrescentava que, em consequência do que se disse acima, “o Santo Padre decidiu não mudar a forma existente de administrar a Sagrada Comunhão aos fiéis”. Porém aduzia duas linhas adiante: “Onde um uso contrário, o de colocar a Sagrada Comunhão nas mãos prevalece”(?!)as Conferências episcopais devem avaliar “qualquer circunstância especial que possa existir”, e “devem tomar quaisquer decisões” para “regular as situações” (ou seja, regularizar os abusos!).
O caráter insincero da Instrução ficou claro numa nota anexa, na qual se dizia que “o rito da comunhão nas mãos deve ser introduzido com discernimento”, “gradualmente”, “começando com grupos mais instruídos e mais bem preparados” por meio de “uma adequada catequese” que “prepare o caminho”.
Como se tratava apenas de um indulto, as Conferências episcopais deviam aprovar uma resolução por maioria de 2/3, fazendo um pedido à Santa Sé. A imensa maioria acabou introduzindo essa forma de distribuição, de maneira que se tornou o costume prevalente na Igreja latina nos cinco continentes.
A formulação mais recente da legalização dessa anomalia é contida na Instrução Geral do Missal Romano de 2002: “Não é permitido que os próprios fiéis tomem, por si mesmos, o pão consagrado nem o cálice sagrado, e menos ainda que o passem entre si, de mão em mão. Os fiéis comungam de joelhos ou de pé, segundo a determinação da Conferência Episcopal. Quando comungam de pé, recomenda-se que, antes de receberem o Sacramento, façam a devida reverência, estabelecida pelas mesmas normas”. E mais adiante: “Se a Comunhão for distribuída unicamente sob a espécie do pão, o sacerdote levanta um pouco a hóstia e, mostrando-a a cada um dos comungantes, diz: O Corpo de Cristo ou Corpus Christi. O comungante responde: Amém, e recebe o Sacramento na boca; ou, onde for permitido, na mão, conforme preferir”.
A liberdade de escolha foi reiterada pela Congregação para o Culto divino em sua Instrução Redemptionis Sacramentum, de 2004, a qual diz, de maneira assaz enviesada: “Ainda que todo fiel tenha sempre direito a escolher se deseja receber a sagrada Comunhão na boca, se o que vai comungar quer receber na mão o Sacramento, nos lugares onde Conferência de Bispos o haja permitido, com a confirmação da Sé apostólica, deve-se administrar-lhe a sagrada hóstia”.
Argumentação contra a comunhão na mão

Dom Athanasius Schneider,bispo auxiliar de Astana (Cazaquistão)

Dois bispos se têm destacado nos esforços para eliminar o abuso da comunhão na mão, argumentando que um “indulto” foi transformado em regra geral; e os que respeitam a regra litúrgica passaram a ser tratados como indultados. Dom Juan Rodolfo Laise, recentemente falecido, proibiu a comunhão na mão em sua diocese de San Luis (Argentina); e Dom Athanasius Schneider, bispo auxiliar de Astana (Cazaquistão), escreveu dois livros sobre o assunto e promoveu uma resolução de sua Conferência episcopal, proibindo a comunhão na mão em toda a região.
No livro Corpus Christi, a comunhão na mão no coração da crise da Igreja, Dom Schneider declara que em nossos dias essa prática é “a mais profunda laceração do Corpo Místico da Igreja de Cristo”, porque acarreta quatro consequências, cada qual mais grave que a outra:
● Minimiza os gestos de adoração visível;
● Nas crianças e nos adolescentes que não conheceram o modo tradicional de recepção, cria a ideia de que a Eucaristia é um alimento comum e apenas um símbolo;
● Permite perdas importantes de parcelas de hóstias, que caem por terra e são profanadas involuntariamente;
● Favorece o roubo de hóstias para atos sacrílegos.
Além do que foi exposto acima, pode-se ainda acrescentar algo a mais: é que essa prática leva os fiéis à indiferença e à perda da fé, pois aquelas mesmas mãos que depositaram o dinheiro na coleta vão tocar a hóstia consagrada. Aos poucos, isso induz a pessoa a colocar o dinheiro e a hóstia no mesmo nível, relativizando o valor infinito da Sagrada Eucaristia.
Devemos ressaltar que Nosso Senhor Jesus Cristo, realmente presente e em pessoa, é a vítima dessas quatro atitudes deploráveis.
Em resposta àqueles que dizem que a obrigação de receber a comunhão na boca violaria seus direitos de “cristão adulto”, Dom Athanasius contesta:
“Esses supostos direitos violam os direitos de Cristo, o único Santo, o Rei dos Reis: Ele tem o direito de receber a excelência das honras divinas, mesmo na pequena e santa hóstia. Todas as razões em favor da prática da comunhão em pé e na mão perdem toda consistência diante da gravidade da situação evidente de minimização do respeito e da sacralidade, diante do descuido pelas parcelas eucarísticas que caem por terra e diante do fenômeno crescente do roubo de hóstias consagradas.
“Acima de tudo, qualquer argumento em favor da manutenção da prática da comunhão na mão perde todo fundamento em consideração da diminuição (para não dizer desaparecimento) da integridade da fé católica na Presença Real e na transubstanciação. Tal prática moderna, que jamais existiu na Igreja sob essa forma exterior concreta, acaba incontestavelmente por enfraquecer a plenitude da fé católica na Eucaristia”.
A lição da aparição do Anjo aos pastorinhos de Fátima

O Anjo apareceu-nos pela 
terceira vez, trazendo na 
mão um cálice e sobre ele 
uma Hóstia, da qual 
caíam dentro do cálice 
algumas gotas de Sangue. 
[Foto: Frederico Viotti]

Como recurso de contraste salutar, convém lembrar a terceira aparição do anjo aos três pastorinhos de Fátima. De um lado ela nos mostra a reverência que se deve ter em relação à Sagrada Eucaristia; e de outro, o quanto Nosso Senhor é ofendido pelos sacrilégios. Eis o relato da Irmã Lúcia:
“O Anjo apareceu-nos pela terceira vez, trazendo na mão um cálice e sobre ele uma Hóstia, da qual caíam dentro do cálice algumas gotas de Sangue. Deixando o cálice e a Hóstia suspensos no ar, prostrou-se em terra e repetiu três vezes a oração: ‘Santíssima Trindade, Pai, Filho, Espírito Santo, adoro-Vos profundamente e ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os sacrários da Terra, em reparação pelos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores’.
“Depois, levantando-se, tomou de novo nas mãos o cálice e a Hóstia e deu-me a Hóstia a mim; e o que continha o cálice, deu-o a beber à Jacinta e ao Francisco, dizendo ao mesmo tempo: ‘Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus’.
“De novo se prostrou em terra e repetiu conosco mais três vezes a mesma oração: ‘ Santíssima Trindade… etc’. E desapareceu”.
Peçamos a Nossa Senhora de Fátima que obtenha o quanto antes de seu divino Filho ser fechada na Igreja, que é o seu Corpo Místico, essa chaga da comunhão na mão, sintoma de tanta indiferença e causa de incontáveis ultrajes.

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (181)


4º Domingo da Páscoa – 03/05/2020

Anúncio do Evangelho (Jo 10,1-10)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus: 1“Em verdade, em verdade vos digo, quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante. Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas. A esse o porteiro abre, e as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas não seguem um estranho, antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos”.
Jesus contou-lhes esta parábola, mas eles não entenderam o que ele queria dizer. Então Jesus continuou: “Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas. Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem. O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:

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“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10)

Todo 4º. domingo de Páscoa é dedicado ao tema do Bom Pastor. Embora o Evangelho de hoje não fale de “aparições” do Ressuscitado, não nos afastamos do tema pascal: a “Vida” é o verdadeiro tema pascal.

A fé pascal é isso: crer na vida. E quando dizemos “crer na vida”, não estamos falando em professar crenças, dogmas, doutrinas... Dizemos viver; dizemos confiar no potencial de vida em nós mesmos e nos outros; dizemos rebelar-nos contra todos os poderes que asfixiam a vida; dizemos fazer-nos presentes junto àqueles cujas vidas estão feridas; dizemos ser humilde fermento que transforma e levanta a história; dizemos respirar em paz e continuar caminhando cada dia, apesar do fracasso, da doença e da morte...
Crer na Páscoa é uma maneira original de ser e de viver.

Para crer n’Aquele que é o Vivente, não é necessário sepulcros vazios, nem anjos e nem aparições milagrosas, pois tudo está “animado”(inspirado) pelo Anjo da Vida, tudo é milagre, todos os sepulcros estão vazios de ausência, mas cheios de boa presença, da Graça de ser que Jesus viveu. Só é preciso que abramos o coração e os olhos para apalpar a Vida em todas as mãos e pés feridos, em tudo o que é e palpita: o caminhante anônimo, o imigrante expulso, os índios invadidos, o ancião solitário, a criança abandonada, os enfermos esquecidos, os sem teto-pão-trabalho... 
A presença do Pastor Ressuscitado, que vem ao nosso encontro em cada passo, nos chama pelo nosso nome e nos diz no segredo do coração: “amigo(a), não temas; confia e vive!”. 
O Evangelho é um contínuo chamado à Vida. Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para romper com tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato do Bom Pastor é uma verdadeira catequese sobre o encontro com Aquele que é Vida e que é fonte de Vida em crescente amplitude.

Jesus não vem prolongar a vida biológica, vem comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode dispor. Ao mesmo tempo, vem ativar em todos nós as potencialidades de vida que ainda não encontraram possibilidades de expressão. Somos um manancial de vida que se visibiliza na criatividade, na capacidade de sonhar, no encontro compassivo com os outros, na comunhão com todas as manifestações de vida.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas. É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra em comunhão de vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizado nos leva ao âmago do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.

Pois, em nossa vida flui a plenitude da Vida, e nossa vida flui para sua plenitude, em passagem ou páscoa permanente. Nada mais contrário ao espírito do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores... 
Jesus de Nazaré “passou fazendo o bem”, não de qualquer modo. Aquele homem que movia multidões em toda a Galileia, por sua pregação e milagres, não era um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso, deixou de ser inquietante e perigoso. Como Bom Pastor, aproximou-se e cuidou, de forma preferencial, dos mais fracos, pequenos, necessitados..., deixando-se “tocar” e “tocando” as situações humanas mais rejeitadas, mais quebradas, mais dolorosas, mais sofredoras e marginalizadas...
Como Bom Pastor, Jesus transbordou ternura sobre nossa humanidade ferida, despertando a vida atrofiada e escondida no interior de cada um(a).
Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, possui tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”; uma vida com tal força que nem a morte mesma terá poder sobre ela. A vida eterna, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.

Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida enquanto “seres já ressuscitados”, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas do coração de toda a criação. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição. “Minha vida é uma sucessão de milagres interiores” (Etty Hillesum). Vida plena prometida por Jesus.

Nem sempre sabemos viver de maneira intensa: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”, presa ao cotidiano repetitivo e “normótico”. O dinamismo do Seguimento de Jesus, no entanto, é gerar vida, possibilitar que o(a) discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.

A imagem de Jesus “Bom Pastor”, conduzindo e abrindo novos espaços para suas ovelhas, nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade (redil) e despertar nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus limites estreitos e constituindo-a como vida que se desloca em direção a novos horizontes.

O seguimento proporciona vigor inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
Somos Vida, não há lugar para o temor!
Na Igreja de hoje, assim como naquela de São João, devemos ser presenças de compreensão, de abertura, de acolhida, de compaixão, de tolerância e de perdão, caso queiramos multiplicar a vida em abundância e semear a esperança. Se nós asfixiamos as pessoas, se recusamos a acolhê-las como são, se as condenamos, não podemos pretender querer alimentar a vida em abundância n’aqueles(as) que nos são confiados. Todos nós temos esta responsabilidade de abrir espaços para que a vida vá se expandindo. É a mais bela das vocações e é a única maneira de ser fiel ao Cristo Bom Pastor.
Na vivência pascal somos tomados de uma “moção à vida”, que nos impulsiona a prolongar o ministério do Bom Pastor, sempre em favor da vida.

Texto bíblico:  Jo 10,1-10

Na oração: Para quem vive uma “passagem” autêntica (Páscoa) é impossível não ser movido a viver mais intensamente, a valorizar a vida e a colocar-se a serviço dela; porque, neste percurso litúrgico, cada pessoa experimenta a paixão eterna de Jesus pela vida e por todas as manifestações de vida na face da terra. No tempo pascal, cada seguidor(a) do Bom Pastor revisa sua própria vida à luz do amor criador e redentor de Deus; percebe o dom da vida na sua origem e alimenta a gratidão para expandir este dom como presença criativa e original.
- Jesus continua exercendo seu “pastoreio” através de seus(suas) seguidores(as); que ações concretas, você pode ativar no dia-a-dia, para que nelas transpareça o coração do Bom Pastor?

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