Total de visualizações de página

quarta-feira, 5 de julho de 2017

CHEGA DE RATOS - Ferreira Gullar


Chega de ratos


Hoje, em vez de falar de ratos, vou falar de gatos. Pois bem, modéstia à parte, tenho duas gatas: a gata chamada Cláudia Ahimsa, musa minha e poeta autora de preciosos livros de poemas. Ela diz que não faz poemas e, sim, livros de poesia, o que é verdade. Por isso mesmo, não faz apenas o objeto livro, onde eles são editados; a capa do livro, o tema dos poemas e sua distribuição nas páginas, o formato do livro, tudo é por ela inventado. Por essa razão, não mora comigo, mesmo porque dois poetas não cabem numa mesma casa.

Já a outra gata, a que mora comigo e se chama Gatinha, é siamesa como o finado Gatinho, que me inspirou um livro de poemas engraçados, lindamente ilustrado por Ângela Lago. Essa gatinha não apenas mora comigo como dorme na minha cama. Se disser que nossa intimidade se limita a isso, estarei mentindo, pois vai muito além, uma vez que ela, todos os dias, vem para a sala onde trabalho e sobe na mesa para que eu a acarinhe.

Sobe na mesa e, como quem não quer nada, deita-se à minha frente para que eu lhe faça carinhos. Se não estou ali escrevendo ou lendo, vai à minha procura e, encontrando-me, começa a roçar-se em minhas pernas, que é o seu modo de dizer-me que está na hora de lhe fazer carinhos.

Entendo, largo o que esteja fazendo e vou sentar-me à mesa da sala, onde ela imediatamente sobe e se estende, de barriga à mostra. Ela já se habituou ao carinho que lhe faço, passando a mão em sua barriguinha de pluma.

Quando meu gatinho morreu, fiquei traumatizado e decidi não mais ter gatos em casa. Na verdade, um outro gato, fosse qual fosse, jamais o substituiria e, além do mais, me faria lembrar dele a toda hora.

Mas eis que um dia, sem saber desse meu trauma, surge aqui em casa Adriana Calcanhotto e, logo depois de entrar, abre a capa com que se cobria e me entrega sorrindo, de presente, uma gatinha siamesa. Levei um susto, mas era tal a alegria da Adriana por me trazer aquele presente que não tive coragem de lhe dizer que decidira não mais criar gatos.

Não foi, porém, só isso. Quando a gatinha me mirou nos olhos e miou, rendi-me instantaneamente e abracei Adriana, sinceramente agradecido. E mais agradecido estou agora, depois de alguns poucos anos de convívio com a companheirinha que ela me trouxe de presente.

Esta gatinha tem, porém, um comportamento peculiar: tocou a campainha da porta, esteja ela dormindo na poltrona ou brincando em cima da mesa, larga tudo e sai disparada para se esconder em algum dos quartos da casa. E se, não estando ela na sala, chegar alguém ali, ela, esteja onde estiver, lá ficará, certamente mais escondida que antes. E se esconde tal modo que, eu mesmo, se tentar localizá-la, não o conseguirei.

Se depois, tendo ido embora o intruso, dado um tempo, claro, ela reaparecerá mesmo assim desconfiada, farejando o ar para evitar qualquer surpresa. Basta dizer que a própria Adriana, quando aqui esteve e tentou revê-la, não o conseguiu.

Por que ela se espanta desse jeito, não sei. O Gatinho, ao contrário dela, era tranquilo; se chegava alguma visita, pouco ligava; quando muito, erguia a cabeça, dava uma olhada e voltava a cochilar.

Isso sem falar nos gatos de rua, que andam entre as pernas dos transeuntes, sem nada temer, nem mesmo cachorro.

Desconfio que o comportamento de minha gatinha se deve à sua origem social: ela é fruto do pet shop, ou seja, pertence a uma nova geração de bichos que o mundo moderno está produzindo.

Criada em pet shop, numa pequena gaiola, sem contato com outros animais, o bicho adquire personalidade neurótica, que o torna incapaz de conviver com os outros bichos. Mas, como é próprio dos gatos o convívio com as pessoas, a minha gatinha felizmente me aceitou como uma companhia confiável e, mais que isso, afetuosa.

Quanto à minha outra gata, a Cláudia, não diria que seja tão arredia quanto a gatita, mas não é para qualquer um que ela aparece quando lhe tocam a campainha da porta ou tentam contatá-la pelo telefone. Também, neste caso, eu constituo uma exceção. Mas nem sempre, diga-se a verdade. 

Folha de São Paulo, 17/04/2016


 ------------

Ferreira Gullar - Sétimo ocupante da cadeira nº 37 da ABL, eleito em 9 de outubro de 2014, na sucessão de Ivan Junqueira, e recebido em 5 de dezembro de 2014, pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin.

* * *

CAMPEONATO DE FUTEBOL REÚNE EMPRESAS ESTA QUINTA NA AABB

 COTEF comemora o título de 2016 na Cabana do Tempo

Abertas inscrições para o Citadino de Futebol da AABB Itabuna

Reunião 6/7 no clube define participantes


Vai ser dada a largada para a maior competição de futebol entre empresas da região. É o Campeonato Citadino de Futebol MiniCampo da AABB Itabuna, já em sua 13ª edição seguida.

Nesta quinta-feira (6) às 19h00 acontece uma reunião aberta a todos os interessados em se inscrever do torneio. Será na sede do clube no São Judas, oportunidade em que serão apresentados todos os detalhes sobre o Citadino: período de realização, dias e horários dos jogos, regulamento, premiação, arbitragem.

No ano passado houve a participação da COTEF (campeã), Thumy Gás (vice), Drogarias Velanes, Aragão Plásticos, Shopping Jequitibá, AABB-30, Oportunity Contabilidade, Claridente, Mr. Sheik, World Print, Axé da Sorte, Madeireira Mauá e Daniel San. O evento contou com ampla cobertura na imprensa e nas redes sociais, projetando a marca das instituições concorrentes.

Todos os jogos serão realizados nos campos de grama natural e sintética da AABB Itabuna, com portões abertos ao público no horário das partidas. O clube fica na Rua Espanha s/n, travessa da Av. Europa Unida no São Judas. Telefones da secretaria para informações e confirmação de presença: (73) 3211-4843 / 3211-2771 (Oi fixo).



Contatos (DDD 73) – João Xavier: 9 9138-3444 (Tim), Rodrigo Dantas Xavier: 9 8853-4607 (Oi) e Marcos Lima: 9 9152-6360 (Tim)
Assessoria de Imprensa – Carlos Malluta: (73) 9 8877-7701 (Oi) / 9 9133-4523 (Tim)

* * *


A MORTE DE UMA EXCELÊNCIA – Ricardo Cruz

A morte de uma Excelência


            - Então, seu Arcanjo, como vai nosso timão? – perguntava-lhe o prefeito, mal acabando de sentar-se na cadeira mais solene da barbearia.

            - Aí, excelência, como o senhor mesmo está vendo...

            - Pois é, agora botaram uma bicha como técnico, onde já se viu sem-vergonhice igual? Depois soube que vão vender o Santinho pro Fluminense de Feira. Tem lá precisão, seu Arcanjo, hein, me diga?

            - Tem não, excelência, nenhuma, uma terra rica como a nossa... Mas o técnico, eu soube que o homem é cronista, colunista social, ou coisa parecida...

            - O que pra mim vem dar no mesmo, seu Arcanjo. Homem que anda metidinho em festinhas a bajular madames, é tipo com serventia para dirigir time de homem? Pra mim é bicha mesmo!

            - Concordo com Vossa Excelência. No meu pouco conhecer, sei logo quem tem razão... E Vossa Excelência...
            - E o time é bom, seu Arcanjo, muito bom, isto é o pior de tudo. Temos o melhor goleiro da Bahia, nosso ponta esquerda fez a melhor figura no campeonato, ou não fez?

            - Tá muito sem moral, senhor prefeito, sem moral, com esse técnico, o senhor mesmo sabe... Todo mundo aí descontente, e logo o futebol, Excelência, o futebol, a alegria do povo!

          - É isso aí, seu Juvenal alegria do povo! Povo precisa de alegria, de confiança. Com alegria e confiança, tudo fica fácil de conquistar, só assim sei fazer política. Não sou homem de viver tramando nem conspirando nos gabinetes!

            - Muito bem!...

            - Pena que a diretoria do time pertença à oposição. O Itabuna, seu Juvenal, se essa diretoria estivesse comigo, no duro não ia ter técnico bicha, não. Mandava buscar o Zagalo, ou o Cláudio Coutinho. Aí sim, queria ver... Queria ver jamais perder eleição. Jamais perdi, não é? Ia mais longe, seu Arcanjo! Ia não, vou! Ainda chego lá, a oposição vai ter muito que quebrar a cara comigo. Chego a Senador da República, seu Arcanjo, a Senador!

          - Apoiado!

            Juvenal escutava-o, orgulhoso da sua condição de confidente e barbeiro particular do senhor prefeito. Já o era, antes que o homem enveredasse pela política, o que aconteceu numa dessas reviravoltas que a vida dá, costumava dizer, mudando o destino das pessoas, porque depois que enveredou e teve sucesso, prefeito por duas vezes, eleito pelo voto popular, maciçamente, mostrou que não era homem de abandonar amigos, trocar de companheiros, em tempo algum deixando de solicitá-lo, a ele, humilde barbeiro, como profissional e confidente. Quando estava muito atarefado e não podia ir à barbearia, distribuindo acenos, abraços e apertos de mão pelo percurso, mandava buscar o barbeiro que o atendia lá mesmo, no gabinete. Nestas ocasiões carregava numa maleta o instrumental encomendado em Salvador, novíssimos e afiados instrumentos, só para uso de sua excelência e, excepcionalmente, das cabeleiras mais ilustres da cidade. Considerava-se um privilegiado quando dispunha de todo um tempo das atenções do senhor prefeito (por longos momentos a tesoura cessando sem  tac-tac, suspensa no ar, o pente fino de chifre à espera do compasso da tesoura, erguidos ambos erguidos ambos nas pontas dos dedos, como um maestro diante da sua orquestra, logo recomeçando o tac-traquear elegante e caprichoso em torno daquela cabeleira).

            Em outros momentos, como durante a última campanha eleitoral, era impossível atende-lo na barbearia, mas ele fazia questão de ser atendido lá mesmo, então Juvenal não gozava de privacidade alguma, o povo invadia o salão da barbearia, todo mundo querendo falar ao mesmo tempo; pedidos, declarações, convites, queixas, converseiro, mexericos, abraços e apertos de mão, um inferno. No fundo ele gostava, aumentara a sua popularidade, até aproveitava para distribuir uns cartõezinhos. Lá fora, o povo amontoando-se nas calçadas, mais movimentado que um dia de feira, o couro comia, um carnaval:

            “Pisa na fulô, oi pisa na fulô,
            Pisa na fulô que o Alcantra já ganhou!”

            E o homem não perdia vez de contentar o povaréu humilde, com umas artimanhas súbitas, umas tiradas inspiradas, empinava-se na cadeira, sem ligar pra barba ou cabelo, corte por terminar, ou ia até a ponta da calçada, para dar seu brado de guerra:

            “Povo vencedor, sabe o que quer,
            essa ganhamos de colher!
            Vai ser de colher, vamos ganhar,
            é só apostar, quem quiser!”

            Não precisava identificar rostos, aquele povo era essa mesma gente triste agora, e, acompanhando-o, também caminhava triste, subindo a ladeira do cemitério. Assustou-se com aquelas vivas inesperadas, mas logo compreendeu a razão. Podia ver, na ampla varanda, o doutor Osmundo Teixeira, duas vezes candidato a prefeito, duas vezes derrotado nas urnas. Claro que não ia demonstrar alegria naquele momento, afinal a morte limpara-lhe o caminho, não iria se incompatibilizar com o povo. Havia o padre Nestor Caminha, um certo Mimia, agente funerário, estes há anos candidatavam-se, mas sem nenhuma chance, o povo poderia preferir um desses dois, ou outro qualquer, se tivesse com isso de responder alguma provocação do doutor Osmundo. Mas não parecia disposto a cometer nenhuma burrice, ao contrário, estaria até disposto a responder com um viva, também ou derramar uma lágrima... Mas por dentro, Juvenal seria capaz de apostar, estaria cantando de felicidade, agora não teria de enfrentar ninguém mais à altura do falecido, ninguém que não pudesse derrotar nas próximas eleições.

            - Com todo respeito, vai ser muito difícil, doutor Osmundo,  seu Alcântara perder pro senhor. Ele mesmo disse que ganha, de colher. No meu pouco entender, ele sabe convencer o povo, doutor.

            - Ora, o povo, Juvenal, o povo só quer saber de futebol e carnaval! Respondia-lhe doutor Osmundo, que andara arriscando umas chegadas até a barbearia, naquele fingimento de querer cortar cabelo com ele, quando todos sabiam muito bem que era cliente antigo do seu Álvaro do Salão Universal. Vinha ali bisbilhotar, esperando aproveitar-se da humildade dele, fazer intriga, colher indiscrições, que não cometeria. “Tou acordado, para esse doutor”, pensava, muitas vezes.

            - Viu só o que ele fez, o seu prefeito, a última dele? Qual o benefício para uma comunidade mandar pintar os postes de concreto da cidade. Hein, seu Juvenal? Me diga se com essa não perdeu até mesmo seu voto? A Bahia inteira deve estar rindo dessa maluquice, pintar postes, onde já se viu?

            Depois ia contar tudo a sua excelência, que o escutava em silêncio, comovido com a fidelidade demonstrada.

            - Anda espalhando que as tintas foram de um estoque encalhado da firma do seu Juca, que sua excelência comprou porque devia ao homem o apoio dele nas eleições. Vai provar que foram compradas pelo dobro do preço, ainda por cima, excelência, ele mesmo me disse!

            Então o prefeito gargalhava, uma gargalhada estrondosa, chegando a engasgar e o peito ficava cheio de ruídos, Juvenal ficava meio arrependido e com medo do homem estourar, ali mesmo, na sua cadeira, tão vermelho se tornava. Agora o acompanhava pela derradeira vez: “e que morte tão estúpida, essa!...”

(ROTEIRO PARA UMA TEMPESTADE)
Ricardo Cruz
Da Antologia ITABUNA, CHÃO DE MINHAS RAÍZES
Seleção, Prefácio e Notas de Cyro de Mattos

--------
RICARDO CRUZ – Nasceu em Salvador, a 26 de janeiro de 1941, mas viveu com a família em Itabuna até os dezenove anos, mantendo até hoje fortes laços com a região que habita a sua infância e adolescência. Diplomado em medicina pela Universidade Federal da Bahia. Fez parte da “Geração Revista da Bahia”, ao lado de Marcos Santarrita, Cyro de Mattos, Oleone Coelho Fontes, Ildásio Tavares e outros. Participa das antologias “Doze Contistas da Bahia”, “4 Histórias do Mercado Modelo”, “Moderno Conto da Região do Cacau” e “Novos Contos da Região Cacaueira”. Seu conto “O Réprobo” foi incluído na coletânea “K Iúgu of Rio Grande”, de narradores latino-americanos, em tradução de Helena Riánsova, publicada em Moscou, da qual participam, entre outros, Rosário Castellanos, René Marques, Julio Cortázar e Cyro de Mattos.
Em “Roteiro para Uma Tempestade”, contos, 1985, Ricardo Cruz, com um estilo envolvente não esconde a sua intenção de ser testemunha desta vasto mural que é o mundo. É um ficcionista social, político no melhor sentido, picaresco, fantástico e surrealista. Alguns de seus contos nesse livro acontecem no sul da Bahia, “O Dia em que o praça Ribeiro Deteve o Avanço Alemão sobre a Ponte do Rio Cachoeira”, “A Ressurreição de Uma Excelência” e “A Gaiola Indomada”.
A narrativa desenvolta demonstra que a temática da civilização cacaueira na Bahia, em seus aspectos urbanos e rurais, tem um novo ficcionista, com a sua feição própria e seu ritmo. “Benditos Perversos”, contos, 1989, em que o ficcionismo agora erótico surge das relações cúmplices no cotidiano da existência, trazem essas marcas dramáticas e trágicas, que só um autor talentoso na sua escritura legítima pode conseguir.
(Cyro de Mattos) 



* * *