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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: Amor e Medo -Casimiro de Abreu




AMOR E MEDO

Casimiro de Abreu


  I

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
“Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!”

Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela eu moço; tens amor eu medo!...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me intumesce os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho!

II

Ai! se eu te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos, palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: que seria da pureza d’anjo,
Das vestes alvas, do cantor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca, sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem.
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
Olhos pisados como um vão lamento,
Tu perguntaras: qu’é da minha c’roa?...
Eu te diria: desfolhou - a o vento!...

   ________

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí - me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela eu moço; tens amor, eu medo!...


 


Casimiro de Abreu
(Casimiro José Marques de Abreu), poeta, nasceu em Barra de São João, RJ, em 4 de janeiro de 1839, e faleceu em 18 de outubro de 1860. É o patrono da cadeira n. 6 da Academia Brasileira de Letras, ABL, por escolha do fundador Teixeira de Melo.

* * *

 

O Duelo

Cyro de Mattos



          Tinham começado o duelo desde não sei quando. O bem achava que a vida era boa e bela, muita gente devia se interessar por ela.  Nada disso, o mal dizia que a vida era ruim e feia, viver com as amargas ela sempre aprovou, o fel ao invés do mel.

          O bem achava que a vida devia pender para o sabiá, enquanto o mal não aceitava isso sob qualquer argumento. Devia pender para o urubu, como sempre acontecia. O bem bradava que a liberdade é o valor mais importante da vida. O mal sorria fazendo uma careta. Assegurava que a lei do mais forte é a correta, nos hábitos e costumes só há sobrevivente quando a regra a seguir consiste em fazer valer o império dos abonados perante os excluídos.   

          O bem dizia que o amor é o sentimento mais forte, o mal rebatia, adiantando que a maioria vive enganada, o casal só percebe o erro quando enfrenta a dura lei da vida. O bem retornava, dizendo que o inocente era para ser sempre absolvido, o mal contrapunha, afirmando quem manda é o que está por cima, é o vitorioso, não importa o crime fútil que tenha executado. 

             Não encontravam um meio termo para frear as discussões acaloradas, sem fim. Decidiram que um duelo mostraria quem estaria com a razão. No dia aprazado, o juiz demarcou o terreno com uma corda de vinte metros, ao comprido. Cada um ocupava agora seu lugar no extremo da corda. O bem no ponto em que o sol nascia. O mal no ponto em que a noite abarcava o dia.

         O juiz trilou o apito. Ao mesmo tempo, atiraram um contra o outro, para saber quem tombaria primeiro. A arma do mal cuspiu cobras e lagartos, que se bateram contra os muros do bem e ali mesmo tombaram, sem alcance do alvo perseguido. Da arma do bem saíram flores, que soltaram fragrâncias, perfumaram os ares e fizeram com que o mal fugisse em desabalada carreira.

       O bem continua morando nos prados da alegria, onde vive a esperança desde que amanhece o claro dia, a ternura tece a vida com os fios do encanto e da beleza.  O mal voltou a viver nas zonas trevosas da matéria, onde fabrica até hoje suas redes com fios grossos bem trabalhados e as arremessa com gosto para pegar os peixes grandes e miúdos nas águas da desgraça alheia.

 

Cyro de Mattos - Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

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