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sábado, 15 de dezembro de 2018

LINHA DIRETA - Merval Pereira


Uma afirmação do presidente eleito Jair Bolsonaro no discurso na cerimonia de diplomação chama a atenção pelo que revela da estratégia que o novo governo pretende usar na negociação com o Congresso. “O poder popular não precisa mais de intermediação. As novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes”.

Por trás das palavras a favor da soberania popular e da disposição de ser o presidente de todos, Bolsonaro manda um recado claro de que pretende usar as redes sociais para governar, assim como fez sua campanha eleitoral com baixo custo e ligação direta com os eleitores.

A cerimônia de diplomação, alias, foi cheia de recados indiretos. Como quando a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, discorreu sobre a necessidade de proteção às minorias, que o candidato Bolsonaro disse que deveriam se submeter às maiorias.

O presidente eleito Bolsonaro, pelo contrário, deixou explícito que governará para todos, mas insinuou que continuará a ter uma relação direta com os cidadãos, o que pode levar à tentativa de adotar a democracia direta, com referendos e plebiscitos, se as negociações com o Congresso não forem no caminho que considera o melhor.

O sociólogo Manuel Castells, considerado um dos maiores especialistas nos efeitos das novas mídias na sociedade, avalia, em seu mais recente livro “Ruptura”, que existe uma crise profunda da relação entre governantes e governados, demonstrada pelo descontentamento generalizado com as instituições políticas.

A falta de representatividade dos partidos políticos, e não apenas no Brasil, anunciaria o colapso gradual da democracia liberal, que seria substituída pelo que chama de "democracia real", a que surge a partir dos movimentos nascidos nas redes sociais.

Muito tempo antes das consequências desse desprestigio das classes politicas desaguarem na eleição de Trump nos Estados Unidos, no movimento pelo Brexit na Inglaterra e na eleição de Bolsonaro no Brasil, Manuel Castells já previa em entrevistas e em livros que a descrença na democracia representativa poderia levar a que os cidadãos mandassem todos os políticos embora, mas ele acreditava que o sistema bloqueava as saídas.

Em parte tinha razão, pois, pelo menos no Brasil, alguns representantes da chamada “velha política” sobreviveram às eleições, como o senador Renan Calheiros, que insiste em ser novamente presidente do Senado. Se for derrotado nessa pretensão pelos novos senadores eleitos, e pela nova configuração política que chegou ao Congresso junto com a vitória de Bolsonaro, confirmará que os efeitos dessa ruptura são mais amplos.

Sua admiração pelos novos meios de comunicação, no entanto, não faz dele um defensor radical da sua eficácia autônoma. Em livros anteriores ele advertiu que “não basta um manifesto no Facebook para mobilizar milhares de pessoas”. A mobilização dependeria do nível de descontentamento popular e da capacidade de mobilização de imagens e palavras.

 “A internet é uma condição necessária, mas não suficiente para que existam movimentos sociais”. Mas a frase do presidente eleito sobre os cidadãos não precisarem mais de intermediação, referindo-se claramente aos partidos políticos, mas também aos meios tradicionais de comunicação, se baseia em Castells, que considera que agora o cidadão tem “os meios tecnológicos para existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa”.

Essa ação através das mídias sociais tenta preencher o que Castells define de “vazio de representação”, criado pela banalização da atividade político-partidária, que caiu no descrédito da nova geração de usuários da internet. Manoel Castells sempre achou que um político ligado aos partidos convencionais dificilmente conseguiria superar essa rejeição, e a vitória de Bolsonaro parece confirmar essa teoria, embora o radar de Castells estivesse enviezado à esquerda, fazendo com que, a certa altura do processo, identificasse a presidente da Rede, Marina Silva, como quem teria condições para isso.
O Globo, 12/12/2018

Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31da ABL, eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico Eduardo Portella.

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A PRIMEIRA MULHER E A PONTE


A Mãe Lua chamou a Primeira Mulher para vir a uma assembleia sobre a nova ponte. Os primeiros animais queriam alcançar a grama verde e a floresta do outro lado do rio, mas o rio era muito largo e profundo para que os animais menores atravessassem.

A Donzela Primavera,  a Mãe Verão, a Feiticeira Outono e a Anciã Inverno tinham concordado em ajudar a criar uma ponte para eles. Elas se sentaram ao sol do lado de fora da caverna da Anciã Inverno para discutirem o que elas precisariam fazer.

Eu preciso fazer uma lista de todos os materiais de que nós precisaremos, disse a Donzela, entusiasmada com o projeto. Nós precisaremos desenhar uma estrutura para a ponte, planejar um cronograma para construí-la e resolver tudo o que precisamos. Quanto mais detalhado, melhor! 

Eu acho que deveríamos falar com os animais primeiro, sorriu a Mãe, para ver de que eles precisam e ajudá-los a se envolverem – de maneira que eles sintam que a ponte pertence a eles.

Eu acho que deveríamos desenhar a ponte enquanto a construímos. Vamos sentir o fluxo, sentir por onde ela deveria ir e estarmos abertas a quaisquer ideias que forem surgindo, disse a Feiticeira, inclinando-se para a frente e com brilho em seus olhos. 

Eu acho que deveríamos lembrar que esta ponte não é apenas para esta geração de animais, mas para seus filhotes também. Precisa ser uma boa ponte para todo mundo, disse a Anciã, fechando seus olhos e se recostando na parede da caverna.

Mas nós não podemos ser espontâneas, disse a Donzela. Nós temos que saber o que nós estamos fazendo e como vamos fazê-lo. Nós precisamos conseguir os materiais. É irresponsável ir fazendo qualquer coisa que sentirmos!

Irresponsável!  Gritou a Feiticeira, levantando-se. Eu não sou irresponsável. Você é rígida. Não tem nenhuma criatividade. Você construirá uma ponte, mas ela não terá uma alma!

Sob as árvores, a Primeira Mulher olhou para a Mãe Lua e sussurrou: O que deveríamos fazer? 

A Mãe Lua caminhou afastando-se das árvores em direção à reunião. Ela olhou para a Feiticeira, que se sentou sentindo-se um pouco constrangida.

Paz! disse a Mãe Lua suavemente.

Donzela e Feiticeira, vocês são irmãs. Vocês têm a mesma energia – dinâmica segura e criativa. Ambas precisam mudar coisas e fazer as coisas acontecerem. A única diferença é a sua perspectiva. Vocês têm mais em comum do que pensam. Vocês são reflexo uma da outra.

E vocês duas precisam uma da outra.

A Mãe Lua virou-se para a Feiticeira.

Feiticeira, ame gentilmente a necessidade da Donzela por estrutura – porque, sem estrutura, suas energias estarão dispersas e a ponte poderá nunca ser terminada ou ser forte nos lugares certos.

Ela se virou para a Donzela.

Donzela, aprecie a criatividade inspiradora da Feiticeira com amor. Mantenha sua estrutura para a essência vital da ponte e então dê a ela Liberdade e Espaço para criar com sua intuição e mágica.

Eu tenho uma ideia, disse a Feiticeira cautelosamente.

Ela olhou para a Donzela.

Talvez nós pudéssemos colocar plantas nas laterais da ponte. Isso tornará a ponte parte do cenário e também daria aos animaizinhos um esconderijo e um lugar para descansar. A ponte será um longo caminho para eles caminharem e rastejarem.

Oh, que ótima ideia! exclamou a Donzela. Eu nunca teria pensado nisso.

E logo elas estavam discutindo um monte de ideias com grande entusiasmo. 
Enquanto a Mãe Lua e a Primeira Mulher se afastavam, a Mãe Lua disse par a Primeira Mulher:  o que você aprendeu?

A Primeira Mulher fez uma pausa e disse:  ambas querem produzir alguma coisa, mas elas têm modos diferentes de fazê-lo. Porém, quando elas se juntam com amor – então elas formam uma ponte!

(Recebi via WhatsApp. Autor não mencionado)

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