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domingo, 12 de abril de 2020

PALAVRA DA SALVAÇÃO (178)


Domingo da Páscoa do Senhor – 12/04/2020

Anúncio do Evangelho (Jo 20,1-9)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.
— Glória a vós, Senhor.

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.
Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.  Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num lugar à parte.
Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger Araújo:

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Ligue o vídeo abaixo:




“Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2)

Em Jesus ocorre algo totalmente novo. Ele traz uma nova maneira de viver que não cabe em nossos esquemas, que não se encaixa em nossos hábitos, sempre limitados e estreitos.

“mistério pascal” é o salto para a novidade, para a beleza, para a transcendência. Imersos na história e na natureza, a Ressurreição nos faz descobrir a verdadeira extensão da Vida.

Não encontramos o Ressuscitado no sepulcro, mas na vida. Não encontramos o Ressuscitado enfaixado e paralisado pela morte, mas livre como a brisa da vida. 

A pedra que fora removida do túmulo de Jesus indicou a Maria Madalena uma novidade que seu coração buscava, uma novidade que espanta, enche o coração do desejo de procura: “Ele vive”.

O caminho dela em direção ao túmulo é símbolo da coragem de atravessar o escuro da madrugada para ver resplandecer uma nova aurora em sua vida, pela força criadora da única Presença que tudo sustenta, tudo recria e enche de amor. A presença do Cristo Ressuscitado.

Na madrugada da Páscoa, Maria Madalena vai ao sepulcro; ela é símbolo daquela comunidade que se movia entre a luz e a obscuridade. Ainda vive focada no sepulcro (morte); por isso, “ainda estava escuro”. Mas, ao mesmo tempo, começava a clarear (“ao amanhecer”) e a “pedra estava removida” (a pedra da dúvida, da tristeza e da resignação fatalista). Tudo parece anunciar algo definitivamente novo: é “o primeiro dia da semana”; trata-se, nada menos, que de uma nova Criação.

Segundo os evangelistas, as mulheres são as primeiras testemunhas da ressurreição de Jesus Cristo, pois Ele aparece primeiramente a elas. Segundo Tomás de Aquino o motivo desta precedência é porque elas estavam melhor preparadas que os homens para entender e acolher a maravilha da Vida.

E estavam melhor preparadas porque O tinham amado mais. 

Na ressurreição, a vida emerge de forma misteriosa; ela se impõe, simplesmente. Tal realidade desperta fascinação, provoca admiração e veneração..., porque a vida é sempre sagrada. Diante dela ficamos exta-siados, boquiabertos, escancarados os olhos e afiados os ouvidos. Ela nos atrai por sua força interna.

Portador de uma vida inesgotável, revelada na madrugada pascal, o ser humano vive para mergulhar em algo diferente, novo e melhor. A vida, desde o mais íntimo da pessoa humana, deseja ser despertada e ilu-minada em plenitude. Amar é romper a casca para que a vida se expanda na doação. A morte do falso “eu” é a condição para que a vida se liberte.

Vida plena prometida por Jesus: “Eu vim para que tenham vida e vida em abundância” (Jo. 10,10).

“Viver como ressuscitado” implica esvaziar-se do “ego”, para deixar transparecer o que há de divino. 

Quem se experimenta a si mesmo como “Vida” é já uma pessoa “ressuscitada” e isso faz a grande diferença, pois tem um impacto no seu modo de ser e de viver.

Marcadas pela ressurreição, as pessoas captam muitos detalhes que antes não haviam percebido, vivem intensamente, amam com mais paixão, prestam atenção a muitas coisas que antes lhes passavam desapercebidas. Tem um comportamento diferente para com os outros; há, nestas pessoas, mais ternura, são mais sensíveis à dor e à injustiça. Ao saborear o presente da vida, vivem como se fossem ressuscitadas.  Crêem que, amando mais a vida, se afastarão mais da morte e resistirão às hostilidades do mundo presente. E, no entanto, continuam vivendo na mesma casa, no mesmo trabalho, fazendo as mesmas coisas... , mas seu olhar audacioso desperta as consciências, sacode as velhas estruturas, derruba os muros da exclusão.

A Ressurreição não só “dá o que pensar”, mas sobretudo, “dá o que fazer”. 

O encontro com o Ressuscitado é fonte de vida e vida em crescente amplitude. Quando nos dispomos a caminhar com Ele, sob a ação do Espírito, realiza-se em nós um processo de abertura e de superação, de crescimento e de reconstrução de nós mesmos...; tomamos consciência de uma dimensão profunda de nosso interior, que nos permite experimentar uma outra vida, que supera tudo o que vivemos até então.

A “vida eterna”, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.

A experiência da Ressurreição nos revela que a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, é uma vida que tem tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, uma vida com tal força e tão sem limites, que nem a morte mesma terá poder sobre ela.

Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida do espírito, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas de nosso coração.

A experiência do Ressuscitado nos faz ter um “caso de amor com a vida”. Pois a vida autêntica é a vida movida, iluminada, impulsionada pelo amor.

Nem sempre sabemos viver: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”. Quando acolhemos a presença do Ressuscitado, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, com-paixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...

Com sua presença compassiva, o Ressuscitado desperta nossa vida, arrancando-a de seus limites estreitos e constituindo-a como vida expansiva em direção a novos horizontes. O Ressuscitado nos precede, nos sustenta e, na liberdade de seu amor, nos impele a ampliar nossa vida a serviço. Toda peregrinação, em clima de admiração e assombro, se revela rica em descobertas e surpresas, e desperta o coração para dimensões maiores que a rotina de cada dia. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição.

Essa nova Vida é capacidade de amar como Jesus amou; é “passar pela vida fazendo o bem”. Somos seres ressuscitados se vivemos os mesmos critérios e valores de Jesus, engajados em seu mesmo projeto. A “vivência pascal” leva a querer algo mais. É “antecipação criadora”; ela tem “rosto novo”.  É o futuro que ainda pode ser convertido em “história nova”; é vida vivida com encantamento. A “pedra pesada” da nossa impotência diante da dor, do fracasso e da morte, foi tirada pelo Mestre, que, nos chama pelo “nome” e nos desafia a viver como ressuscitados.

Nossa vida é uma experiência a acolher, uma aventura a amar e um mistério a celebrar. Rompido o túmulo, removida a pedra, resta caminhar... Deixemo-nos iluminar, levemos a Luz da Ressurreição nas nossas pobres e frá-geis mãos, iluminando os recantos do nosso cotidiano. Pois vida é um contínuo despedir-se e partir; é inútil permanecer junto ao túmulo. Porque o ausente “aqui” está presente na “Galileia”. E a Galileia é o lugar do compromisso com a vida, a justiça e a paz.

Texto bíblico:  Jo. 20,1-9 

Na oração: Para viver a partir do ser mais profundo, é preciso dedicar uma atenção especial ao próprio coração e aprender a regozijar-se da maravilhosa vida de Deus em cada um. Basta um repouso e o estar presente para fazer acalmar a agitação interior e aproximar-se da fonte da vida.
- É tempo de esvaziar sepulcros; é tempo de remover as pedras da entrada do coração que impedem a entrada da luz, da vida, do canto...? O que lhe impede afastá-las?
- Faça memória das experiências de ressurreição: nos encontros, na missão, sentimentos oceânicos de consolação, clareza diante do sentido da vida, amar e sentir-se amado(a), a vivência da bondade e do bem...

Pe. Adroaldo Palaoro sj

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CACAU EM VERSOS - Cyro de Mattos


Cacau em Versos

                                               Cyro de Mattos* 



          Filho de Francisco Benício dos Santos, conhecido como Chico Benício, pioneiro do comércio em  Itabuna, pecuarista e cacauicultor abastado, Oscar Benício dos Santos  foi um dos rebentos numa prole de dez filhos. Exerceu a profissão de dentista em Salvador e manteve ao longo do tempo fortes relações com a lavoura cacaueira,  chegando  a se tornar também  fazendeiro de cacau.
  
         A arte de versejar foi uma de suas aptidões, marcadas de compulsões criativas, embora publicasse em vida apenas o livro Cacau em Versos (2013), com ilustrações de Alceu Pólvora e prefácio de Hélio Pólvora. O livro é constituído de 63 poemas, a maioria deles no formato de soneto. Vê-se assim que sua poesia obedece à composição em verso de lastro tradicional,  o poeta em nenhum momento exerce o  poema moderno,  de versos livres.

       Usa a rima fácil, a métrica na estrofação, nem sempre com resultados perfeitos, como exige o soneto, uma forma de composição fixa, distribuída em quatorze versos, duas estrofes de quatro e duas de três. Vale notar que o soneto vem atravessando séculos, no Brasil seduziu  poetas de criatividade rara, da grandeza de Cruz e Sousa, Jorge de Lima  Vinicius de Morais,  Sosigenes Costa  e João Carlos Teixeira Gomes.

        No livro Cacau em Versos, como indica o título, a poesia tem como fonte o   cacau e sua lavra, é por excelência temática, daí ser visto nesta o poeta operar seu discurso sensitivo para externar uma realidade objetiva, quase sempre optando pelo descritivo. Não ausculta a problemática interior do indivíduo, não fere a crise do homem moderno, não toca nas feridas sociais. O drama está ausente de horas críticas, dos rumores rumo ao desconhecido, das fissuras e rupturas de caráter metafísico, decorrente da natureza humana na diversidade da vida.
   
          O sentimento que emerge de conteúdo regionalista funde-se com uma visão romântica de vida. Na estrofação   arquitetada com habilidade, o poeta expressa o real exterior que ressoa no coração.   Interessa ao poeta dizer de sua empatia com base na ciclagem vegetal de uma lavoura, em cada situação plasmar os momentos e cenas que o sensibilizaram, causaram impressões e sensações. Existem nesses cantares rurais apenas vestígios do épico, que, como se sabe, dotou a lavra cacaueira de um parto doloroso na selva inexplorada e perigosa. Nessa poesia de vias rurais vê-se que ao invés do drama com suas sombras e abismos pulsar nas veias repercute a alma lírica do poeta, que tudo recorda, anota e não esquece, como no poema “Rio Cachoeira II”.


Rio de minha distante meninice,
Navegado entre margens passageiras,
Carregando sonhos – artífice
De lendárias estrofes feiticeiras.

Rio e suas laboriosas lavadeiras,
Que atapetavam, com branca espuma,
Peraus turvos de alegres brincadeiras
Da criançada que sumia em sua bruma.

Rio das cabeças d’águas temidas,
Que arrastavam desde suas cabeceiras,
Pescadores, crianças e outras vidas,

Que eram levadas por corredeiras,
Boiando e descendo à foz perdidas
No mar, seu final destino, ó Cachoeira!

              
          Sentimentos nos quadros pintados com mãos do pintor atento, a fauna apresentada por alguns de seus habitantes, a flora com seus odores e fragrâncias, lendas e crendices estão presentes na poética singela de Cacau em Versos. 
 
          No poema “Estrelas Secam Cacau”, o poeta faz com que seu estro motivado pela lavoura do cacau mostre a sedução que o trouxe para o reino de mágicos sonhos, pontuados com encanto e fantasia.


Estrelas também secam cacau:
quando exposto em noite estrelada,
sobre a barcaça ou em tosco jirau,
seca e a semente fica dourada;

então será no tabuado pisada
- em noite de festa de alegre sarau –
na madrugada, antes da alvorada,
até que perca o amargor do cacau.

Cada estrela doura uma semente,
cada semente perfuma uma estrela!
Pra ver a amêndoa, a estrela se fez cadente

e desceu do céu só para tê-la.
E a semente, de aroma recendente,
envolveu-a pra prendê-la.


          Certa vez o escritor Euclides Neto disse-me que a literatura é como a floresta, nela todos cabem. Há árvores enormes, grandes, médias e menores. Todas elas contribuem para a formação de um corpo pujante e denso. Estudiosos acham que a força e o valor de uma poesia estão na situação de seus motivos.  Na sua poética, Oscar Benício dos Santos é diferente de seus conterrâneos, os poetas Telmo Padilha, Valdelice Soares Pinheiro e Walker Luna, que não produziram o soneto. Sua poesia, impulsionada pelo ambiente da lavra do cacau, tece o estro com os fios de sonora empatia, transposta em forma de soneto na maioria das vezes.

          Em Chico Benício e Seu Clã, retalhos de prosa biográfica, Oscar Benício dos Santos foge da tônica regionalista e apresenta alguns poemas de costumes, inspirados nas relações mantidas com os familiares.

          Entre os poemas de Cacau em Versos, destaco “Aurora no Cacaual”,  ”Crendices no Cacaual”,  “Velho Cacaueiro I”,  “Tabocas II” e “Perdido na Roça”. Deixo para a crítica e o leitor a tarefa de apreciarem a poética desse poeta de Itabuna, dizendo sobre o que o seu livro tem de vida e de seu valor como obra artística.


Referência

Oscar Benício dos Santos, Cacau em Versos, Editus, Ilhéus, Bahia, 2013.
Chico Benício e sua clã, edição particular, sem data.

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*Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.

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