Total de visualizações de página

segunda-feira, 24 de abril de 2017

DIÁRIO DE VIAGEM – Francisco Benício dos Santos (3)


BORDO DO PEDRO II
3º DIA

O sol batendo em cheio sobre a vidraça da minha cabine dá-me o bom dia:
- Levanta-te preguiçoso.
Lembrei-me de meu pai.
Saudades... sempre as saudades apertando-me o coração, estrangulando-me a alma.
Passamos frente a Vitória.
A costa Sul ostenta-se eriçada de picos azuis, como se misteriosa fada a tivesse bordado à renda.
Belo, muito belo! Maravilhoso espetáculo.
Aviões passam velozes sobre o navio, como se fossem gigantescos albatrozes...
Atrás... ficaram as raias da Bahia.
Radiógrafo:
“Castro para Cel. Márcio”.
Saudades, lembranças, abraços. Isauro.
Dra. Nísia – Embaixada /acadêmica – Bordo Bagé – Viagem América.
Saudades muitas saudades abraços. Isauro.
O sol lançando labaredas de fogo brune a superfície marinha de tonalidades viláceas.
E os picos azulinos eretos para o céu de turquesa límpido, puríssimo, sem uma nuvem que lhe empane a beleza e a poesia.
O farol de São Mateus salta ainda lampejos fracos por entre a névoa da mataria costeira.
Os picos vão se sucedendo, eriçados e pontiagudos com a característica das costas sulinas.
Volto ao tombadilho e leio:
“Viagem pelo Pacífico” e vou ficando acamaradado com as cidades e particularidades desta região.
As moças:
- Francamente, estamos intrigadas com o senhor e com o seu mutismo.
- Não dança, não joga, não conversa. Precisamos traze-lo ao nosso convívio.
- Certamente que o farei com prazer e muito gosto, mas, é que me falecem os requisitos exigidos para uma convivência tão gentil e cativante; não danço, não jogo, não canto...
- Haveremos de ensinar-lhe tudo isto  e algo mais importante.
- Terei imenso prazer e serei discípulo atento.
Por enquanto leio apenas, depois, depois...
Desce a noite.
A lua surge do mar, redonda, vermelha, lançando sobre o negror das águas atlânticas réstias prateadas de uma luz macia e baça.
Ao sul, o cruzeiro estende os braços e piscam e piscam...
A via láctea ponteia o céu de focos de luz e, como uma esteira de prata, branqueia os espaços sidéreos.
Vênus e Marte surgem irmanadas, emparelhadas, ofuscadas e trêmulas com a claridade da lua que vai tomando conta do céu, escorraçando todos os planetas, constelações e estrelas, ficando solitária, iluminando a Terra, a sua companheira de jornada pelo infinito.
Um vento frio e gostoso passa sibilante e mansinho, fazendo correr um frescor agradável pelo corpo.
O jazz está na sala estrangulando o espaço e perturbando a quietude da natureza com a brutalidade de sua música canalha.
Bandos de corpos enlaçados passam bamboleando aos remelexos do samba e aos rufos do pandeiro malandro.
Bebedores e jogadores de pôquer estragam o organismo e as bolsas bebendo, jogando.
Eu cismo: admiro a beleza do céu e a inconstância do mar e o brilho da via láctea que como um pálio aberto cintila.

(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII)
 Francisco Benício dos Santos.

* * *

INSTIGANTE E REVELADOR SURGE "DECIFRA-ME... OU DEVORO-TE" DA AUTORA GUADALUPE NAVARRO



LILI

Entrevista com a autora Guadalupe Navarro


Guadalupe Navarro nasceu em Lima, Peru. Durante a infância, mudou-se, com os pais e os irmãos, para Londres, Inglaterra. E, numa fase posterior, para o Rio de Janeiro, Brasil, onde reside actualmente. É Bacharel em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea.

Devoradora de livros desde criança, interessa-se por temas relacionados com Direitos Humanos, refugiados e protecção de animais. Poetisa, cronista e contista, publicou os seus primeiros poemas em 2014 e estreou-se na prosa em 2016, com a sátira “A Estátua de Sal”, na antologia lusófona “A Bíblia dos Pecadores”, da Colecção Sui Generis. Os seus textos (prosa e poesia) estão espalhados em três dezenas de obras colectivas, portuguesas e brasileiras. Em 2015, lançou “Poemas da Alma”, o seu primeiro livro de poesia. “Decifra-me... ou Devoro-te!” é o segundo livro de sua autoria; reúne crónicas e contos incluídos em diversas antologias e foi publicado recentemente, em março, com o selo Sui Generis, em Portugal e no Brasil.

“O livro contém doze textos que escrevi desde agosto de 2015 até outubro do ano passado. São contos e crônicas. Humor e drama. Mas o mais importante é que cada personagem não é o que aparenta ser.”

Boa leitura!


Escritora Guadalupe Navarro, é um prazer contarmos com a sua participação na Revista Divulga Escritor. Conte-nos em que momento se sentiu preparada para publicar o seu livro “Decifra-me... ou Devoro-te!”.

Guadalupe Navarro - Bem, antes de mais nada, gostaria de agradecer a oportunidade de falar sobre o meu livro. A ideia de juntar todos os meus textos publicados ou selecionados para posterior publicação foi de Isidro Sousa, o editor responsável pela Edições Sui Generis. Inicialmente relutei, pois sou muito crítica em relação ao que escrevo. Mas, à medida que as pessoas diziam que gostavam do que eu escrevia, senti-me segura e decidi publicá-lo.

Como foi a escolha do título para a obra?
Guadalupe Navarro - Não foi fácil escolhê-lo. Eu queria algo que tivesse alguma relação com aquilo que está em cada parágrafo, em cada linha, em cada frase das histórias que estão no livro. E quem o ler entenderá a razão desse título.

Por gentileza,  apresente-nos “Decifra-me... ou Devoro-te!”.
Guadalupe Navarro -O livro contém doze textos que escrevi desde agosto de 2015 até outubro do ano passado. São contos e crônicas. Humor e drama. Mas o mais importante é que cada personagem não é o que aparenta ser. Uma das minhas personagens favoritas é uma mulher aparentemente amalucada, muito sensual; ela envolve-se com um homem que revela-se uma fraude, quero dizer, que não tem o compartimento nem a atitude de alguém de sua posição. Também posso dizer que as protagonistas, em parte, refletem mulheres que representam de várias formas o melhor que uma pessoa tem. Com exceção de uma, que é vigarista, mas que acaba revertendo uma situação adversa. Enfim, são histórias que à primeira vista podem parecer simples e corriqueiras, mas são muito mais complexas.

Qual é a mensagem que deseja transmitir aos leitores por meio dos doze textos apresentados no livro?
Guadalupe Navarro - Mensagem? Talvez que não se pode ter ideias preconcebidas sobre coisa alguma. As pessoas tendem a rotular tudo, a categorizar tudo. Se há um traço marcante em meu livro é que as personagens e os enredos vão contra todos os comportamentos pré-estabelecidos. Uma outra personagem, por exemplo, é um rapaz bonito, bem-sucedido, um tipo que não despertaria qualquer suspeita. Mas que carrega consigo um segredo. Algo sórdido. Que surpreende e até choca.

Se pudesse resumir o livro em duas palavras, quais seriam?
Guadalupe Navarro - Difícil, mas acho que estas duas palavras podem defini-lo: instigante e revelador.

Onde podemos comprar seu livro?
Guadalupe Navarro - Será lançado em Kindle na Amazon.com.br. A versão impressa já está à venda em Portugal, na livraria virtual da editora Euedito, que publica os livros Sui Generis (www.eudito.com/suigeneris). Aqui, no Brasil, será publicado pela Editora Garcia (editoragarcia.com.br) que o disponibilizará em várias plataformas como americanas.com.br, extra.com.br, para citar algumas. Podem também solicitá-lo à Sui Generis (letras.suigeneris@gmail.com) ou directamente comigo, através do meu e-mail (grn3006@gmail.com) ou da página no Facebook (www.facebook.com/rubionav).

Quais os seus principais objetivos como escritora?
Guadalupe Navarro - Que aquilo que escrevo seja julgado pelo seu valor literário, independentemente de qualquer outra coisa. Sou portadora de paralisia cerebral e não quero que ninguém fique constrangido ao me criticar. Não quero que ninguém sinta pena de mim. Se gostarem de meu trabalho, elogiem. Se não gostarem, critiquem.

Qual é o tipo de texto que gosta de ler?
Guadalupe Navarro - Gosto de ler tudo. Desde livros de culinária até textos filosóficos. Sou muito curiosa, gosto de saber, gosto de conhecer a origem de cada nome, palavra, lenda ou mito. Quanto a autores, os meus favoritos são Gore Vidal, Oscar Wilde e García Márquez. Mas sou apaixonada por História. E por personagens ou fatos históricos. Por isso, já li muitas biografias e livros sobre guerras ou outros acontecimentos marcantes.

O que mais a encanta na leitura deste tipo de texto?
Guadalupe Navarro - A possibilidade de conhecer, de entender mais o mundo. Por exemplo, ao ler o relato de uma sobrevivente do genocídio em Ruanda, entendi a questão das diferentes etnias e seus conflitos no contexto da colonização de África. Quando li sobre Mahatma Gandhi, pude compreender a complexidade da sociedade indiana. Ao ler uma biografia sobre Catarina, a Grande, tive a oportunidade de mergulhar a fundo na história da Rússia, que está muito ligada ao fato de como um povo pode ter sido dominado pelo totalitarismo durante tantas décadas. Enfim, pode-se aprender muito lendo biografias ou livros sobre certos personagens que viveram situações relacionadas a acontecimentos históricos.

Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Guadalupe Navarro. Agradecemos sua participação na Revista Divulga Escritor. Que mensagem você deixa aos nossos leitores?
Guadalupe Navarro - Que leiam tudo o que chegar às suas mãos. Sem nenhum preconceito. Se não gostarem, poderão criticar com argumentos. Mas nunca deixem de ler por qualquer que seja o motivo. E quero, mais uma vez, agradecer esta oportunidade de falar um pouco sobre o meu trabalho.

CONTACTOS

por Shirley M. Cavalcante (SMC)


Divulga Escritor, unindo Você ao Mundo através da Literatura

Revisão ortográfica: Josias A. de Andrade




(Recebi por e-mail)


* * *