18 de abril de 2019
As chamas quase destruíram um dos mais belos e esplendorosos
reflexos da Cristandade. Notre Dame está de luto.
➤ Paulo Roberto Campos
“Igreja de uma beleza perfeita, alegria do mundo inteiro”. Assim Plinio Corrêa
de Oliveira se referiu à catedral das catedrais que é a de Paris [vide vide
trecho no final].
Considerada o monumento mais representativo da Cristandade,
a “alegria do mundo inteiro” ardeu em chamas logo no primeiro dia da
Semana Santa. Nossas almas entristecidas ficam duplamente revestidas de luto
nestes dias nos quais consideramos especialmente a Paixão, Morte e Ressurreição
de Nosso Senhor Jesus Cristo. Cabe recordar que a Catedral de Notre Dame é
também um monumental escrínio que contém adoráveis relíquias do Filho de Deus:
a coroa de espinhos [foto ao lado: o relicário que guarda a sagrada coroa], um
cravo da Santa Cruz e um fragmento deste madeiro no qual Ele foi crucificado.
Escrínio também de numerosas outras preciosíssimas e seculares relíquias.
O incêndio devorou parte da mais célebre e gloriosa catedral, é verdade, mas,
para além dessa tragédia indescritível, devorou parte de mais de oito séculos
de História. Devorou parcialmente uma catedral que resistiu altaneira a guerras
e revoluções.
Impávida, esta “Igreja de uma beleza perfeita” — memorizada por
Víctor Hugo como o paradigma das catedrais francesas — atravessou a Guerra dos
Cem Anos, a Comuna de Paris (1871) e as duas guerras mundiais. Pior ainda.
Atravessou a crudelíssima Revolução Francesa que, após ter feito correr um rio
de sangue com sua diabólica guilhotina, destruiu muitas de suas imagens, fundiu
seus sinos para a fabricação de canhões, tentou transformar a Catedral de Notre
Dame no “Templo da deusa razão” — onde uma atriz foi “adorada” como
“deusa”, no lugar de Nossa Senhora de Paris.

Até o momento ainda não se tem certeza se o início do
incêndio foi provocado de modo criminoso ou acidentalmente — apesar de se ter
notícias de que alguns líderes maometanos comemoram a ruína de Notre Dame…
Entretanto, em qualquer um dos casos, foi um incêndio que atingiu o fundo de
todos os corações autenticamente católicos. Muitos destes, estarrecidos e
desolados assistindo o vídeo da catástrofe, sentiram-se como se estivessem
tendo um pesadelo! E, in loco, muitos daqueles que presenciaram a
tragédia, sobretudo o momento pungente em que La Flèche — como os
franceses denominam a celestial flecha da catedral — desmoronou tragada pelas
chamas [na foto acima, durante e antes do incêndio], em prantos caíram de
joelhos e puseram-se a rezar o Rosário [foto abaixo]. Salve Rainha Mãe de
misericórdia, interceda junto a Seu Divino Filho para que Ele tenha compaixão
da França e de todos nós!
A “fumaça de Satanás” que penetrou no Tempo de Deus
De um incêndio em qualquer outra catedral poder-se-ia dizer
que é simbólico. Mas de um incêndio em Notre Dame — a jóia da arte gótica e
obra prima da arquitetura da Idade Média, a “doce primavera da fé”,
segundo feliz expressão de Montalembert — podemos afirmar que se trata de um
acontecimento apocalíptico, altissimamente simbólico e no mais alto grau
carregado de significados.
Que significado? — Um psy-incêndio vem arruinando a Igreja Católica desde o
Concílio Vaticano II. Um incêndio símbolo da auto-demolição da Igreja
perpetrada por eclesiásticos vinculados à “esquerda católica”, ao progressismo
e à “Teologia da Liberação”. Símbolo da “fumaça de Satanás no templo de
Deus”[1], introduzida por aqueles que agem para enxovalhar e conspurcar a única
e verdadeira Igreja fundada diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo.
Portanto, um incêndio símbolo da atual, e também apocalíptica, crise que
atingiu a Religião Católica; símbolo da nefasta atuação que vêm incendiando o
ensinamento de seu magistério tradicional.
Incêndio simbólico da apostasia das nações
De ambos os parágrafos que seguem em itálico, poder-se-ia
afirmar que foram escritos nesses dias, nos quais o mundo inteiro chocado
acompanhava o alastramento das chamas devoradoras de Notre Dame. Não, eles
foram redigidos em 1942 por Plinio Corrêa de Oliveira. Assim, pode-se constatar
que a crise que flagela a nação francesa, assim como todos os demais países,
começou há muito tempo.
“A França apostatou da Igreja e repudiou o seu passado
histórico. É esse o mal que ela expia, e‚ só no corretivo desse mal que ela
encontrará remédio […]. Se fazemos esta observação não é porque desejamos
agravar a justíssima dor de nossos irmãos franceses, mas porque uma grande
lição desprende destes fatos para o mundo inteiro.
“Não é com paliativos, com meias medidas que se pode
resolver o mal. Os paliativos só podem retardar a cura. Não foi pintando com
novas tintas seus velhos ídolos que a França de Clóvis se converteu: ela
teve que queimar o que adorara, e adorar o que queimara. Para a França, e para
todos os povos contemporâneos, não pode ser outro o caminho. [Não basta] a
destruição dos ídolos do século passado. [Não basta] apenas uma mudança em suas
roupagens. É preciso que os ídolos caiam, e não basta que se transformem”.[2]
Entre numerosos artigos que poderíamos citar, um recente,
com o título “Cai Nossa Senhora”, publicado no ABC de 16-4-19, confirma
especialmente a declaração acima. Para esse periódico madrileno escreveu o
jornalista Salvador Sostres: “É um sinal do nosso tempo que Nossa Senhora
de Paris tenha caído. Este incêndio não é pior do que o laicismo que assola a
Civilização, negando-lhe a profundidade e o significado. É o fogo de Deus, que
escreve severamente em incêndios, ante tanta apostasia. Cai Notre Dame como
antes caiu a França na vulgaridade ateia e jacobina”.
A bela imagem medieval de Notre Dame de Paris, ficou intacta
rodeada de escombros do incêndio
Rezemos especialmente nestes dias da Semana Santa pedindo a
Nossa Senhora, Padroeira da Catedral de Paris [foto acima], pela completa
restauração desse seu belo e majestoso Templo.
Rezemos pela restauração espiritual da França — denominada “Fille aînee de
l´Église” (“filha primogênita da Igreja”), em razão da conversão e batismo
de Clóvis, o primeiro rei francês, em 25 de dezembro de 496. A respeito da
conversão da França — sua passagem, como o Apóstolo São Paulo, pelo “caminho
de Damasco” — veja no final texto com as proféticas palavras do Papa São
Pio X.
Rezemos também pela restauração da Civilização Cristã em todo seu esplendor,
grandeza e glória, para a alegria do mundo inteiro.
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Notas:
1. Insegnamenti di Paolo VI, Tipografia Poliglotta Vaticana, vol. X, p. 707.
2. Plinio Corrêa de Oliveira, 7 Dias em Revista, “Legionário”, Nº 496, 15
de março de 1942, p. 2.
“Eis a igreja de uma beleza perfeita, a alegria do mundo
inteiro”
➤ Plinio Corrêa de Oliveira
“Eu não posso me esquecer que uma das viagens que eu fiz a
Paris. Cheguei à noitinha, jantei e fui imediatamente ver a Catedral de Notre
Dame. Era uma noite de verão, não extraordinariamente bonita. A catedral estava
iluminada.
Ela me pareceu desde logo, num determinado ângulo tomado ao acaso, tão bela que
eu fiquei com vontade de dizer ao motorista do taxi no qual eu estava: ‘Pára,
que eu quero ficar aqui!’ Eu sei que o resto é muito belo, mas eu creio
que poucos olharam a catedral naquele ângulo e pararam. E eu quero ser dos
poucos, para dar a Nossa Senhora o louvor daquele ponto de vista, que
contemplou aquilo que outros talvez não tenham louvado suficientemente. Ao
menos se dirá que uma vez que um peregrino vindo de longe amou o que muitos
outros — por pressa ou por não terem recebido uma graça especial naquele
momento — não amaram.
Em todos os grandes monumentos da Cristandade, depois de admirar as maravilhas,
eu tenho a tendência de ir admirando os pormenores. Isto num ato de reparação,
porque esses pormenores talvez não tenham sido amados como eles deveriam ser.
Então fazer ao menos isto: amar o que deveria ter sido amado e que foi
esquecido. É sempre a nossa vocação de levar à tona as verdades esquecidas que
os homens põem de lado.
Eu fiquei encantado com a catedral vista naquele ângulo. Depois dei a volta e
retornei para o hotel com a alma cheia. Se alguém naquele momento me lembrasse
da palavra da Escritura: ‘Eis a igreja de uma beleza perfeita, a alegria
do mundo inteiro’, eu teria dito: ‘Oh! como está bem expresso! É bem o que
eu sinto a respeito da Catedral’”.

França — “Filha primogênita da Igreja”
“Nação predestinada, vaso de eleição, vai levar, como no passado, meu nome
diante de todos os povos e de todos os reis da Terra”
➤ Da Alocução de São Pio X (29-11-1911)*
“Que vos diremos agora, filhos da França, que gemeis sob o
peso da perseguição? O povo que fez aliança com Deus nas fontes batismais de
Reims se arrependerá e retornará à sua vocação primitiva.
Os méritos de tantos filhos seus que pregam a verdade do Evangelho quase em
todo o mundo, tendo-a selado muitos com o próprio sangue, as orações de tantos
Santos que desejam ardentemente ter em sua companhia na glória celeste os
irmãos, muito amados, de sua Pátria, a piedade generosa de tantos filhos seus
que, sem recusar nenhum sacrifício, provêm à dignidade do Clero e ao esplendor
do culto católico, e, acima de tudo, os gemidos de tantas crianças que, diante
dos tabernáculos, expandem a alma com as expressões que o próprio Deus lhes
coloca nos lábios, atrairão certamente sobre esta nação as misericórdias
divinas. As faltas não ficarão impunes, mas não perecerá nunca a filha de
tantos méritos, de tantos suspiros e de tantas lágrimas.
Dia virá, e esperamos que não esteja muito afastado, em que a França, como
Saulo no caminho de Damasco, será envolvida por uma luz celeste e escutará uma
voz que lhe repetirá: ‘Minha filha, por que Me persegues?` E à
resposta: ‘Quem és tu, Senhor?` a voz replicará: ‘Sou Jesus, a
Quem persegues. Duro te é recalcitrar contra o aguilhão, porque em tua
obstinação te arruinas a ti mesma`. E ela, trêmula e admirada, dirá: ‘Senhor,
que quereis que eu faça?` E Ele: ‘Levanta-te, lava as manchas que te
desfiguraram, desperta em teu seio os sentimentos adormecidos e o pacto da
nossa aliança, e vai, filha primogênita da Igreja, nação predestinada, vaso de
eleição, vai levar, como no passado, meu nome diante de todos os povos e de
todos os reis da Terra’”.
(*) Alocução consistorial Vi ringrazio de 29 de
novembro de 1911, Acta Apostolicae Sedis, Typis Polyglottis Vaticanis,
Roma, 1911, p. 657).
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