
Estamos em março de 1918. Parto em companhia de José Cardoso, Aprígio Melo, Virgílio Amorim e vários conterrâneos e embarcamos no Íris, do Loyd Brasileiro, que fazia a linha Ilhéus-Rio.
O navio superlotado, fomos sem acomodações, e
enjoei tanto que interrompi a viagem em Vitória, prosseguindo, por terra, pela “Leopoldina”,
para o Rio.
De Vitória,
depois de visitar o que a cidade tinha de interessante e importante, fui a Vila
Velha, onde, numa serra altíssima, edificaram um mosteiro. Lá, após difícil
ascensão, deixei, num livro de impressões para os visitantes, as minhas. Belo
local para ser instalado um aparelho de telegrafia sem fio (a esse tempo não
existiam ainda os rádios), a bem e em benefício da indústria e do comércio, e
das comunicações entre os homens e as cidades. Só assim é que se ora e que se
rende graças a Deus.
Fazia profecia
inconsciente do que havia de ser no futuro o rádio.
De volta,
de Vitória viajei para Cachoeiro do Itapemirim e dali para Campos, no estado do
Rio de Janeiro e por último, a Niterói, de onde, em barcas da “Cantareira”,
atravessei a Guanabara para o Rio, hospedando-me no Rio Pálace Hotel, e, depois de curta
demora, viajei para Belo Horizonte, passando três dias em Juiz de Fora e, de passagem, por Palmira.
Belo Horizonte
apesar de bem traçada e de ruas e praças amplas e belamente arborizadas, era de
pequena população e pequeno comércio. Era seu governador o Arthur Bernardes.
De Belo
Horizonte voltei à Barra do Piraí e daí a São Paulo, passando por
Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Jacareí.
Hospedei-me
no Hotel Oeste, donde foram convidar-me para um jantar, os representantes dos
senhores Vieira Cunha e Companhia. As casas paulistas me cumularam de atenções.
Depois dos
inevitáveis passeios pela capital, a visitar o que havia de mais interessante,
viajo para Campinas pela estrada de ferro paulista e volto de automóvel, e daí
a Santos, pela estrada inglesa, cujo porto movimentado apreciei.
Nessa cidade
hospedei-me no Hotel Bandeirantes, na praia de José Menino. Ali assisti ao
primeiro voo de aeroplano. O aparelho fazia o percurso Santos-São Paulo, em
viagem esportiva e de recreio.
Em Santos
é altamente festejada a entrada da Itália na guerra, ao lado dos aliados – após
a traição dos alemães – e só se falava desse acontecimento, mais parecia uma
cidade-colônia da Itália do que uma cidade brasileira.
No hall do
hotel havia extensa ordem de cadeiras de barbeiros, onde esses escanhoavam as
caras da freguesia, inclusive a minha. Em dado momento, um dos que se barbeavam
levanta-se e diz:
- Hoje é o
nosso grande dia, vamos festejá-lo, viva a Itália!...
Surpreendido
pela correção do vernáculo, sem entonação peculiar aos italianos,
perguntei-lhe:
- O senhor
fala bem o português, é italiano?
- Nasci
aqui, porém sou italiano.
E ainda
hoje o Brasil suporta tais, e quem sabe quando essa gente se valoriza? Deus!
Deus que
proteja e ampara o nosso país, e dia há de chegar em que o estrangeiro que aqui
vive, à sua sombra, tenha prazer em dizer-se brasileiro.
Todos os
países do mundo têm ou tiveram a sua época de liderança, a nossa chegará
também. Deus assim determinou e assim sucederá, quando então os ingratos serão
confundidos.
De Santos
volto para São Paulo, desistindo do resto do passeio, não podendo ir a Curitiba
devido ao frio reinante, dois graus abaixo de zero. Era insuportável. Em São
Paulo eu já não vivia, andava enluvado, de sobretudo e roupas de lã, para
proteger-me do frio.
(MEMÓRIAS DE CHICO BENÍCIO)
Francisco Benício dos Santos
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