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terça-feira, 7 de agosto de 2018

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO - Os dez mais


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(Rio de Janeiro, 1939 – os dez mais)


            A Revista Acadêmica, nascida órgão estudantil na Faculdade de Direito, transformada em magazine de cultura, ganha-pão de Murilo Miranda*, literato por analogia e parentesco,  era de periodicidade irregular, saía quando Murilo arranjava anúncios ou patrocínio, realizou em cinco ou seis números um concurso para saber quais os dez melhores romances brasileiros. Votavam apenas escritores, a relação dos votantes fora publicada na revista, cada qual compunha uma lista de dez romances de sua preferência, as listas eram divulgadas nas páginas da Acadêmica.

            A apuração final considerou os dez autores mais votados e de cada um deles o livro com maior número de sufrágios, se tivesse considerado os dez livros teriam entrado na relação dois romances de Machado, Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Se não me falha a memória os dez mais foram – não estão em ordem de votação, já não as relembro: Dom Casmurro, Iracema, de Alencar, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, O Cortiço, de Aluísio, os Corumbas, de Amando Fontes, Angústia, de Graciliano, Banguê, de Zé Lins, Caminhos Cruzados, de Érico, Macunaíma, de Mário de Andrade, Jubiabá, de minha autoria – vale lembrar que o concurso aconteceu em 1939.

            Graciliano deixou para votar na última apuração, mostrou-me sua escolha, dois fatos chamaram-me a atenção. O velho – não completara ainda cinquenta anos, por que o tratávamos de velho? – votava apenas em nove títulos, deixava um lugar vago, não lhe perguntei a razão, desconfiei que, por modéstia, falsa modéstia, não colocava na relação romance seu. Perguntei-lhe, porém, por que não votara em Os Corumbas: romance de Amando Fontes, considerado na época o máximo, recolhia quase unanimidade dos sufrágios. Graça bebeu um gole de café, puxou a fumaça do cigarro Selma, estávamos no café Mourisco, esquina da rua do Rosário com a avenida Rio Branco:

            - Esse filho da puta não votou em mim. – Passou a outro assunto, a seu ver de maior valia: - Tu pensas que daqui a vinte anos ainda haverá quem nos leia?

            O concurso foi acompanhado com interesse pelos escritores, agitou os meios literários, provocou debates na Livraria José Olympio, no consultório de Jorge de Lima, na redação de Dom Casmurro, mas ninguém contestou o resultado. Não sei tampouco de romancista que tenha cabalado  voto, se o concurso dos dez mais acontecesse hoje ia ser um deus-nos-acuda com cabo eleitoral e leilão de sufrágios. Um detalhe para que se saiba como era malvista, na época, a literatura de Oswaldo de Andrade: o rebelde paulista só obteve um voto, dado por mim a Serafim Ponte Grande, meu e único.

*Murilo Miranda, ensaísta.
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            "Desistir agora, não – disse eu a Paloma quando, machucada, ela pensou em pedir o  boné e ir embora. Estamos numa briga, vamos brigar até o fim. Depois farás o que quiseres, o que te parecer melhor. Não agora. Perdi muitas brigas em minha vida, paciência, mas não fugi de nenhuma, fui sempre até o fim."

(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado
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Jorge Amado - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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LIRISMO DO CONTISTA ALEILTON FONSECA – Cyro de Mattos


Lirismo do contista Aleilton Fonseca 
Cyro de Mattos*


            Baiano nascido em Firmino Alves (1959), município do Sul da Bahia,   criado em Ilhéus, Aleilton Fonseca reside há anos na  cidade de Salvador. Graduado em Letras pela Universidade Federal da Bahia,  fez mestrado na Universidade Federal da Paraíba e Doutorado  na Universidade de São Paulo. É professor titular Pleno da Universidade Estadual de Feira de Santana, onde leciona Literatura Brasileira. Já publicou  25 livros, entre volumes de  poesia, ensaio, conto e romance. Na galeria de suas criações figuram os romances   Nhô Guimarães (2006), O pêndulo de Euclides (2009) e o livro de ensaio O arlequim da pauliceia (2012), entre outros.   Faz parte de várias antologias do conto, poesia e ensaio, no Brasil e exterior.  Entre outras premiações, obteve o Terceiro Lugar no Prêmio da Fundação Cultural do Estado da Bahia, com Jaú dos bois e outros contos, em 1977,  e o Prêmio   Nacional Herberto Sales,  da Academia de Letras da Bahia, com O canto de Alvorada, em 2001.

            Um de seus volumes de contos,  O desterro dos mortos (2001),  apresenta doze histórias escritas revestidas de calor humano, que oferecem uma leitura prazerosa pontuada com uma linguagem simples e plena de camadas líricas no seu conteúdo  “Nhô Guimarães”, a primeira delas,   embrião do romance homônimo, conta a história  de “um homem de sobejas importâncias. Um distinto doutor, do sertão e da cidade, duas vezes lugareiro, muito conhecedor das estradas gerais.”  Fica visível que a narrativa, de apelos aos falares da gente rural no interior mineiro, retrabalhada em sua entonação cantante,   foi motivada pelo propósito de homenagear o  estupendo escritor e ficcionista Guimarães Rosa. A figura do escritor mineiro vai sendo erguida pouco a pouco com sua humanidade  no texto que flui com sabores na fala, usando para isso o contista das lembranças  e entre tantos que afloram do personagem Manu e sua mulher, amigos do homenageado. As histórias “O sorriso da estrela”, “O avô e o rio” e “Jaú dos Bois”  reaparecem em  O desterro dos mortos,  vindas do pequeno volume  Jaú dos bois e outros contos.

            Não é preciso ser íntimo das questões estéticas, crítico com  formação acadêmica, para perceber que os contos de Aleilton Fonseca possuem como singularidades a marca da simplicidade na escrita para externar a emoção,  qualidades que se aderem ao texto  infiltradas  de esperança e ternura.  Essa relação inseparável entre o discurso simples, sem experimentalismos, penetrado de afetividades,  é  posta   com sabedoria pelo contista  na escrita para que se faça a leitura da vida tocada com rapidez e visibilidade, impregnada de emoção causada pela cena.

            Na relação inseparável de que se vive e morre, sempre, aflições  e solidões são ultrapassadas,  ternuras  nos ritos de passagem  informam como as estações  amadurecem a infância,   existem noutras terras conduzidas pela morte  sob o peso do enigma. Histórias  urdidas pela chama do amor  em  adolescentes  irrompem para o voo de anjos terrenos alçados às nuvens, paixões de adultos  resvalam por entre fissuras e rupturas em suas verdades pungentes, impondo a separação amarga sem volta.
  
            Afirma-se que literatura é a matéria verbal que expõe  uma experiência de vida. Esse conceito ajusta-se aos contos de Aleilton Fonseca de maneira eficaz e sóbria.  Em O desterro dos mortos,  a  matéria verbal disposta  para dizer do imaginário configura significados colhidos  através de uma experiência colhida pelo contista no teatro da vida. Expressa    histórias que nos remetem ao real imaginado, em alguns momentos  com sensações semelhantes a que se tem nos contos tradicionais de reis,   tanto é  o encantamento  provindo do estado psicológico dos personagens,  o   surgimento da paz no final sempre bem achado,  indicativo   de uma janela que se abre para a luminosidade da vida.
  
            De outro viés, entre a dor e o amor, a paz que irá emergir de  momentos agudos  mostra como a vida é um sofrido aprendizado. O personagem depara-se com as incompreensões absurdas da morte, como é visto  nos contos “O sorriso da estrela”,  “Para sempre”  e  “O desterro dos mortos”, nas relações  passionais que  atritam e separam,   na fumaça que ativa a doce lembrança da infância,   para que  saiba quanto  a dor   é capaz de reverter   momentos contrários em  sonos serenos  sob luares de relva.

            Nota-se que o instrumental teórico de base acadêmica não interfere na luminosidade que se espraia nas criações do contista. Não força  a prosa  que  apresenta    maneiras suaves   de horizontes longínquos e próximos em seu dizer cativante.  Há um modo sempre oportuno   de  o contista dizer o drama,  uma solidariedade que dignifica o comportamento marcado  para designar os  quadros da morte, da solidão  que o tempo impõe em rigor de atitude   que  comanda.

            Vale ressaltar que uma  harmonia, a porejar sensibilidades e cargas emotivas na escrita,  decorre  de   situações vividas pelo personagem sob o choque das descobertas, relevâncias existenciais, cortes extraídos  no difícil gesto de viver. Olhares lançados pelo contista sobre  os personagens buscam  desvendar  para o mundo estados interiores, incompreensões do tangível e do que não se explica,  aclarar a situação conflituosa no drama.  E uma  conversa ao pé do ouvido que puxa o leitor para dentro do texto remete ao contista  Machado de Assis, mestre  nessa atitude de aproximar a história de  quem a lê para assim torná-la mais verossímil na sua dinâmica.
 
            O contista sabe dosar com medidas certas o necessário para que o leitor seja envolvido  com ternuras e esperanças no assunto crítico vivido pelo personagem.  Em suas  reações tristes, situações de tormento,  o personagem desterra   pensamentos quando se vê com dificuldade para entender a vida.  Certa melodia,  que acompanha a altura, a intensidade e  a dimensão dos  gestos, em perfeito equilíbrio enquanto duram,   não dá chance para que o  vulgar e a pieguice descaracterizem  a escrita conduzida com simplicidade e emoção.

            O proseado que escorre do discurso enunciado com afetividades  contagia no seu ritmo, torna  o leitor  íntimo da problemática existencial do indivíduo.  Na escrita  apoiada em medidas rítmicas harmoniosas,  os significados e significantes formam unidades cadenciadas pelos  toques poéticos da vida sob os olhares líricos do narrador. Cenas marcadas de controvérsias,  contrapontos dos conflitos  são  construídos com pausas e respirações, breves e oportunas, para evitar que o vulgar nos fluxos e refluxos circule nas zonas do coração.
 
            As histórias de Aleilton Fonseca fornecem a  sensação  de que  entram pelos ouvidos e ficam  com seriedade ritmadas dentro de nós  sob puro  lirismo. Assim são construídas  com seus tremores e amores, como  feixes acesos  de humanidades múltiplas, determinam simpatia entre o real e o sonho. Não precisam de questionamentos profundos nas razões de ser dos outros no mundo, e  porque dotadas de puro lirismo  simplesmente o coração as aceita, pulsam amores em atitudes e sentimentos.

 
Referência

FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos, contos, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2001.
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*Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta, romancista, organizador de antologia,  autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Prêmio Internacional de Literatura Maestrale Marengo d’Oro, em Gênova, Itália, com o livro “Cancioneiro do Cacau”,  para obra publicada, e “Poemas escolhidos/poesie scelte”, para obra inédita, o  Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras, com “Os Brabos”, contos,  Associação Paulista de Críticos de Arte com “O Menino Camelô”, infantil,  e o Prêmio Nacional Pen Clube do Brasil com o romance “Os Ventos Gemedores”.  Finalista do Jabuti três vezes. Um dos quatro finalistas do Prêmio Internacional da Revista Plural, México, com a novela “Coronel,  cacaueiro e travessia”. Distinguido com a Ordem do Mérito da Bahia. Pertence às Academias de Letras de Ilhéus e de Itabuna.

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