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sábado, 1 de abril de 2017

ITABUNA CENTENÁRIA SORRINDO: EM ISRAEL

Em Israel 



          Após visitar diversos países, um turista brasileiro chegou a Israel. Não dispondo de muito dinheiro e também resolvido a não pagar uma moeda a mais pelo que tivesse de comprar ou utilizar, discutiu preços no hotel, nas lojas, restaurantes e até com motoristas de praça.

          Mas, acabou chegando à conclusão de que os preços das utilidades eram os mesmos em toda parte. Ao primeiro negociante judeu disposto a ouvi-lo ele manifestou a sua admiração, declarando que ouvira em seu país tanta coisa sobre o desejo dos comerciantes judeus de tirar até  a camisa do último cristão, que se prevenira ao chegar ali a Israel.

          - No começo – esclareceu o outro – aqui realmente existiam uns judeus assim, mas foram embora.

          - Para onde eles foram? – indagou o brasileiro.

         O homem não se lembrava, mas perguntou à filha, uma bonita morena de olhos negros que o ajudava no balcão.

          - Raquel, minha filha, sabe para onde foram Jacó, David, Levi, Salomão...

          - Sei, pai – respondeu a moça – foram para Ilhéus, Itabuna, Coaraci...


(O SORRISO DO CACAU)
Nelson Gallo
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"Nélson Gallo, escritor baiano que, a cerca de três anos lançou âncoras em Ilhéus, onde consegue equilibrar-se entre a publicação de um livro e outro, e o emprego que exerce na administração do aeroporto, apaixonou-se pelo humor regional. Com base nesse entusiasmo, lançou-se à tarefa de reunir em livro, uma coletânea de casos, fatos e anedotas da zona do cacau. Gastou quase um ano nesse trabalho, mas seu esforço não foi em vão: Jorge Amado, que leu o livro e o prefacia, considera-o excelente em seu gênero.

Não nos cabe dizer se existe  ou não um “humor Grapiúna”. A conclusão ficará com o leitor, depois de ler estas anedotas. De qualquer forma, é fácil de notar o empenho de Nelson Gallo no sentido de “localizar” um humor regional que traduza o espírito de nossa gente tão simples e apta às criações súbitas, tão ardente e apaixonada, tão rica de contraste e de humanidade.
         
          Numa zona ainda em transição, que não chegou a sedimentar-se, esse esforço assume uma importância maior. Na verdade, não é fácil reunir dezenas de piadas numa região que apenas amanhece para o Brasil, sem ferir o amor próprio e a sensibilidade de nossa gente. Nelson Gallo foi ainda mais além: conseguiu selecionar casos, fatos e anedotas de que não está ausente certa dimensão universal.

          Ao mesmo tempo em que, em nome de Nelson Gallo, agradecemos a todas as pessoas que com ele colaboraram para a execução deste trabalho, fornecendo-lhe elementos e abrindo-lhe as fontes do humor  regional, formulamos idêntico agradecimento ao Dr. Adélcio Benício dos Santos, grande amigo da cultura, que nos permitiu a realização de mais este empreendimento editorial. A ele, os sinceros agradecimentos.

EDITORES"

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POESIA É ESPERANÇA E TANTAS OUTRAS COISAS MAIS! – Cláudio Zumaeta


Poesia é esperança e tantas outras coisas mais!


            Nosso magistral poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) trouxe para a poesia brasileira uma esperança inteiramente singular, ou melhor, ensinou-nos que a esperança nada tem a ver com pieguice ou fantasia melosa de um futuro inatingível. Drummond clarificou o belo e a simplicidade cotidiana. Sem nenhuma pretensão, expôs seus sentimentos, liberto de paradigmas e deixou-nos uma poesia imperecível, tão sublime quanto uma música de Bach, um quadro de Goya, uma peça de Shakespeare, uma trova de Patativa do Assaré. “A Flor e a Náusea”, por exemplo, é uma revelação angustiante de Drummond, frente à sua impotência diante do mundo moderno, falido, caótico e estúpido. Mas, ao mesmo tempo, o poeta mantém firme sua esperança teimosa, pulsante e arrebatadora diante desse mesmo mundo: “Uma flor nasceu na rua! Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros.

            É feia. Mas é realmente uma flor...” Esplêndida! Contundentemente bela! E se estou a falar de algo sempre novo, nada como ler Fernando Pessoa (1888-1935). Deste modo, encontramos Álvaro de Campos, heterônimo do grande poeta português, a nos dizer, nas entrelinhas, que a esperança move o mundo: “Dá-me lírios, lírios, e rosas também. Mas se não tens lírios, nem rosas a dar-me; tem vontade ao menos, de me dar os lírios, e também as rosas. Basta-me a vontade, que tens, se a tiveres, de me dar os lírios, e as rosas também. E terei os lírios – os melhores lírios – e as melhores rosas, sem receber nada. A não ser a prenda, da tua vontade, de me dares lírios, e rosas também.” Maravilhoso! Estupendo! Magnífico! Drummond e Pessoa representam a beleza que enfrenta a indiferença do mundo.

            E, se os trouxe aqui e agora, não o faço à toa. Sou motivado também por esse sentimento, inerente à poesia: a esperança! Porque o nascimento é uma expectativa, um arrebatamento, uma luz, uma promessa, uma poesia! E Ferreira Gullar (1930-2016)? Gullar disse poetizando sobre estar vivo ou estar morto (“Poema Sujo”) escreveu: “...Corpo meu corpo corpo que tem um nariz assim uma boca dois olhos e um certo jeito de sorrir de falar que minha mãe identifica como sendo de seu filho que meu filho identifica como sendo de seu pai... corpo que se pára de funcionar provoca um grave acontecimento na família: sem ele não há José Ribamar Ferreira não há Ferreira Gullar e muitas pequenas coisas acontecidas no planeta estarão esquecidas para sempre... [meu corpo] desde então segue pulsando como um relógio num tic tac que não se ouve (senão quando se cola o ouvido à altura do meu coração) tic tac tic tac enquanto vou entre automóveis e ônibus entre vitrinas de roupas nas livrarias nos bares tic tac tic tac pulsando há 45 anos esse coração oculto pulsando no meio da noite, da neve, da chuva debaixo da capa, do paletó, da camisa debaixo da pele, da carne...” E então perguntaram a Gullar porque ele escrevia poemas e ao que o poeta respondeu (“História humana”): “A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.”

            É isso: nada e nem ninguém (especialmente os pretensiosos!) vencerá a poesia, posto que ela é a chama da esperança e tantas outras coisas mais!

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Claudio Zumaeta
Historiador graduado pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC, Ilhéus – BA) Administrador de Empresas graduado pela Universidade Católica de Salvador (UCSAL, Salvador-BA. Membro efetivo da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL




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A DESPEDIDA DO TREMA¨

A despedida do Trema¨


Estou indo embora. Não há mais lugar para mim.

Eu sou o trema.

Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüenta anos. Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos!

Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!

O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio… A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. O dois-pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até o Cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra.
E também aquele obeso do O e o anoréxico do I.
Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?

A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W. “Kkk” pra cá, “www” pra lá. Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que, aliás, deveria se chamar TÜITER.

Chega de argüição, mas estejam certos seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou “tremendo” de medo.

Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o Alemão, lá eles adoram os tremas.

E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar.

Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.

Adeus...
Trema¨



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CARO DATA VERMIBUS - Carlos Heitor Cony


Caro data vermibus


Perdoem o latinório. Não vou embarcar na carne fraca que está criando problema e vergonha às nossas exportações. Até então, podíamos ter orgulho do produto, basta dizer que os nossos índios comeram o bispo Sardinha e não há notícia de que tenham passado mal.

Os latinos diziam que a carne foi feita para ser dada aos vermes: "caro data vermibus". Daí surgiu a palavra "cadáver", ou seja, a carne é para dar aos vermes. Boa coisa não se podia esperar dela.

Embora não soubesse latim, Hitler era vegetariano, não comia carne de jeito nenhum e os vermes não o comeram porque pediu para que fosse queimado. Além do mais, também mandou queimar as pessoas de que ele não gostava, inclusive milhões de judeus, ciganos e homossexuais.

Um avião chileno caiu nos Andes e os sobreviventes comeram seus colegas de voo. Dizem que Idi Amim Dada tinha um frigorífico para guardar a carne de seus inimigos e promovia banquetes com ela.

Não estou justificando o abuso (ou crime) dos nossos frigoríficos que aumentam a produção vendendo carne para nós e para povos amigos, embrulhada em papelão para esconder o péssimo produto que estão colocando no mercado.

Sinal dos tempos. A corrupção atual não se limita às propinas que nossos dirigentes estão cobrando de empresas, instituições e interessados particulares em busca de favores do Estado.

Pessoas de várias religiões, principalmente cristãos e católicos, renunciam ao diabo, ao mundo e à carne, independentemente de a carne ser forte ou fraca.

Não sou vegetariano nem índio que come bispos. Sei, como os latinos, que a minha carne poderá ser dada aos vermes, razão pela qual já deixei instruções para ser cremado legalmente. E minha saborosa carne não será consumida pelos amigos e pelos possíveis inimigos.

Folha de São Paulo (RJ), 26/03/2017


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Carlos Heitor Cony - Quinto ocupante da Cadeira nº 3 da ABL, eleito em 23 de março de 2000, na sucessão de Herberto Sales e recebido em 31 de maio de 2000 pelo acadêmico Arnaldo Niskier.

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