Total de visualizações de página

domingo, 6 de dezembro de 2020

GRACIAS A LA PELOTA – Carlos Diegues



Às vezes, temos necessidade de um choque radical para compreender melhor o que já estava diante de nossos olhos. Como o papel civilizatório de Diego Armando Maradona. Além do craque de bola que ele foi, a base moral de seu comportamento no mundo, Maradona foi um permanente inquisidor da alma humana. Quase diria que se sacrificou por nós, latino-americanos, devedores de tantos poderosos que sempre admiramos pelo mundo afora.

Não é que Maradona não desejasse ser conquistado, como o foi tantas vezes, como todos nós. Mas ele queria entender o mundo à sua volta e, para isso, precisava saber por que os homens poderosos amavam e eram amados pelo povo que cultivava Maradona. Nosso herói não era de esquerda, de centro ou de direita; mas se interessava pelas pessoas que professavam tais ideias. Não pelas ideias, mas pelo povo que elas conquistavam, do qual se aproximavam.

Se procurarmos na vasta coleção audiovisual em que o registramos, vamos encontrar cenas em que Maradona se declara a Fidel, de quem tinha uma tatuagem na perna esquerda, justamente a perna genial. Ou confissões de amor a dirigentes políticos como Carlos Menem, um neoliberal populista e popular, a quem ajudou a se eleger presidente da Argentina. E ainda oferecendo ao general Videla, comandante da ditadura mais sangrenta na história de seu país, o título mundial conquistado em Tóquio pela seleção juvenil.

A televisão argentina não se cansava de mostrar Maradona a cantar hinos peronistas, a defender os Kirchners, a se deixar usar pela máfia italiana quando jogava pelo Napoli, a fazer oposição contundente a Macri, a dedicar sua autobiografia ao xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, cruel ditador árabe, a quem agradecia por “brindá-lo com seu apoio”. Maradona beijava o desconhecido, como beijou o Papa Francisco na bochecha, quando o conheceu, e o atacante Caniggia na boca mesmo, quando este fez, de uma assistência sua, o gol que desclassificou o Brasil na Copa de 1990.

Segundo Tostão, grande cronista de futebol, “Maradona era o maior craque do mundo numa época em que a ciência esportiva tentava fazer do futebol um jogo essencialmente científico, programado e previsível. Ele, com seu show de habilidades, inventividade, imprevisibilidade e efeitos especiais, foi uma resistência ao futebol pragmático”. Podemos dizer a mesma coisa de sua vida pessoal. Quando ele se junta a líderes formados por diferentes ideologias, não está aderindo às ideologias dos políticos. Nunca o vimos comentar, criticar ou elogiar essas ideologias. “Não sou comunista”, disse ele uma vez. “Mas tenho orgulho de ser amigo de Fidel.”

Por meio de seus amigos, de direita, de centro ou de esquerda, por meio da Camorra ou da Igreja, Maradona se aproximou sempre de quem o povo admirava ou simplesmente amava de algum modo, por alguma razão. A única vez em que respondeu à pergunta de repórter sobre as consequências de sua morte, ele disse que queria apenas que em sua lápide estivesse escrito: “Gracias a la pelota”.

Acho que o que ele queria mesmo era entender, por meio de quem o povo amava, o povo que o fez tão grande. Ele se manifestava pela sua genialidade no futebol, o que o aproximava de todos, do “pibe” do Boca aos senhores do mundo. Mas ele queria entender o que era a Humanidade, e essa curiosidade talvez o tenha matado. Nunca entenderemos tudo o que se passa no mundo.

Maradona deixa como legado maior de sua vida e obra os dois gols que fez em 1986, no México, contra a Inglaterra, se tornando pela primeira e única vez campeão mundial de futebol. O primeiro gol, ele fez com a mão esquerda (“la mano de Dios”), falta que só o juiz encantado por ele não viu. No segundo, que consagrou a Argentina campeã do mundo, gol classificado pela Fifa como o mais bonito de todas as Copas, ele driblou o meio de campo e a defesa inteira da Inglaterra, numa inacreditável linha quase reta. É como se estivéssemos recebendo de presente as duas mensagens geniais de Maradona: o político hábil e o mito divino do futebol. O diabo e deus na terra do sol.


O Globo, 30/11/2020

 

https://www.academia.org.br/artigos/gracias-la-pelota

 

---------


Carlos Diegues
- Décimo ocupante da Cadeira 7 da ABL, eleito em 30 de agosto de 2018 na sucessão do Acadêmico Nelson Pereira dos Santos e recebido pelo Acadêmico Geraldo Carneiro em 12 de abril de 2019.

* * *

PALAVRA DA SALVAÇÃO (212)


2º Domingo do Advento – 06/12/2020


Anúncio do Evangelho (Mc 1,1-8)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Marcos.

— Glória a vós, Senhor.

Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Está escrito no livro do profeta Isaías: “Eis que envio meu mensageiro à tua frente, para preparar o teu caminho. Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!’”

Foi assim que João Batista apareceu no deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados. Toda a região da Judeia e todos os moradores de Jerusalém iam ao seu encontro. Confessavam os seus pecados e João os batizava no rio Jordão.

João se vestia com uma pele de camelo e comia gafanhotos e mel do campo. E pregava, dizendo: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. Eu vos batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo”.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

...

Ligue o vídeo abaixo, e acompanhe a reflexão do Pe. Jose V. Damasceno:


...

Nas brechas e frestas, encontramos o nosso Deus, viajante dos céus e dos corações...


Imagem: pexels.com

Neste segundo domingo do Advento (6.12.2020), duas vozes falam da vinda de Deus: Isaías e João! Vozes despertas para animar o povo peregrino: o Senhor vem com o poder da ternura, traz no peito os cordeirinhos e conduz mansamente as ovelhas-mães... Ternura de Deus, poder possível a cada ser humano. Os dois profetas usam o mesmo verbo, num eterno presente: Deus vem, viajante dos séculos e dos corações, vem como semente que se torna árvore, como fermento que faz crescer a massa, como perfume de vida para a vida. Há quem saiba ver os céus refletidos numa gota de orvalho, o profeta vê o caminho de Deus no pó dos nossos caminhos.


Deus aproxima-se no tempo e no espaço, dentro das coisas de todos os dias, à porta da sua casa, a cada nosso despertar. Mas, há muitas pessoas que já não conseguem acreditar em Deus: não porquê o rejeitem. É que não sabem que caminho seguir para encontrar-se com Ele. E, no entanto, Deus não está longe. Está presente (escondido) no interior da vida! Deus segue os nossos passos, muitas vezes errados ou desesperados, com amor respeitoso e discreto. Como perceber a sua presença?


Marcos recorda-nos o convite do profeta em meio ao deserto: «Preparai o caminho ao Senhor, endireitai as suas veredas». Onde e como abrir caminhos a Deus nas nossas vidas? Não devemos pensar em avenidas ou vias expressas por onde chegue um deus espetacular. Deus vem na contramão, lembra-nos Dom Helder! Ele se aproxima da gente procurando as frestas, as brechas, que as pessoas mantêm abertas ao verdadeiro, ao bem, ao belo, ao humano. São esses resquícios da vida que temos de acolher para abrir caminhos a Deus.


Para alguns, a vida tornou-se um labirinto. Ocupados em mil coisas, movem-se e agitam-se sem cessar, mas não sabem de onde vêm nem para onde vão. Abre-se neles uma fresta para Deus quando param para se encontrar com o melhor de si mesmos.


Há quem viva uma vida «descafeinada», plana, superficial e imediata em que a única coisa importante é estar entretida, ocupada. Só poderão vislumbrar Deus se começam a atender ao mistério que bate no fundo da vida.


Outros vivem submersos na «espuma das aparências». Só se preocupam com a sua imagem, do aparente e externo. Estarão mais perto de Deus se procurarem com simplicidade a verdade.


Quem vive fragmentado em mil pedaços pelo ruído, pela retórica, ambições ou pressa, darão passos em direção a Deus se se esforçarem por encontrar um fio condutor que humanize as suas vidas.


Muitos irão encontrar-se com Deus se souberem passar de uma atitude defensiva perante o divino para uma postura de acolhimento; do tom arrogante à oração humilde; do medo ao amor; da autocondenação ao acolhimento do Seu perdão. E todos nós daremos mais espaço para Deus nas nossas vidas se O procurarmos com um coração simples em meio aos simples e marginalizados.


No princípio, o Evangelho de Jesus! Pode-se começar de novo, mesmo quando a vida está imobilizada, pode-se partir novamente e abrir futuros. Início de uma bela notícia... daqui, só a partir de uma boa notícia se pode recomeçar a viver, a projetar, a apertar laços, e nunca partindo da amargura, dos erros, do mal que assedia. E se alguma coisa de mau ou doloroso nos aconteceu, o perdão torna-se boa notícia, que lava os recônditos mais obscuros do coração.


No princípio, uma bela notícia que é Jesus! Ele, mãos implicadas na densidade da vida, narrativa da ternura de Deus, anúncio de que é possível, para todos, viver melhor, e que a chave está no Evangelho! O bom futuro é Deus cada vez mais próximo, próximo como a respiração, próximo como o coração, perfume de vida.


O mundo está hoje mais próximo de Deus do que ontem. Como se comprova pelo crescimento da consciência mesmo em meio a ignorância, do anseio da liberdade mesmo em face de novas escravaturas, o florir do feminino frente a tanto feminicídio, o respeito mesmo em meio ao preconceito, o cuidado pelas pessoas com deficiência apesar da mentalidadede exclusão, o amor à casa comum apesar do desperdício...


A boa-bela notícia é a nossa história está grávida de futuro bom para o mundo todo, porque Deus está cada vez mais próximo, próximo como um abraço. E perfuma de vida a vida de cada um de nós. Amém.


(Pe. Paulo Roberto Rodrigues, 06.12.2020 - no segundo domingo do advento)

(adaptação de um texto de José Antônio Pagola e Ermes Ronchi)


https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2205-nas-brechas-e-frestas-encontramos-o-nosso-deus-viajante-dos-ceus-e-dos-coracoes

* * *