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sexta-feira, 16 de junho de 2017

JUNHO - MÊS DE MACHADO DE ASSIS (X)

Minha musa

  
A Musa, que inspira meus tímidos cantos,
É doce e risonha, se amor lhe sorri;
É grave e saudosa, se brotam-lhe os prantos.
Saudades carpindo, que sinto por ti.

A Musa, que inspira-me os versos nascidos
De mágoas que sinto no peito a pungir,
Sufoca-me os tristes e longos gemidos,
Que as dores que oculto me fazem trair.

A Musa, que inspira-me os cantos de prece,
Que nascem-me d’alma, que envio ao Senhor.
Desperta-me a crença, que às vezes ‘dormece
Ao último arranco de esp’ranças de amor.

A Musa, que o ramo das glórias enlaça,
Da terra gigante — meu berço infantil,
De afetos um nome na ideia me traça,
Que o eco no peito repete: — Brasil!

A Musa, que inspira meus cantos é livre,
Detesta os preceitos da vil opressão,
O ardor, a coragem do herói lá do Tibre,
Na lira engrandece, dizendo: — Catão!

O aroma de esp’rança, que n’alma recende, 
É ela que aspira, no cálix da flor; 
É ela que o estro na fronte me acende, 
A Musa que inspira meus versos de amor!


Machado de Assis


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(Fragmento)

O próprio professor Cláudio Murilo Leal não acredita na equivalência entre o que escreveu o jovem Machado em forma de versos com a ficção que viria mais tarde, sobretudo após os 40 anos.
É nessa época que parte para Nova Friburgo em três meses de férias para se recuperar de uma rotina estafante de trabalho. Quando volta, dá uma guinada em sua carreira, com a publicação em capítulos de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1880), e já não escreve mais poesias.
"Não acho que ele fosse tão bom poeta quanto contista ou romancista", diz Leal. "Mas Machado é reconhecido internacionalmente como um dos grandes autores do século 19, e este levantamento da obra poética é importante.
Diziam que ele era um poeta sem emoção, e a reedição diminui um pouco esse preconceito", defende.

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA
Folha de São Paulo
 




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BRINCANDO DE "MEU" (PARTE FINAL) – Marília Benício dos Santos

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Brincando de “Meu” (Parte Final)


Perguntou à empregada. Soube então que estavam com o Ricardo, brincando lá em baixo. Botou as mãos na cabeça: “Meu Deus!” E saiu correndo à procura delas. Chegando à área, onda a garotada costuma brincar, sentiu-se aliviada. Estavam ali, os três muito felizes, como se fossem velhos conhecidos. O mundo ainda não os havia contagiado. Ricardo, Sérgio de Marina divertiam-se. Não lhes importavam a diferença das roupas. Ricardo, menino rico, mas que vivia tão atarefado com as atribuições impostas, não tinha tempo para brincar. Vibrava com os amiguinhos. Estes também, pouco brincavam. Onde moravam estavam sempre tentando fazer algum biscate para ganhar dinheiro. Encontravam-se, portanto, pelo menos neste aspecto, em igualdade de circunstância. A brincadeira estava muito animada. Lígia ficou com pena de interromper. Brincavam nas gangorras, nos balanços. Depois de esconde-esconde, de bola, etc. Lígia pacientemente esperava. Mas resolveu olhar o relógio: “Meu Deus! 11h e 45min. Tenho que ir”. Foi uma dificuldade para conseguir tirá-los Dalí. Se o Ricardo não queria, os visitantes muito menos...

- Vamos! Sua mãe deve estar preocupada.

- Ela não é nossa mãe, mora perto da gente.

Depois que conseguiu convencê-los, saiu apressada e preocupada. As crianças olhavam com muita pena de tudo que estava a sua frente. Parecia que estavam dando adeus. Sabiam que tão cedo não teriam um dia igual àquele.

- Deus lhe pague dona, a senhora foi tão boa!

Lígia deu risada e segurando a mão de cada um seguiu em frente. Andava muito apressada, as horas pareciam voar. Olhou de longe, não conseguiu ver a Antonia. Apressou mais o passo.
 Chegou em frente à igreja e lá não estava Antonia. As crianças começaram a chorar.
- Dona, não leva a gente para o juiz – disse o Sérgio.

- Não se preocupem se não encontrarmos a Antonia eu levarei vocês até sua casa. Vocês sabem o nome da rua onde moram?

- No Jacarezinho. Não sabemos ir sozinhos.

Lígia só pensava em Therezinha. Realmente. Ela estava esclerosada. Pensou: ”E agora, o que vou fazer?”.

As crianças começaram a chorar. Apesar de muito pobres, não saíam sem a mãe. Tudo que faziam era em volta de sua casa.

- Dona, pelo amor de Deus não bota a gente no orfanato – disse Marina, que parecia bem mais nova do que Sérgio.

Lígia, já nervosa e impaciente, respondeu:

- Já disse que levo vocês em casa. Não é preciso chorar.

Sérgio chamou a atenção de Marina:

- Deixa de besteira, menina. A muié não disse que leva nós?

Resolveram ir para a praça. Olharam por todos os cantos, de um lado e do outro da praça. Não viram nem sombra de Antonia. Lígia aflita pensava: “Eu não tenho jeito. Procurei sarna para me coçar”.

Mas de qualquer forma, valeu. Vou até em casa, ligo para o escritório do Arnaldo. Ele vai ficar danado comigo. Não importa, o motorista vai levar as crianças no Jacarezinho. E se elas não conseguirem orientar o motorista? Meu Deus! Em que fui me meter. Atravessaram a rua e mais uma vez constataram que Antonia não estava no lugar combinado. A igreja ainda estava aberta. Entraram. Estava terminando a missa das onze horas. Havia muita gente. Ficaram esperando que as pessoas saíssem. Entraram. Lígia ajoelhou-se para rezar. As crianças, sentadas, olhavam para todos os lados, na esperança de encontrar Antonia.

- Ói dona Antonia ali com o Marcelinho – disse o Sérgio.

Lígia levantou-se e olhou na direção para onde o menino apontava. De fato, Antonia estava sentada num canto da igreja, com o filho no colo. Ambos dormiam a sono solto. Radiantes, Lígia e as crianças aproximaram-se de Antonia. Ao mesmo tempo o rapaz encarregado de fechar a porta chegou e foi dizendo:

- Vamos saindo. Preciso fechar a igreja.

Os meninos acordaram Antonia. Ela acordou rindo muito.

- Dormi. Foi tão bom! Esta noite quase não dormi, porque José estava de porre. Estava sonhando que tinha um carro. Neste momento, ia entrar no carro. Que azar! Pra que chegaram agora?

- Sinto muito, mas a senhora terá que levá-los daqui – disse o rapaz já impaciente.

- Não precisa se aborrecer, moço. Nós ‘já vai’.

Ao chegar em casa Lígia foi recebida com muita censura.

- Mãe! Isso é coisa que você faça? Sabe que horas são? Uma hora! Você saiu antes das doze. Já ia telefonar para papai. Ainda por cima recebi um telefonema da costureira. Não vai poder dar o vestido para o coquetel. Vou precisar sair para comprar um vestido. O Ricardo adorou os pivetes. Sabe o que me disse? Que gostaria de ser amigo deles. Hoje já perdeu a aula de inglês e vai chegar atrasado no colégio. Eu mesma vou ter que levá-lo. O motorista está com papai.
A empregada veio chamá-las para o almoço. Sentaram-se os três à mesa. Lígia não estava com fome. Os acontecimentos do dia a abalaram.

Vovó, quando você vai trazer novamente Sérgio e Marina? Eles são legais. São pobres, mas são bacanas. Eles só vão à escola uma vez, à tarde. Não são que nem eu. Tenho o dia todo ocupado.

- Viu o resultado da sua brincadeira? Será que não aprende? Você se lembra daquilo que vovó dizia: “cada macaco no seu galho”?

Lígia não respondia nada. Os argumentos da filha eram tão distantes dos dela. O silêncio era a melhor maneira de defender-se. No final do dia, resolveu ir à praia. Ia assistir ao pôr-do-sol. Ver o mar. Era o seu Valium. Olhando o mar, o céu, o sol, seus companheiros inseparáveis, refletia: “Marina e Sérgio têm razão”. A vida é uma brincadeira. A cada momento, dizemos: minha casa, meu carro, meu marido, meu filho. Até às coisas que pertencem à comunidade empregamos o possessivo: meu banco, minha igreja. O homem vive numa brincadeira, num jogo. Até quando? “É bom enquanto dura”. Na volta resolveu passar na padaria. Já estava bem melhor.

- Dona, me dá um cruzado. – Lígia, contente porque podia satisfazer aquele pobre, abriu a carteira e lhe deu o dinheiro.

- Deus lhe dê o troco, - disse o pedinte.

Lígia sorriu. Era o que precisava ouvir naquele exato momento:

“Deus lhe dê o troco”.



Do Livro “O Coração não Envelhece” de MARÍLIA BENÍCIO DOS SANTOS, Gráfica Portinho Cavalcanti Ltda. – Rio de Janeiro-RJ – 1987

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BRIGAR COM QUEM A GENTE GOSTA É NECESSÁRIO; BRIGAR COM QUEM A GENTE NÃO GOSTA É PERDA DE TEMPO - por Marcel Camargo

"Nunca discuta com uma pessoa grosseira. Ela vai levar vantagem por ter experiência em ser estúpida." (Mark Twain)


Muita gente confunde aquilo que sentimos em relação a elas, baseando-se tão somente no que esperam receber dos outros, sem refletir sobre o que vem a ser a causa da forma como estamos nos comportando. Não gostar de alguém não significa que o trataremos mal, da mesma forma que não sorriremos o tempo todo às pessoas que nos são queridas.

Quando gostamos realmente de uma pessoa, estaremos querendo sempre o seu bem, torcendo para que ela alcance sucesso na vida, desejando o seu melhor em tudo. Por isso mesmo, então nos sentiremos na obrigação de alertar-lhe quando estiver caminhando por trilhas perigosas, por trajetos errados. Muitas vezes, inclusive, teremos que ser antipáticos, dizendo-lhe as verdades de uma maneira nada agradável, para que caia em si e se recomponha.

No entanto, essa pessoa poderá nos entender de forma errada, assimilando nossas advertências como se fossem implicâncias, como se não gostássemos dela. Muito pelo contrário, quanto mais amamos alguém, mais estaremos torcendo pela sua felicidade, o que requer que tenhamos que chamar a sua atenção, quando percebermos que seu comportamento a desviará da serenidade que desejaremos a ele.

Normalmente, tendemos a tentar ignorar as pessoas de quem não gostamos, de quem queremos distância. Como se nos preservássemos da maldade alheia, como um instinto de sobrevivência, somos levados a nos afastar daqueles que nos fazem mal, daqueles que nos ferem, não trazem nada de bom, não sabem o que é sorrir e não admitem ver ninguém sorrindo. Gastar energia e tempo com quem não merece equivale a masoquismo, além de ser inútil.

Sim, nós brigamos com as pessoas de quem gostamos, pois é assim que aparamos as arestas, é assim que o relacionamento se torna cada vez mais transparente e verdadeiro. Lutarmos para manter as pessoas queridas por perto requer discutir o que incomoda, o que atrapalha, pois é dessa forma que demoramos perto de quem a gente ama. Por isso é inútil brigar com os desafetos, simplesmente porque com eles não queremos ficar nem melhorar nada, e dificilmente conseguiremos, por mais que tentemos.

Não dá para explicar muito bem as razões de gostarmos ou não das pessoas, ou seja, cabe-nos sorrir sempre junto a quem traz verdade e, na medida do possível, bem longe de quem é atraso de vida.

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar".


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SOMOS TODOS ANDARILHOS... - Flávio Bastos

Somos todos andarilhos...


Imaginemos um caminho, uma estrada, um rumo que nos leva ao desconhecido, ao inimaginável. Imaginemos também, no início e em cada lado desta estrada, duas antigas casas, uma igual à outra.

As casas, na imagem mental ou visual, significam simbolicamente o conforto e aconchego do útero materno. Expressam a segurança e a tranquilidade do estar sempre bem protegido e guardado.

As casas, no entanto, podem representar também os nossos condicionamentos mentais e comportamentais herdados pela influência do aspecto conservador e tradicional da nossa educação. Podemos levá-los conosco nesta caminhada muitas vezes solitária chamada vida, como podemos do mesmo modo, mudarmos de atitude diante desta estrada deixando os exageros do conservadorismo para trás. A decisão será sempre nossa.

A estrada, que começa entre as duas casas, representa o caminho da vida de cada um de nós. Significa o "estar fora" da comodidade e proteção intra-uterina e disponível para a grande jornada de ida; de desafios e de aprendizagens; de tropeços, quedas e erguimentos.

O que nos espera esta longa trajetória? O que há além do caminho? São indagações e angústias comuns na cabeça de quem, conscientemente, decide sair das casas e enfrentar o caminho da aventura existencial.

À medida que nos projetamos da segurança das casas, como um andarilho confiante ou inseguro no seu rumo, independente da nossa vontade, somos impelidos a caminhar por esta estrada a procura de desafios e enfrentamentos que possam nos trazer em benefício, situações que, inconscientemente representem a segurança psicológica das casas do nosso passado original. Somos eternos andarilhos a procura de situações que satisfaçam os nossos instintos básicos de sobrevivência e que preencham vazios de amor e afeto extraviados ao longo do caminho percorrido em busca de crescimento.

Mas o que há além da estrada da vida? Uma parada necessária para o refazimento e o descanso; para a avaliação das experiências vivenciadas ao longo da trajetória recém finda; para o reencontro consigo mesmo e com velhos companheiros de caminhadas anteriores. Nesta parada o andarilho descansa e se prepara para nova jornada no contexto vital e natural do crescimento consciencial.



 
Flávio Bastos 
Psicanalista Clínico e Psicoterapeuta Reencarnacionista.


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