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segunda-feira, 24 de julho de 2017

67 DIAS E 67 NOITES DE UMA DELAÇÃO - Joesley Mendonça Batista

23/07/2017
Dezessete de maio de 2017, aniversário de 12 anos de um dos meus filhos -que deixaria a escola e sairia do país a meu pedido-, foi também o dia do meu renascimento. Senti-me um novo ser humano, com valores, entendimento e coragem para romper com elos inimagináveis da corrupção praticada pelas maiores autoridades do nosso país.

Em vez de comemorar seu aniversário, minha filha juntou-se a milhões de brasileiros que tomavam conhecimento de episódios de embrulhar o estômago. Naquele dia vazou para a imprensa o conteúdo do acordo de colaboração premiada que havíamos assinado com a Procuradoria-Geral da República. Confesso que minha reação foi de medo, preocupação e angústia.

Afinal, uma semana antes estivera em audiência no Supremo Tribunal Federal para cumprir os ritos necessários à homologação do acordo. Era essa a notícia que eu estava ansiosamente aguardando, não a do súbito vazamento.

Desde então, vivo num turbilhão para o qual são arrastadas minha família, meus amigos e funcionários.

Imagens minhas e da minha família embarcando num avião, tiradas do circuito interno do Aeroporto Internacional de Guarulhos, foram exibidas na TV, como se estivéssemos fugindo. Um completo absurdo.

Políticos, que até então se beneficiavam dos recursos da J&F para suas campanhas eleitorais, passaram a me criticar, lançando mão de mentiras. Disseram, por exemplo, que, depois da delação, eu estaria flanando livre e solto pela Quinta Avenida, quando, na verdade, nem em Nova York eu estava.

Para proteger a integridade física da minha família, decidi ir para uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos, longe da curiosidade alheia. Nessa altura, porém, eu já havia sido transformado no inimigo público número um, e nada do que eu falasse mereceria crédito.

Minha exata localização nem seria assim tão relevante, a não ser por revelar uma estrutura armada com o objetivo de transformar a realidade complexa, plena de nuances, num maniqueísmo primário, em que eu deveria ser o mal para que outros pudessem ser o bem.

Mentiras foram alardeadas em série. Mentiram que durante esse período eu teria jantado no luxuoso restaurante Nello, em Nova York; mentiram que eu teria viajado para Mônaco a fim de assistir ao GP de Fórmula 1; mentiram que eu teria fugido com meu barco.

A lista das inverdades não parou por aí. Mentiram que eu estaria protegendo o ex-presidente Lula; mentiram que eu seria o responsável pelo vazamento do áudio para imprensa para ganhar milhões com especulações financeiras; mentiram que eu teria editado as gravações.

Por fim, a maior das mistificações: eu teria estragado a recuperação da economia brasileira, como se ela fosse frágil a ponto de ter que baixar a cabeça para políticos corruptos.

De uma hora para outra, passei de maior produtor de proteína animal do mundo, de presidente do maior grupo empresarial privado brasileiro, a "notório falastrão", "bandido confesso", "sujeito bisonho" e tantas outras expressões desrespeitosas.

Venderam uma imagem perfeita: "Empresário irresponsável e aproveitador toca fogo no país, rouba milhões e vai curtir a vida no exterior".

A única verdade que sei é que, desde aquele 17 de maio, estou focado na segurança de minha família e na saúde financeira das empresas, para continuar garantindo os 270 mil empregos que elas geram.

Por isso, demos início a um agressivo plano de desinvestimento que tem tido considerável êxito, o que demonstra a qualidade da equipe e das empresas que administramos.

De volta a São Paulo, onde moro com minha mulher e meus filhos, vejo na imprensa políticos me achincalhando no mesmo discurso em que tentam barrar o que chamam de "abuso de autoridade".

Eles estão em modo de negação. Não os julgo. Sei o que é isso. Antes de me decidir pela colaboração premiada, eu também fazia o mesmo. Achava que estava convencendo os outros, mas na realidade enganava a mim mesmo, traía a minha história, não honrava o passado de trabalho da minha família.

Poucos mencionam a multa de R$ 10,3 bilhões que pagaremos, como resultante do nosso acordo de leniência. Essa obrigação servirá para que nossas próximas gerações jamais se esqueçam dessa lição do que não fazer.

Não tenho dúvida de que esse acordo pagará com sobra possíveis danos à sociedade brasileira.

Hoje, depois de 67 dias e 67 noites da divulgação da delação, resolvi escrever este artigo, não para me vitimar - o que jamais fiz -, mas para acabar com mentiras e folclores e dizer que sou feito de carne e osso. E entregar ao tempo a missão de revelar a razão.


 JOESLEY MENDONÇA BATISTA, empresário, é dono do grupo J&F



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MOCINHA - Ariano Suassuna


Mocinha


Em 1990, quando tomei posse de minha cadeira na Academia Brasileira de Letras, agi de modo a ligar o mais possível a cerimônia, o uniforme, o colar e a espada aos rituais de festa do nosso povo. Eu lera, de Gandhi, uma frase que me impressionou profundamente. Dizia ele que um indiano verdadeiro e sincero, mas pertencente a uma das classes mais poderosas de seu país, não deveria nunca vestir uma roupa feita pelos ingleses. Primeiro, porque estaria se acumpliciando com os invasores. Depois, porque, com isso, tiraria das mulheres pobres da Índia um dos poucos mercados de trabalho que ainda lhes restavam.

A partir daí, passei a usar somente roupas feitas por uma costureira popular, Edite Minervina. E também foi ela quem cortou e costurou meu uniforme acadêmico, bordado por Cicy Ferreira. Isaías Leal fez o colar e a espada, unindo, nesta, num só emblema, a zona da mata e o sertão.

Naquele ano, era Miguel Arraes quem governava Pernambuco. E, como o Estado que me adotou como filho se encarregou da doação normalmente feita ao acadêmico pela terra de seu nascimento, combinei tudo com o governador e fizemos, no palácio do Campo das Princesas, uma espécie de cerimônia prévia na qual Arraes (que, como eu, é egresso do Brasil oficial, mas procura se ligar ao real) faria o discurso de entrega das insígnias; e artistas populares me entregariam os adereços feitos por eles: Edite e Cicy, o fardão, Isaías Leal, o colar, e mestre Salusitano, a espada (que, na ABL, me seria entregue por meu mestre Barbosa Lima Sobrinho). Depois que Isaías Leal me deu o colar, no Recife, pedi à maior cantadora nordestina, Mocinha de Passira, que o colocasse em meu pescoço - uma vez que, na Academia, escolhera para isso outra mulher, minha querida Rachel de Queiroz.

Como se vê, em tudo, eu tentava mostrar, do modo canhestro, simbólico e precário que me é possível, que, apesar de nascido e criado no Brasil oficial, procuro sempre não esquecer que existe o Brasil real e é a seu lado que me alinho em todas as circunstâncias da minha vida.

Foi por tudo isso também que, escrevendo aqui em dezembro do ano passado, escolhi dois personagens simbólicos para representarem o Brasil real. Dizia: “O primeiro é Chico Ambrósio, cabreiro do sertão da paraíba, homem de sangue predominantemente indígena e jeito aciganado; a outra é Mocinha de Passira, violeira dotada de uma voz impressionante”

E concluía: “Na minha opinião, o que devemos fazer é olhar o brasil de Chico e Mocinha para seguir e aprofundar (no campo social, político e econômico) o caminho indicado por Antônio Conselheiro - aquele socialismo-de-pobre que, para nós, foi uma picada aberta em direção ao sol de Deus”.

Nos tempos de desprezo que estamos vivendo em relação à cultura brasileira (e em especial à popular), espero, então, que pelo menos as nossas universidades percebam a importância dessa cantora e repentista, que, como afirmei em meu discurso da ABL, significa para mim, para o Brasil e para o nosso povo o mesmo que Pastora Pavón representava para García Lorca, para a Espanha e para o povo espanhol.

Folha de São Paulo, 27/06/00


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Ariano Suassuna - Sexto ocupante da Cadeira nº 32 da ABL, eleito em 3 de agosto de 1989, na sucessão de Genolino Amado e recebido em 9 de agosto de 1990 pelo Acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Faleceu no dia 23 de julho de 2014, no Recife, aos 87 anos.

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A ECONOMIA E A GALINHA - Plinio Corrêa de Oliveira

23 de julho de 2017
Plinio Corrêa de Oliveira
A economia e a galinha
Sair da prisão e viver em liberdade



mídia vem tratando das dificuldades que há em passar da economia comunista para a economia privada nos países que estavam submetidos à tirania da URSS. Como o público comum não está habituado aos assuntos econômicos, não entende qual é a razão de tais dificuldades. Porque a volta à normalidade traz um pouco de incômodo, mas se pode, em pouco tempo e com algum esforço retornar a ela, e a vida segue.

Não me levem a mal o prosaísmo da comparação que vou fazer. Quando eu era menino, viajava-se muito de trem e pouco de automóvel. Quando se chegava a uma estação, eu via mercadorias serem retiradas do vagão de cargas. Muitas vezes observava descerem jacás com galinhas — eram uns cestos grandes que se usava para transportá-las.

Depois, as galinhas às vezes eram levadas para minha casa e soltas no galinheiro. De vez em quando ia observar o galinheiro. De maneira que ainda conservo a noção das reações das galinhas saídas do jacá para o período da normalidade dentro do galinheiro. Eu seria capaz, se soubesse desenhar, de traçar o itinerário delas presas no jacá, e depois, colocadas em liberdade.

Em suma: primeiramente a galinha sentia-se livre e olhava um pouco em torno de si, sentindo-se a si própria. Depois, ela percebia que era possível voltar à normalidade e começava meio desajeitadamente a andar. Em pouco tempo, estava andando mais depressa e começava a agressão aos vermes para matar a fome. A galinha é antiecológica… Logo mais, ela percebia onde estava a água e bebia, fazendo — não sei por que fenômeno de deglutição — um gesto enérgico com a cabeça. Por fim, saía andando normalmente. Ela havia escapado do regime de cárcere e voltado para o regime de liberdade.

Por que a economia de um país não se faz mais ou menos do mesmo modo? Em última análise, para se avaliar esse assunto sob um aspecto mais sério, exemplifico com a Hungria. O país esteve dominado pelo regime comunista durante muito tempo e, em certo momento, começou a liberalizar a economia. Em alguns anos, a economia húngara estava restituída à normalidade. Não foi necessário escrever longos artigos com estatísticas… Foi a marcha natural, como a da galinha retirada da prisão. Assim também com a economia que sai do regime socialista.

Não compreendo por que em outros países que integravam a antiga URSS não se faz o mesmo. Os jornais apresentam tais complicações funambulescas para a normalização da economia, que se fica sem saber se vão encontrar solução. Parece-me que isso representa um desejo dos comunistas de apresentar alguma outra nova fórmula velhaca que represente um comunismo transformado de verme em libélula. Uma metamorfose do comunismo a fim de enganar os ingênuos…
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 5 de janeiro de 1992. Sem revisão do autor.



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