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quinta-feira, 1 de junho de 2017

ADEUS, EDUARDO - Marco Lucchesi

Adeus, Eduardo


Não direi de minha amizade por Eduardo Portella. Não encontro forças, abalado pela sua partida. Direi apenas do crítico, do pensador, que vivo permanece, como um dos maiores poetas do ensaio em língua portuguesa.

Eduardo Portella poderia figurar nas páginas de Walter Benjamin como um anjo em meio às ruínas, levado pelos ventos da História, quando começa a reunir as partes de um todo disperso. Poderia flanar igualmente nos versos de Baudelaire no limes de uma cidade infinita, um Wanderer na espessura da superfície. Portella fez de sua condição peregrina uma autêntica forma mentis, congenial ao tempo que nos desafia, para lidar com a astúcia da incerteza, na genealogia do fragmento. Sua leitura passa de um regime vertical para um trâmite radial, como um saber que se move a contrapelo das formas transitivas. Não aceita horizonte prévio, como a euclidiana geometria de Kant, mas segue uma perene reinvenção dos sistemas, como queria Sloterdijk, cuja trilogia mais de uma vez discutimos, à sombra das estantes da Biblioteca Nacional, levando à cena o jogo da Parte e do Todo, dramatis personae do repertório ocidental.

Portella desistiu de escrever uma história de para exorcizar uma rima conceitual que considerou perigosa, de um todo totalitário, mais inclinado, muito embora, a um todo totalizável, no corte do fragmento, como Wittgenstein, para atingir uma história em. Portella optou por um percurso intensivo mais que extensivo, denso, rarefeito. A qualidade do pensamento não se mede por léguas de sesmaria ou latifúndio, sua métrica não se quantifica por testadas, mas de acordo com a potência qualitativa de expansão conceitual, no conteúdo crescente de Popper, ou na leitura de Heidegger sobre Hölderlin.

Eduardo Portella sente a demanda do sistema que elabora em horizonte fértil. Como quem parte de uma norma fractal. Como quem reclama a vastidão da parte sobre o todo, assim como da síntese sob suspeita, como desejo de futuro, sem veleidades sintáticas, alquimista que não se limita à busca da pedra, uma enciclopédia que indaga as malhas de um verbete inacabado, onde lateja uma sinergia multidirecional.

Nesse drama da parte com o todo, movem-se as máquinas do ensaio de Portella, que coincide com o círculo hermenêutico, sem um deus ex machina. Sob a estética do risco, o ensaio patrocina uma fratura, um elemento descontínuo. Portella não admite as tautologias, os determinismos sublimados e escondidos. Imerso nos desafios da “baixa modernidade”, Portella optou nos últimos anos pela dissonância, distanciando-se da síntese hegeliana, acolhendo a paralaxe de Žižek. Falamos do céu astronômico, de quanto meu corajoso telescópio captura nas noites de Itacoatiara.

A partir daí o sentido e a regra, a demanda e o percurso, o fluxo e a permanência operam, cada qual a seu modo, como instrumentos de abordagem do real. Portella segue um processo livre e vigoroso, ao mesmo tempo ficcionista e poeta, elemento-chave de sua obra esse hibridismo, como quem flutua, com Claudio Magris, sobre um Danúbio de conceitos convergentes da política e da poética, que se nutre de uma terceira margem. Portella é um nômade do pensamento sem endereço fixo para não se aprisionar dentro de uma província. É inquilino da complexidade de Morin e do pensamento fractal de Mandelbrot, contradança da parte com o todo.

Nos últimos anos, o baricentro de Eduardo Portella migrou da crítica para a metacrítica e a novos pontos de fuga. Suas páginas se tornaram espantosamente híbridas e abertas, como um hermeneuta da suspeita, de quem realiza uma biografia indireta, a partir de sua intensa noosfera. Uma memória futura, bem entendido, atravessada por um tempo que não fecha.

Jornal de Letras (Lisboa), 26/05/2017


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Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha.

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“CHEGA DE IGUALDADE! MULHER NÃO DÁ PARA SOLDADO!” – DIZ CAPITÃ DOS MARINES



“Chega disso! Nós não fomos criados todos iguais”

“Chega de igualdade! Mulher não dá para soldado!” – diz capitã dos Marines
 24 May 2017 


“Mulher nunca deveria ser soldado de infantaria”, escreveu a capitã dos Marines Katie Petrônio na revista “Marine Corps Gazette”, segundo informou a agência LifeSiteNews.

No artigo intitulado “Chega disso! Nós não fomos criados todos iguais”, a capitã defende que a anatomia feminina não é capaz de resistir às asperezas de uma longa carreira militar que envolve operações de infantaria.

Ela adverte que os Fuzileiros Navais (Marines) vão sofrer “um aumento colossal no número de mulheres incapacitadas e obrigadas a concluir sua carreira por causas médicas”.

Katie Petronio se baseia na experiência pessoal, adquirida em situação de combate. Esta acabou lhe causando sérios danos físicos, malgrado um promissor começo na elite da oficialidade da arma.

A capitã escreveu que “preenchia todas as condições” para ser uma mulher-soldado ideal quando começou a carreira.
“Eu era uma estrela no hóquei sobre gelo no Bowdoin College, pequena escola de elite em Maine, com um título em Direito e Administração”.

“Cinco anos depois, eu não sou a mulher que uma vez fui”

Ela também tirou resultados “de longe acima da média em todos os testes físicos de capacidade para mulheres”, embora não completasse todo o treino prévio.
“Cinco anos depois, eu não sou fisicamente a mulher que uma vez fui, e meus pontos de vista a respeito de a mulher ser bem sucedida numa carreira duradoura na infantaria mudaram muito”, escreveu Petronio.

“Eu posso dizer, com base na minha experiência pessoal direta no Iraque e no Afeganistão, e não é apenas uma impressão, que nós ainda não começamos a analisar e a compreender as questões específicas de saúde do gênero e os danos físicos nas mulheres por causa de contínuas operações de combate”.

Corpo da mulher não aguenta o esforço que homem pode fazer

Petronio “participou em numerosas operações de combate” que por vezes duravam semanas, sofrendo stress e falta de sono.

Suas pernas começaram a se atrofiar, perdeu a mobilidade, perdeu peso, parou de produzir estrógeno e desenvolveu uma síndrome no ovário que a deixou estéril.

Ela completou seu período com bons resultados, mas percebeu que lhe seria impossível aguentar o esforço que um homem é capaz de fazer e pediu para se retirar por motivos de saúde.

Petronio manifestou sua preocupação diante da pressão dos grupos que impulsionam a integração de mulheres no corpo de infantaria.
Dinamitando árvore, foto de Katie Petronio

“Quem está promovendo essa agenda? Eu pessoalmente não vejo Marines femininas, recrutas ou oficiais, batendo às portas do Congresso, queixando-se de que sua impotência para servir na infantaria viola o direito à igualdade” escreve ela.

Kate diz que essa pressão está sendo aplicada pelo “pequeno comitê de civis nomeado pelo Secretário de Defesa” denominado Comitê Consultivo em Defesa para as Mulheres em Serviço (Defense Advisory Committee on Women in the Service – DACOWITS).

Embora alguns deles tenham experiência militar, nenhum de seus membros “estão no serviço ativo ou têm qualquer tipo de experiência recente em combate ou em operações relevantes sobre as realidades que eles estão tentando modificar”, observou Petronio.


Luís Dufaur
Escritor, jornalista, conferencista de política internacional,
sócio do IPCO, webmaster de diversos blogs

NA ESCOLA - Francisco Benício dos Santos


Na escola


            Ao completar o meu quarto aniversário, morando com minha madrinha Olímpia, fui mandado à escola do professor João da Matta, em Cristina, onde nada aprendi, nem as letras do alfabeto.

            Passava o tempo todo na aula de boca aberta chupando o dedo, despreocupado e indiferente ao ABC, cuja carta, um suplício para mim, vivia amarrotada entre as minhas mãos sujas e suadas.

            Deixavam-me crescer os cabelos e sobre eles, davam um laço de fita adornando-os. Isto me valeu a alcunha de “Chico Muié”, com a qual eu ficava furioso.

            Um dia, estava na escola sentado no banco de lado da parede, de costas para a rua, com a boca aberta, como de costume, e com a terrível carta de ABC machucada entre os dedos das mãos suadas, quando uma mosca vadia e malandra, sem mais cerimônia, encontrando-a escancarada, embarafustou por ela adentro, e lá se foi ao estômago. Vomitei a valer.

            O professor mandou-me, por um dos colegas, à casa, onde recebi tremenda vaia, e me crismaram com um novo apelido: “boca aberta”.

            Prometi a mim mesmo corrigir-me. Nessa escola nada aprendi, e dela guardo breves recordações, apenas traços da minha passagem.

            Com a minha saída da escola do professor Matta, mandaram-me para o professor Juvenal José de Souza, onde já estavam os irmãos Pio e Manoel, como alunos internos.

            Nessa fase da minha vida, minha avó Justina tinha se mudado de Chapada e morava no caminho, no Engenho D’água, em casa feita para ela especialmente, por meu pai. Olímpia, porém, residia com minha família.

            Na escola do professor Juvenal  também fiz muito pouco progresso. Era péssimo estudante, e, quando recriminavam a minha moleza e falta de inteligência, Olímpia tomava a minha defesa dizendo:

            - Os sentenciados são os que Deus favorece.

            O futuro ia confirmar a profecia do refrão.

            Nessa escola, deu-se um fato que provocou reprovações: num dia de aulas, o professor exasperou-se com Pio, e batendo-lhe com a palmatória nas mãos, também o fez nas nádegas, dando lugar ao protesto imediato de Manoel, que se achava presente, e já era rapaz.

            Meu pai soube do ocorrido, ficou furioso e se não fosse a intervenção de pessoas amigas e prestigiosas, o casa teria degenerado em sério conflito.

            Saímos os três da escola e fomos para a de dona Amância Francisca da Paixão, Manoel, Pio e eu, porque era muito pequeno, fui para a escola de dona Adelina Freire de Melo.

            Ali passei dois anos sem fazer nenhum progresso, a professora, muito carola, passava a maioria do tempo em rezas e na igreja. Todos os dias,  ia com os alunos internos à missa da manhã.

            Frequentando missa, cheguei a aprender trechos inteiros do latim.

            Era vigário o meu padrinho, Antonio Marcelino de Souza Leal, velhinho muito simpático e limpo, acumulava funções de pároco e de delegado escolar, instrutor  das crianças da escola, que lhe tinham um respeito real.

            Era aluno interno desse colégio, quando se deu a revolução do coronel Valadão, que assumindo o governo de Sergipe, derrubou a facção política do padre  Olímpio de Campos, chefe supremo da política sergipana, que gozava, em Vila Cristina, de real e indiscutível prestígio.

            Meu pai era seu correligionário e, com ele, a maioria dos senhores de engenho, inclusive, o célebre caudilho “Guinô da Furada”, em cujos limites soldados não penetravam sem a sua prévia licença.

            O major Ernesto, pai do meu amigo Zacarias, era o chefe político de Itabaianinha, cabeça da comarca, da qual dependia Cristina.

            O Valadão, coronel do Exército, para lá mandou cem praças, a fim de, pelo terror, manter a sua própria política, e liquidar a do Padre Olímpio.

            O principal visado era o major Ernesto, chefe político e irmão do padre, que se viu na contingência de fugir à perseguição da tropa, exilando-se em Vila Cristina, sob a proteção de Guinô, seu amigo político e com real influência na política da Bahia.

            Data dessa época o meu conhecimento com o amigo Zacarias Freire, por se haver hospedado na casa do professor Adelino Freire, de quem a mãe de Zacarias era parente, o major Ernesto com toda a família.

            Serenados os ânimos, volta para Itabaianinha, deixando três filhos internos no colégio.

            Daí saí, coma volta da minha avó Justina e de Olímpia, para Cristina, onde retomaram a sua casa.

            Passei, como aluno externo, para a escola de dona Amância, de onde já se haviam retirado, prontos e aptos das primeiras letras, Pio e Manoel.

            Pio empregou-se em Alagoinhas, onde foi residir, e Manoel foi cursar as aulas do seminário em Salvador.

            As esperanças de meu a vô paterno, que o criara, cresceram, e, de novo queria ter o segundo padre na família.

            Neste colégio, afamado merecidamente, a professora dona Amância dedicava-se, de corpo e alma, à educação dos seus alunos. A fama já tinha transposto os limites do estado, tendo vindo da Bahia, inúmeros meninos ali cursar aulas.

            Fiz muito e rápido progresso nesse colégio, a ponto de ser considerado um dos melhores dos seus alunos.

            Todavia, de vez em quando, fazia má criação.

            De uma feita não sei por que fui castigado e preso, e, iludindo a vigilância, fugi.

            De outra, (o país estava autorizando os comerciantes a emitirem “ficha”, espécie de vale, moeda papel particular, nos valores de cem, duzentos, trezentos e quinhentos réis, as quais eram resgatadas, em moeda, a quem as apresentasse), achei no barracão da feira, uma delas de trezentos réis, emissão de Joaquim Amâncio, Monte Alegre. Foi uma alegria. Embrulhei-a num papel atado com linha, e escrevi, por fora do invólucro, o valor do conteúdo. Encerrei-a numa caixa de presente vazia, que também foi embrulhada com o mesmo cuidado e precaução, e, como se fosse um relógio, prendi-a numa corrente de barbante, amarrando-a na casa do botão do casaco, depositando-a no bolso de cima.

            Esses cuidados despertaram a atenção dos colegas de classe, avisados ainda pela notícia que lhes dera do meu tesouro (o dinheiro nosso era vinte e quarenta réis, no máximo). Trezentos réis equivale, hoje, a cinquenta contos.

            Os colegas ficaram lívidos e invejosos, era dinheiro demais e sorte imensa.

            Precisando ir fazer necessidades fisiológicas, tomei a “pedra-licença” e, com receio de perder o tesouro, ocultamente guardei-o no baú de flandres, onde trazia os livros escolares, e, por baixo deles, escondi,  com mil precauções, a caixa com os trezentos réis.

            De volta, com o coração a sair-me pela boca, fui desenterrar o tesouro.

            Oh! Céus! Lá não estava!

            Um suor frio percorreu-me o corpo, a vista escureceu-se-me.

            Ao recobrar os sentidos, lancei a vista e descobri o ladrão.

            Fui-lhe às goelas e, aos murros na luta em que me empenhava, caímos sobre o banco, fazendo um barulho enorme.

            A professora interveio escandalizada.

            Fomos chamados ao inquérito e o resultado foi que tomamos bolos e ambos ficamos presos. Eu, por que fui insubordinado, e ele por que foi gatuno.

            De outra vez, levei à escola os bolsos cheio de pipoca, e ao distribuí-la com a classe inteira, daí a pouco, só se ouvia o matraquear dos dentes no milho.

            Toda a classe foi castigada, e eu preso.

            Em dois anos de estágio neste magnífico colégio, verdadeira academia de bom proceder, aprendi o que sei, que nada é, e, ao término, a mestra disse ao meu pai:

            - O Chiquinho está prontinho para ingressar na vida prática, ou para ir cursar escola mais adiantada...


(MEMÓRIAS DE CHICO BENÍCIO)

Francisco Benício dos Santos

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