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quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O FASCÍNIO DA ÁRVORE - Antonio Baracho


              
            Tal como Joyce Kilmer, sei que na vida nunca verei poema mais belo e ardente do que uma árvore. Olegário Marianno traduziu-lhe os maravilhosos versos que figuram no seu Enamorado da Vida, e é através da sensibilidade do grande e inesquecível poeta pernambucano que, sentindo a emoção de Kilmer, também dizemos: qualquer mortal como nós pode fazer um poema... Mas, quem pode fazer uma árvore? Só Deus. Porque uma árvore encerra uma boca faminta aberta eternamente ao hálito sutil e flutuante da terra. Voltada para Deus todo dia ela esquece os braços a pender de folhas, numa prece; e ao vir do estio morno, esconde um ninho de sabiás nos cabelos da fronde. E a neve põe sobre ela o seu nível diadema e a chuva vive na mais doce intimidade do tronco, a se embalar nos galhos seus... Divino Kilmer! Sublime Olegário!

                Sim, sublime Olegário. Poeta das cigarras, ele poderia, igualmente, ser cognominado de cantor das árvores, posto que inúmeros poemas as árvores lhe inspiram, e quase sempre as compara com as mulheres... A árvore, na sua visão de vate, é uma mulher, como se vê deste soneto inserto no seu livro citado:

Árvore! Quem dirá, vendo-te o talhe esguio,
que não foste mulher um dia? Quem dirá?
Quando te esfrola a copa a asa do vento frio,
que saudade de amor não te despertará?!

Vendo-te repousar na água clara do rio,
sinto que a tua sombra humana dormirá
embalada na voz do eterno murmúrio
da corrente que o teu destino embalará.

Árvore! Na aflição que o teu silêncio encerra,
sendo noiva do sol, sendo filha da terra,
não canta em tua fronde um pássaro sequer;

és um vulto que espreita o caminho e mais nada.
Mas os tropeiros, quando passam pela estrada,
olham-te como se olha um corpo de mulher.

                Na qualidade de psicólogo de profissão, e, modéstia à parte, também poeta contumaz, ao tempo em que vejo a árvore como inspiradora dos meus sonhos, utilizo-a como instrumento de trabalho, pois, como é sabido, ela é útil para o diagnóstico de personalidade; isto porque, quando se desenha uma árvore, a personalidade de quem a traçou se projeta naquele tronco e naqueles galhos... Mas, este é outro assunto sobre o qual seria eu levado a escrever páginas e páginas ao invés de uma leve crônica. Ficarei, por isso, com os meus poetas que veem as árvores como elas são, enfeitando a paisagem dos campos ou das urbes, ora como um simples vulto “que espreita o caminho”, ora como dançarinas ao capricho do vento. Gosto, porém, de contemplá-la no seu donaire real orgulhando-se de sua altíssima linhagem, como a viu Clóvis Lima, neste flagrante inesquecível que é, sem dúvida, dos mais belos que a árvore já inspirou:


Aquela árvore, além, dominando a paisagem,
a fronde aberta ao sol, em flagrante beleza, 
tem o donaire real de uma linda princesa
que se orgulha da sua altíssima linhagem.

Fico-me a ver-lhe o porte elegante, à voragem
do vento que a contorce ou a doce sutileza
do zéfiro que vem beijá-Ia, e, com lhaneza, 
tange a harpa-eólea da sua esplêndida ramagem.


Enlevado, contemplo-a, agora, quando a tarde
já de todo esmaeceu, ouvindo-se, ainda, o alarde
dos pássaros que vão abrigar-se na mata.

O crescente que vai galgando a altura infinda,
antepõe-se-lhe a fronde, e ela então é mais linda
e orgulhosa a ostentar um diadema de prata.


Bendigo as arvores louvando todos os poetas que a cantam.

    

ANTONIO BARACHO – Poeta, psicólogo.
Membro da Academia Grapiúna de Letras- AGRAL, ocupante da cadeira nº 11.
Tel. (73) 99102-7937 / 98801-1224


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