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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O BRASIL DE AMANHÃ - Rosiska Darcy de Oliveira

O Brasil de amanhã

Na madrugada de quarta-feira passada — os crimes acontecem preferencialmente enquanto todos dormem — a Câmara dos Deputados votou uma lei que, no dizer da presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, pode contrariar a independência do Poder Judiciário. A ministra definiu à perfeição o sentido da lei contra o abuso de autoridade de iniciativa do deputado Weverton Rocha, investigado por crimes contra a administração pública. 

Esse jabuti colocado no pacote anticorrupção, desfigurando um projeto apoiado por mais de dois milhões de assinaturas, visa diretamente o juiz Moro e os procuradores da Lava-Jato. O episódio serviu para deixar claro que o principais inimigos da operação são os parlamentares sob suspeição de crimes. A Lava-Jato é o melhor instrumento de que dispomos para regenerar o Congresso. Eles sabem disso.

Foi dada a última volta do parafuso na degradação da vida política. A população tem medo do Parlamento que, supostamente, deveria representá-la. Pergunta-se o que estarão tramando às escondidas políticos que fazem o país refém no afã de salvar a própria pele. Que riscos corre o Brasil, quem sabe a sabotagem da política econômica? Quanto mais encurralados se sentem pelas investigações, mais perigosos se tornam. E pouco se importam com o que pense a sociedade. E, no entanto, apesar deles e contra eles, a sociedade faz seu caminho. 

Horas antes, à luz do dia, no prédio ao lado, no Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Alberto Barroso, com apoio da ministra Rosa Weber e do ministro Luiz Fachin, decidia que o aborto até o terceiro mês de gestação não é crime, independentemente do motivo que leve a mulher a interromper a gravidez. Invocavam “os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, que não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada: a autonomia da mulher, que deve conservar o direito de fazer suas escolhas existenciais; a integridade física e psíquica da gestante, que é quem sofre, no seu corpo e psiquismo, os efeitos da gravidez; e a igualdade, já que os homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria”. 

Nunca o Judiciário abordara de maneira tão límpida e justa a questão da interrupção voluntária da gravidez. Jamais dera uma resposta tão satisfatória às mulheres que, há anos, lutam pelo reconhecimento de seu direito de escolha. 

O contraste entre o atraso de um Congresso carcomido pela corrupção e a contemporaneidade de um STF que acolhe as demandas da sociedade põe em evidência o paradoxo atual do Brasil. Não é a sociedade brasileira nem as suas instituições como um todo que estão em crise. Se a Lava-Jato revela o lado sombrio do país, sua existência é luz, ato de resistência. Da sociedade brotaram iniciativas como a Lei da Ficha Limpa, exprimindo a recusa à corrupção. E antes dela, movimentos de cidadãos — mulheres, negros, ambientalistas, gays — não esperaram por ninguém para ampliar liberdades e conquistar direitos.

O Brasil muda a cada dia graças à coragem de juízes e procuradores, à capacidade de inovação e resiliência de milhões de brasileiros. Ações cívicas, espontâneas, espalhadas pelo país, impedem que nos deixemos abater pela depressão, quase vergonha, que nos ameaça. É essa energia que revitaliza a política, de fora para dentro, da sociedade para o Estado.

“Há um futuro luminoso querendo despertar das sombras do presente”, conclui o livro “Trópicos utópicos”, de Eduardo Giannetti, que serviu de inspiração ao Fórum do Amanhã reunido em Tiradentes, pequena cidade metáfora de um Brasil que preservou sua alma, sua história e arte. Cenário ideal para nos interrogarmos: “Que constelação de valores seria capaz de nos unir em torno de um projeto inédito de país?”. 

Os anos de 2017 e 2018 serão dedicados a responder a essa pergunta. É preciso que cidadãos se reúnam Brasil afora, virtualmente ou cara a cara, criem espaços para pensar e construir nosso amanhã, o país possível e desejável. Para além dos ódios primários, que surjam nomes para encarnar uma política renovada por jovens, senhores que são das redes, que representem dignamente quem neles confiar.

Velhas raposas corruptas estão com medo da Justiça. Não têm medo de nós, os eleitores, que desprezam e humilham. Porém, enganam-se. Se nos mobilizarmos para refundar a política, como fizemos ao denunciar a corrupção e dizer não à impunidade, uma surpresa os espera. Amanhã não será um domingo qualquer, a multidão voltará às ruas. Há que temer os cidadãos.

O Globo, 03/12/2016





Rosiska Darcy de Oliveira - Sexta ocupante da cadeira 10 da ABL, eleita em 11 de abril de 2013. É escritora e ensaísta. Sua obra literária exprime uma trajetória de vida. Foi recebida em 14 de junho de 2013 pelo Acadêmico Eduardo Portella, na sucessão do Acadêmico Lêdo Ivo, falecido em 23 de dezembro de 2012.

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GERALDO VAZ DE QUADROS COMENTANDO "A Elaboração do Luto" de Melanie Klein

Olá

Pincei alguns tópicos (comentando-os levemente) de um texto do livro Folha Explica: “A Elaboração do Luto”, da notável psicanalista Melanie Klein; ei-lo:

... É preciso tempo para que se cumpra o processo de luto e para que se aceite a perda de alguém, conformando-se com o veredito da realidade. É preciso tempo... Para elaborar o caos de emoções ambivalentes e aceitar, acolhendo-as, tanto a realidade psíquica quanto a realidade externa, com suas exigências, seus inexoráveis juízos. Transformar em cosmos o caos interior requer tempo...

...Durante a infância celebram-se muitos lutos, pois não apenas criam-se vínculos, como também se inicia um quase interminável processo de separação dos pais, conduzindo à vida adulta e autônoma. Além disso, muita coisa precisa desaparecer: os sonhos de perfeição pessoal, a onipotência, os amores ideais, os devaneios em que tudo parece absoluto, grande e grandioso. Os ídolos e os ideais precisam morrer e renascer modificados.

...E o luto dos muitos microferimentos decorrentes de desatenções vividas ou imaginadas? Eles terão de ser feitos e refeitos milhares de vezes... Não apenas no momento em que ocorre uma perda por morte ou separação, mas porque a transitoriedade de tudo obriga, constantemente, a fazer o luto do momento presente para se ter acesso ao momento seguinte...

...O luto e a melancolia não são episódios contingentes e acidentais, mas partes integrantes e indispensáveis da travessia existencial de cada um de nós – a saúde mental não significa escapar a este destino, e sim, ao contrário, assumi-lo... É preciso renunciar a posse absoluta e exclusiva dos objetos de amor, é preciso aceitar substituições e remanejamentos...

...Em todo processo de luto há aceitação da morte e algum tipo de renascimento.  Morte, luto, renascimento: este movimento cíclico é também a melhor metáfora do processo de constituição do sujeito – de cada um em particular.

A primeira emergência... O luto primordial ocorre, em regra, em torno do desmame, e abrange tudo o que o seio (a “mãe boa”) representa: o amor, a bondade, segurança, a base da sobrevivência...

... Mas, se a função parental e a união conjugal entre os pais favorecer a criação de objetos internos vivos e vitalizados, o luto pode chegar a bom termo... Desses pais internos que se amam brota, de forma viva, um princípio de ordenação que ajuda a transformar o caos interior em cosmos. Por outro lado, se estão em guerra, em litígio, o caos se adensa e se aprofunda.

...Todo prazer sentido junto aos pais é uma garantia de que o objeto interno não está ferido nem se transformou em vingador. As experiências felizes diminuem o medo e aumentam a confiança: isto é crucial para que a depressão e o sentimento de perda sejam superados.

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Este resumo é uma pequena observação sobre uma das facetas da constituição do aparelho psíquico em geral, dos homens e mulheres... Mas, qual seria mesmo a utilidade? Bem, a resposta é subjetiva, isto é, depende de quem lê. Talvez, quem sabe, os mais velhos vejam ali, mesmo na penumbra, algumas coincidências com certas passagens de suas vidas, e, os mais novos, além disso, a possibilidade de poder olhar com mais cuidado e carinho, quando da condução dos seus bebês...

Talvez possa despertar a consciência de “alguém” para o fato de que ele não está assim tão desesperado e só. Isto, porque às vezes temos a impressão que estamos lutando contra gigantes (de variados matizes psíquicos e até físicos), como se fôssemos os únicos no mundo – ledo engano. Apesar de sermos absolutamente singulares em relação às demais criaturas humanas, há uma enormidade sem fim de situações que se abatem de igual modo sobre todos, sem exceção...

Talvez alguns nada vejam de interessante no texto acima – talvez isto seja bom... Por outro lado, outros poderão vislumbrar que existe alguma coisa ali que tem a ver consigo, e, ao lembrar que o que está ali é apenas uma pequena parte do todo, poderia até imaginar: “tô ferrado”!

A propósito, lembro que é o interior de cada pessoa em particular que determina como ela enfrentará os seus problemas – são inumeráveis as defesas que ela tem à disposição; entre elas: umas encobrem a cabeça para não vê-los; outras se acham eternas vítimas e vivem na espreita para ferrar quem passar pelo seu caminho, pois “se acham” credoras do mundo (que o mundo foi injusto com ela, etc. etc. e etc.)... Mas, há algumas, a maioria, que, apesar de não afrontá-los, os enfrenta dia após dia e os vence, destemidamente e de frente...

...NÃO, você não está ferrado. Fomos todos dotados (pelo Criador) de poderosos instrumentos internos que nos fazem adaptar a quaisquer circunstâncias... E, para não alongar mais ainda, sugiro lembrar as palavras de Paulo (Fil.3.13,14):

“Irmãos, eu não julgo que eu mesmo o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está diante, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus”.

... Além do mais, segundo as Escrituras, “ninguém recebe provação maior do que a que ele possa suportar”... E, complementando, o Mestre disse que: “No mundo teríamos aflições – mas, que as venceríamos”.


Geraldo Vaz de Quadros
Psicanalista – Pós em Filosofia e Doutor em Teologia – Membro efetivo da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL.


Estes tópicos têm destinatário – um (uma pessoa, ou +) dos nossos confrades...

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LULA VIRA RÉU PELA QUINTA VEZ EM TRÊS OPERAÇÕES DIFERENTES

Dida Sampaio - 22.set.2016/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Lula durante comício no Recife, em setembro

Lula vira réu pela quinta vez em três operações diferentes 
Do UOL, em São Paulo*
19/12/2016

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tornou-se réu pela quarta vez em processos relacionados à Operação Lava Jato após o juiz federal Sérgio Moro aceitar nesta segunda (19) a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) feita na quinta (15). Ele também já foi denunciado na Operação Zelotes (veja abaixo).

O MPF denunciou Lula pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro por contratos firmados entre a Petrobras e a construtora Norberto Odebrecht S/A. O ex-presidente foi apontado como o "responsável por comandar uma sofisticada estrutura ilícita para captação de apoio parlamentar, assentada na distribuição de cargos públicos na administração federal".

Também viraram réus nesta ação o empresário Marcelo Odebrecht, acusado da prática dos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro; o ex-ministro Antonio Palocci e seu ex-assessor Branislav Kontic, denunciados pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro; e Paulo Melo, Demerval Gusmão, Glaucos da Costamarques, Roberto Teixeira e a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, acusados da prática do crime de lavagem de dinheiro.

Compra de imóveis
Na última segunda-feira (12), a PF (Polícia Federal) indiciou Lula, Marisa, Palocci, Gumão, Kontic, Teixeira e Costamarques com base em dois inquéritos: um sobre a frustrada negociação de compra de um terreno em São Paulo para o Instituto Lula e outro sobre a compra de um apartamento em frente ao que o ex-presidente mora, em São Bernardo do Campo (SP).

Descrição: http://t.dynad.net/pc/?dc=5550001892;ord=1482158469197Descrição: https://t.dynad.net/pc/?dc=5550001577;ord=1482158472485
A compra do imóvel que seria usado como sede do Instituto Lula foi realizada em nome da DAG Construtora Ltda., empresa de Demerval Gusmão. No entanto, a transação foi feita com recursos originados da Odebrecht. A transação contou com auxílio de Glaucos da Costamarques, parente de José Carlos Bumlai, sob a orientação de Roberto Teixeira --amigo de Lula e advogado do ex-presidente--, que atuou como operador da lavagem de dinheiro, diz a força-tarefa da Lava Jato.

A denúncia aponta que parte das propinas destinadas a Costamarques foi repassada para o ex-presidente na forma da aquisição da cobertura contígua à sua residência em São Bernardo de Campo (SP). "De fato, R$ 504 mil foram usados para comprar o apartamento vizinho à cobertura do ex-presidente". Costamarques, segundo o MPF, teria atuado como testa de ferro, já que o imóvel foi adquirido em seu nome.

A procuradoria aponta que a mulher do ex-presidente, Marisa Letícia, assinou um contrato fictício de locação com Costamarques em fevereiro de 2011. "Mas as investigações concluíram que nunca houve o pagamento do aluguel até pelo menos novembro de 2015", diz o MPF, que viu a ação como uma tentativa real de dissimular a real propriedade do apartamento.

Executivo da Odebrecht Realizações Imobiliárias, Paulo Ricardo Baqueiro de Melo é citado em decisão de Moro na 35ª fase da Lava Jato, na qual foi preso o ex-ministro Antônio Palocci. Segundo o texto, José Carlos Bumlai apontou Melo, em depoimento à polícia, como um interlocutor "de questões relacionadas à implementação do Instituto Lula, inclusive compra do terreno".

Segundo a denúncia, R$ 75,4 milhões foram repassados a partidos e políticos que davam sustentação ao governo de Lula, especialmente o PT, o PP e o PMDB, "bem como aos agentes públicos da Petrobras envolvidos no esquema e aos responsáveis pela distribuição das vantagens ilícitas, em operações de lavagem de dinheiro que tinham como objetivo dissimular a origem criminosa do dinheiro". Esse valor é o equivalente a percentuais de 2% a 3% dos oito contratos celebrados entre a Petrobras e a Odebrecht.

Na quinta (15), após a denúncia do MPF, o Instituto Lula publicou nota negando que seja proprietário do terreno em São Paulo. A entidade também disse que o apartamento em São Bernardo não pertence ao ex-presidente. "A denúncia repete maluquices da coletiva do Power Point", diz o comunicado, em alusão à apresentação em slides feita pelo procurador Deltan Dallagnol quando Lula foi denunciado, em setembro, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Também no dia 15, a Odebrecht informou que não se manifesta sobre o tema, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça. "A empresa está implantando as melhores práticas de compliance, baseadas na ética, transparência e integridade."

Entenda as acusações anteriores
Lula já era réu em outros quatro processos, sendo dois deles no âmbito da Operação Lava Jato. No primeiro, o ex-presidente responde por tentativa de obstrução das investigações para evitar a colaboração premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. No segundo, é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, supostamente tendo recebido vantagens indevidas na construção e reforma de um tríplex no Guarujá (SP) e no pagamento do armazenamento do acervo pessoal do ex-presidente, ambas custeadas pela construtora OAS, numa soma de R$ 3,8 milhões.

O terceiro processo diz respeito à operação Janus, um desdobramento da Lava Jato. A Justiça aceitou denúncia acusando Lula dos crimes de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa.

No quarto, correspondente à Operação Zelotes, Lula é réu pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A denúncia do MPF apontou a atuação de Lula para interferir na compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e na prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627. 
(Com Estadão Conteúdo)

"PROVEM MINHA CORRUPÇÃO E IREI A PÉ SER PRESO", DISSE LULA



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NESTE LEITO DE AUSÊNCIA – Ferreira Gullar

Neste leito de ausência


Neste leito de ausência em que me esqueço
desperta o longo rio solitário:
se ele cresce de mim, se dele cresço,
mal sabe o coração desnecessário.

O rio corre e vai sem ter começo
nem foz, e o curso, que é constante, é vário.
Vai nas águas levando, involuntário,
luas onde me acordo e me adormeço.

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:
duplo espelho — o precário no precário.
Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,
de silêncio em silêncio me apodreço.

Entre o que é rosa e lodo necessário,
passa um rio sem foz e sem começo.


Ferreira Gullar



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