Murmúrios da Tarde
Castro Alves
Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela.
Garret
Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.
Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicírculo d’ouro,
Do céu azul na profundeza escura.
Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho – suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.
Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
“Sol – não me deixes”, diz a vaga extensa,
”Aura – não fujas”, diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!
“Leva-me! Leva-me em teu seio amigo”
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
“Rola que foges”, diz o ninho antigo,
“Leva-me ainda para um novo galho...”
“Leva-me! Leva-me em teu seio amigo.”
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
“Inda um calor, antes que chegue o frio...”
E mais o musgo se conchega à penha
E mais às penha se conchega o rio...
“Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!”
E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! Como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! Como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.
Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! Que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto!...
E eu que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
“Colhe-me, ó virgem, - não terei mais dores,"
“Guarda-me, ó bela, no teu seio quente...”
E eu escutava o conversar das flores,
“Leva-me! Leva-me, ó gentil Maria!”
Também então eu murmurei cismando...
“Minh’alma é rosa, que a geada esfria...
“Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
“Leva-me! Leva-me, ó gentil Maria!...”
Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1869
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Antônio de Castro Alves nasceu na comarca de Cachoeira, Estado da Bahia, a 14 de abril de 1847, sendo filho do médico Antônio Alves e de sua mulher, D. Clélia Brasília da Silva Castro. Faleceu na cidade do Salvador a 6 de julho de 1871. Na expressão de Afrânio Peixoto Castro Alves “Pôs suas ideias à frente do seu sentimento e, num tempo em que a miséria da escravidão não comovia ninguém, despertou com os seus poemas arrebatadores, piedosos ou indignados, a sensibilidade humana e patriótica da geração que, vinte anos mais tarde, viria a conseguir a liberdade. Por isso lhe deram o nome invejável de Poeta dos Escravos. Das alturas do seu gênio compreendera que não há grande homem sem uma grande causa social a que tenha servido, e não aspirava a outra glorificação que a dessa obra realizada. A morte, depois, não importaria...
De tumba da infâmia erguer um povo
Fazer de um verme – um rei.
Depois morrer... que a vida está completa
- Rei ou tribuno. César ou poeta,
Que mais quereis, depois?
Basta escutar do fundo lá da cova
Dançar em vossa lousa a raça nova
Libertada por vós...”
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