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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

RIO, DO BRASIL - Nélida Piñon

Rio, do Brasil

Meu coração recrimina quando ajo como se o Rio de Janeiro não merecesse ser a cada golpe inaugurado pelos meus olhos. Não fosse em si uma dádiva que me chegou junto com a vida que arfa teimosa. Uma paisagem cuja beleza é centro da fantasia brasileira, nela estão encravados os mitos nacionais.

Com estofo de heroína, aguento as benesses e os malefícios, examino os efeitos de seu repertório urbano na psique carioca. De caráter dual, espécie de Juno de duas faces, o Rio oscila entre pobres e ricos que esbarram nas esquinas sob falsa harmonia social. Contudo falam todos a mesma língua, a despeito dos tropeços gramaticais. Aliás, no capítulo linguístico, o carioca demonstra pendor para narrar. Seu humor inventa histórias que não viveu. Mas perdoa quem o lançou ao fogo do inferno e merece o cárcere. Pois sua frágil cidadania não ausculta as graves mentiras que lhe contam. Acolhe os políticos como membro da família.

No teatro carioca, as classes sociais simulam entender-se no período carnavalesco ou diante de uma desgraça. Os desprovidos da sorte ainda confiam no que lhes prometem os donos do poder público.

O Rio é belo, sem dúvida, mas não lê. Quase todos igualam-se na escassez de conhecimento. Não dispõem de um arsenal de saberes que apure o seus direitos cidadãos.

É uma cidade musical. Domina o Stradivarius e o tamborim. Seu carnaval dita pautas temporariamente felizes. Descendo das comunidades, as escolas de samba causam assombro com sua refinada estética. Sua arte maior sara as feridas, reconcilia-nos com a vida indigna.

Cumprimos no Rio, berço, ribalta e cova nossas, as etapas de nossas biografias. Devemos à pedagogia da cidade a esplêndida mestiçagem. Ela é o epicentro do Brasil, a metáfora eternizada por Machado de Assis em sua obra.

É proibido, porém, contemporizar com as mazelas morais com que tentam abortar o Rio. O veneno que a elite política nos injetou, há que vomitar. Mas como amo esta urbe, afugento o desencanto. Há que restaurar a cidadania ofendida. Entoar o hino pátrio enquanto exaltamos o privilégio de viver sob a resplandecência deste céu que se abate azulado sobre nós com a força do seu mistério . Estou cansada de pessimismo.
O Globo, 24/12/2017



Nélida Piñon - Quinta ocupante da Cadeira 30 da ABL, eleita em 27 de julho de 1989, na sucessão de Aurélio Buarque de Holanda e recebida em 3 de maio de 1990 pelo Acadêmico Lêdo Ivo. Em 1996-1997 tornou-se a primeira mulher, em 100 anos, a presidir a Academia Brasileira de Letras, no ano do seu  Centenário.

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CENTRO LUSÓFONO RUSSO PREPARA ANTOLOGIA DE CONTOS BRASILEIROS QUE INCLUIRÁ O ESCRITOR CYRO DE MATTOS

Centro Lusófono russo prepara 
antologia de contos brasileiros 
que incluirá o escritor 
Cyro de Mattos


O Centro Lusófono Camões, da Universidade Estatal Pedagógica Herzen, de São Petersburgo, Rússia, está preparando a publicação de uma antologia de contos brasileiros contemporâneos em edição russo-portuguesa. Segundo o diretor do Centro, professor Vadim Kopyl, responsável pela publicação, a antologia reunirá mais de 30 autores, e, entre eles, estará presente o baiano (de Itabuna), Cyro de Mattos. A antologia será dedicada à memória do ex-embaixador do Brasil em Portugal (1979-1983), Dário Moreira de Castro Alves (1927-2010), antigo sócio honorário da instituição, que exerceu postos na Embaixada do Brasil em Moscou, foi chefe de gabinete no Ministério das Relações Exteriores e presidente do Conselho Permanente da Organização de Estados Americanos (OEA), em Washington, entre outros cargos.

O escritor Cyro de Mattos (foto) participou em 1973 da antologia Ao Sul do Rio Grande (K Yug of Rio Grande) com o conto “O Velho e o Velho Rio”, tradução de Elena Riánzova, publicada na Rússia pela Editora Molodóia Guardia. Nessa antologia figuram, entre outros, Julio Cortázar, René Marques, Mário Benedeti, Rosário Castellanos e o baiano Ricardo Cruz. Cyro de Mattos tem contos e poemas publicados em antologias e revistas de vários países europeus, Estados Unidos e México. Possui doze livros pessoais publicados em várias editoras da Europa. Já na antologia que está sendo preparada pelo Centro Lusófono Russo Luís de Camões figuram, entre outros, Anderson Braga Horta, Caio Porfírio Carneiro, Cunha de Leiradella, Helena Parente Cunha, Iacyr Anderson Freitas, Luiz Ruffato, Rejane Machado e Ronaldo Cagiano.

Em abril, na Embaixada do Brasil em Moscou, foi lançado o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto (1881-1922), publicado por uma editora de Moscou. Nos anos anteriores, foram apresentados ao público os livros Contos de Machado de Assis e Contos Escolhidos de Machado de Assis, publicados em edição bilíngue russo-portuguesa pelo Centro Lusófono Camões, em 2006 e 2007, respectivamente, com prefácios do escritor e professor Adelto Gonçalves, doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP).

Desde a sua fundação em 1999, o Centro publicou também em edições bilíngues os livros Guia de Conversação Russo-Portuguesa Contemporânea, Poesia Portuguesa Contemporânea (2004), que reúne poemas de 26 poetas portugueses, e Vou-me embora de mim (2007), do poeta português Joaquim Pessoa. Em 2013, a Embaixada do Brasil em Moscou apoiou a publicação da segunda edição revista do livro Contos Escolhidos de Machado de Assis. O Centro Lusófono Camões  mantém estudantes nos níveis zero, médio e superior.

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