Total de visualizações de página

terça-feira, 24 de abril de 2018

ADRIANO ESPÍNOLA ENCERRA NA ABL O CICLO ‘A CIDADE DOS POETAS’, SOB COORDENAÇÃO DO ACADÊMICO ANTONIO CARLOS SECCHIN

O poeta e professor Adriano Espínola encerra, na Academia Brasileira de Letras o ciclo de conferências do mês de abril de 2018, intitulado A cidade dos poetas. O tema escolhido foi Ferreira Gullar: São Luís e o Rio de Janeiro. O evento aconteceu terça-feira, dia 24 de abril, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson 203, Castelo, Rio de Janeiro.

Foram fornecidos certificados de frequência.

A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado, Primeira-Secretária da ABL, é a Coordenadora-Geral dos ciclos de conferências de 2018.

Adriano Espínola abordou a representação das cidades de São Luís do Maranhão e do Rio de Janeiro, na poesia de Ferreira Gullar (1930-2016), inserindo-a inicialmente na já longa tradição, desde a antiguidade greco-latina aos nossos dias, que une o poeta à cidade, como espaço privilegiado de expressão afetiva, de reflexão crítica e/ou de memória individual e coletiva.

“No caso de Gullar, esse espaço é duplo: voltando-se para São Luís, o poeta torna-se evocativo, buscando resgatar as vivências e experiências fundamentais e decisivas da sua infância, adolescência e início da maioridade; dirigindo-se ao Rio, faz-se reflexivo, na tentativa de expressar o cotidiano, a vida presente, em suas diversas manifestações. A via que expressa liricamente esses dois espaços quase sempre é sensorial, tendo por pressuposto teórico a dialética entre o particular vivenciado e o universal”, destacou.

O CONFERENCISTA

Adriano Espínola (Fortaleza-Ce, 1952) é poeta, autor, entre outros livros, de Beira-Sol (1997), Praia provisória (2006) e Escritos ao Sol (2015). Ensaísta, escreveu As artes de enganar: um estudo das máscaras de Gregório de Matos (2000), O essencial de Gregório de Matos (2011) e Os melhores poemas de Sousândrade (2008; prefácio, notas e biografia); e contista (Malindrândia, 2009). Como poeta convidado, participou do Festival Internacional da Poesia Latina, em Bucareste (1997), do 18º Salão do Livro, em Paris (1998), e do Congresso de Escritores Brasil-Portugal, no Porto (2000). Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ, é professor aposentado da UFC, tendo ensinado também na Université Stendhal Grenoble III (FR) e na UFRJ. Pertence ao PEN Clube do Brasil e à Academia Carioca de Letras.

18/04/2018 



* * *

LOUQUINHA POR CAPETINHA - Continho de Cyro de Mattos


Louquinha por Capetinha
Continho de  Cyro de Mattos


Quem quiser que prove
Do danado do amor,
Ora é riso, ora é mel,
Ora arde com dor.

          I

               Noivo de outra ele,  prestes a casar.
               Ela nova, amava  o namorado mais que nunca. Louquinha para se entregar a ele mais uma vez. Queria demonstrar que era perfeita, insubstituível. Tentar, quem sabe, fazer com que ele desistisse do casamento.
                                                
        II
               Carro estacionado na garagem. Entram no motel. Esperam viver momentos de amor. Ele chama de molequinha  aquele  montinho de penugem com o seu ponto crítico embebido de fogo, oculto entre lábios que vagalumeiam com  ardor. Ela chama de  capetinha aquele pino enrubescido, num instante incontido de furor. Ela desfila de calcinha preta no quarto de espelhos. Escreve com o batom no espelho da penteadeira: Por Você Faço Tudo.
               Após alguns minutos de louca paixão, ele sai do quarto só de cueca. Grita aterrorizado por socorro. Segura o capetinha, que sangra bastante. A dor é tanta que esquece ter vindo no seu carro. Pede ajuda a um casal jovem que acaba de chegar.
                                              
        III

            -  Por favor, estanque esse sangue, enfermeira, será que arrancou algum pedaço? – chora, grita. Os policiais de plantão na sala da enfermaria do pronto-socorro incrédulos. A enfermeira, nervosa, sem saber o que fazer para acalmá-lo.
                                               
        IV
                         
           Atendido pelo médico plantonista. Menos agitado,  ao saber que o seu insubstituível  capetinha não tinha sido mutilado.
                                      
        V

           A radiopatrulha trouxe a namorada aflita. Aguardava o namorado na sala de recepção, chorando e alegando que não fizera aquilo por maldade.
                                  
        VI
                       
         - Senhor policial, não coloque o incidente no livro de ocorrência, a imprensa vai divulgar; também não quero nada de queixa, nem delegacia, foi minha namorada que começou a beijá-lo, e daí pedi a ela que desse só uma mordidinha, pedi só de brincadeira, só que ela mordeu com tanta força, que veja o que fez, quase  arranca.
                                       
      VII

            Nomes não foram divulgados, nem endereços.
                                
      VIII

            No bairro onde ele mora, já ocorreram várias brigas, bate-bocas, discussões entre  os noivos. As noivas teimam em ver o  ardente  capetinho ali embaixo das pernas do noivo, cujo melhor desempenho é quando se transforma  em fereza, verificando todas elas  se está ou não ferido, como resultado de namoro assanhado com mulher inconsequente, para adotarem as medidas cabíveis, que o caso prontamente exige.
                                   
        IX

           Bom anotar que no hospital os dois se abraçaram e confirmaram a verdade do ocorrido. Alegaram que foi tudo por causa do amor.

       X
     
         Não deixaram de voltar ao motel, agora casados.
                    
     XI

        Cada vez mais felizes.
          


*PS -  Qualquer coincidência do fato com pessoas vivas ou mortas não é mera coincidência . (CM)

 -----------
Cyro de Mattos - Escritor e poeta. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Publicado nos Estados Unidos, Dinamarca, Rússia, Portugal, Espanha, Itália, França e Alemanha. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor  Honoris Causa pela  Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

* * *

DESVIO DE ROTA NA CAMPANHA PRESIDENCIAL – Péricles Capanema


24 de Abril de 2018
Péricles Capanema

Para os poucos que desconhecem o significado da palavra; mantra, originário do hinduísmo, também utilizado no budismo, é som ritual pronunciado de forma repetida, que busca quase sempre criar um estado de paz interior (alguns sugerem, narcotizante) em quem o cantarola ou ouve. É uma forma de encantamento. Existem mantras para facilitar a concentração e a meditação, para energizar, para dormir ou despertar. Há pessoas que repetem o som, pasmem, para vibrar canais energéticos, com o fito de desobstruí-los, sabe lá Deus o que isso possa designar. A mais, noutro aspecto, sua repetição traria bons relacionamentos, saúde, prosperidade, dinheiro. Por aí afora.


Está lotada de mantras, saindo pelo ladrão, a campanha presidencial no Brasil que já anda solta, apesar de oficialmente nem ter começado. Programas, até agora, quase nada. É perigoso o quadro, abaixo tratarei da kakistocracia.

Atrás dos votos, venham de onde vierem, os candidatos fogem dos temas espinhosos, que podem tirá-los. Privatização é um deles. Aborto, outro. União homossexual, mais um. Austeridade fiscal e reforma da Previdência, na lista. A favor ou contra a possibilidade da prisão em 2ª instância, depois de sentença de colegiado, antes do trânsito em julgado? Que amplitude dar ao foro especial por prerrogativa de função? No máximo, generalidades sobre tudo isso. Corrupção, era natural, virou mantra, mas se evita dizer que a presença fortíssima das estatais na economia é caldo de cultura dela. Escutam-se aqui e ali censuras à presença crescente das estatais chinesas na economia brasileira. A campanha começa com generalidades desnorteantes, pode bem acabar com troca de ofensas pessoais do mais baixo nível.

Agora, alguns mantras. Avanço (vago, todos querem avanços, — versão adjetivada, avanços sociais —, justificativa frequente para gastos irresponsáveis e concessão de direitos ilusórios que pouco ou nada ajudarão de fato o povo; em geral o prejudicam no longo prazo); medidas progressistas (expressão utilizada amiúde para atitudes na ordem política que flertam com ditaduras sanguinárias de esquerda; na ordem moral via de regra medidas que favorecem a desintegração moral, como facilidades maiores para a união homossexual). Mais um, preservação de setores estratégicos (empregado para deixar a estatização mais ou menos como está, continuando sob o domínio das patotas partidárias gigantescos setores da economia e da máquina estatal). Aliás, bobagem essa história de setores estratégicos na economia. Nos Estados Unidos o petróleo, a energia elétrica, a mineração e o subsolo estão desde sempre em poder dos particulares. Prejudicou a segurança do País? Impediu a economia de crescer e distribuir seus benefícios para a população? Ajudou e muito, essa é a verdade. Ênfase reformista no governo (aqui ninguém sabe o que esse mantra quer dizer de fato).

Em linhas gerais, nessa largada todos os candidatos são democráticos, populares, progressistas, reformistas. Como efeito a ser tido em conta, seduz, ilude e entorpece a repetição meio atoleimada de tais slogans. No meu caso aconteceu o contrário, impliquei. Cansei da cantilena, enfarei da lorota, enjoei dos mantras.

Poderia esmiuçar cada um deles. Estaco em um, o regime democrático. Ou, em outra formulação, a democracia. Diante de seu altar todos se inclinam, reverentes e sôfregos lhe prestam homenagens subservientes, como pagãos incultos e crédulos arqueados diante do Júpiter tronante.

Aqui, vou devagar, piso em terreno cheio de pregos e vidros, ando em área politicamente incorreta, mas estou disposto a pingar is pelo trajeto, atendendo ao fundamental para quem fala ou escreve: a clareza.

Simplificando, com alguma base se atribuiu a Aristóteles a classificação dos regimes em monárquicos, aristocráticos, democráticos e mistos, todos legítimos, com condições de buscar o bem comum. Luís Taparelli d’Azeglio (1793-1862), tratadista do Direito Natural, vê apenas diferenças acidentais, de quantidade, entre os regimes aristocráticos e democráticos, já que nos últimos, de fato, nunca a totalidade dos membros da sociedade participa dos assuntos públicos. A democracia corrompida degenera em demagogia, a aristocracia em oligarquia, a monarquia em tirania. Lembrei teoria de forma sumária para fixar os pontos principais da questão.

Agora, um mergulho na prática. Nossa democracia tem pouco a ver com o governo de todos da teoria aristotélica. Na casca, nomes iguais ou parecidos. No miolo, diferenças abissais. Nossa democracia tem caráter oligárquico e demagógico. É partidocracia. Minorias organizadas tangem maiorias desnorteadas, manipulando o que por aí chamam de vontade popular. Focalizando de momento só um aspecto do quadro, vivemos na era dos robots nas redes sociais, das fake news, dos spin doctors, afundados no ambiente da pós-verdade.

Tal montoeira de recursos propicia a kakistocracia, palavra nova que significa o governo dos piores. E se generaliza no povo a descrença e o repúdio. Aqui está um motivo pelo qual nenhuma proposta de voto facultativo avança no Congresso. O voto não obrigatório, sem o cabresto da sanção, poria a nu a inautenticidade de nossa democracia. Desconfiada, desinteressada ou raivosa, a maioria não iria até as urnas, o comparecimento, quanto muito, bateria nos 30%.

E nem trato dos regimes de partido único, feição totalitária, buscando a hegemonia, que é para onde caminha a Venezuela, nos passos de Cuba, aplaudidas delirantemente pelo PT e alguns partidos afins.

É, estamos vendo, nossa democracia tem muita telha de vidro na cobertura. Outras. Já no nascedouro, foi fruto de golpe militar que incinerou a ordem constitucional. Em texto conhecido, afirmou Aristides Lobo, ministro do primeiro governo da República: “O povo assistiu àquilo bestificado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. Mais grave nem foi o alheamento popular. Desde o começo plantou as raízes doutrinárias na Revolução Francesa, fede a racionalismo e iluminismo; e pisa, por lógica incoercível, o chão ensanguentado do Terror.

Democracia e república não são sinônimos entre si, nem são sinônimos de liberdade. Nunca foram. Na defesa das liberdades naturais, hoje agredidas por tudo quanto é canto, mora a questão mais séria. Para um católico seguidor da doutrina social da Igreja, repito, o primordial são as liberdades naturais: liberdade de cultuar o verdadeiro Deus, liberdade de buscar a própria perfeição, liberdade de comprar e vender, de empreender, de casar, ter filhos, educá-los. Enfim, ampla autonomia na vida pessoal, papel suplementar cabe ao Estado.

Nosso regime democrático asfixia várias das liberdades naturais, quando o direito seria bafejá-las, oxigená-las. Alguns poucos exemplos. Os candidatos prometerão expandir a liberdade de empreender, tão sufocada no Brasil? Constarão de seu programa compromissos de proteção à ordem que constituirão obstáculos sérios a quem delas abusa? Lembro os quebra-quebras do MST e do MTST.

Prometerão proteger o direito de os pais educarem os filhos, criando condições que propiciem a luta contra a ideologia de gênero? É liberdade ameaçada pela tirânica coorte dos que pretendem impor na educação e na vida em geral tal doutrina devastadora. Parece, crescerá sem cessar ao longo dos anos a pressão pela vitória da ideologia de gênero, em especial por trabalho dos grandes meios de divulgação e da academia.

Tanta coisa mais haveria a dizer, mas preciso parar por aqui. Constato com tristeza, porém estou certo de que assuntos assim — fundamentais para nosso destino de nação cristã e civilizada —, caso presentes nos debates, estarão de forma tangencial. A demagogia vai correr solta; se vier enxurrada, com facilidade poderemos despencar na kakistocracia.


* * *