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quinta-feira, 25 de maio de 2017
RODRIGO JANOT: O CUSTO DE ROMPER O CÍRCULO DA CORRUPÇÃO
O custo de romper o círculo da corrupção
25/05/2017
A realidade sempre sai em desvantagem quando é confrontada
pela ilusão. A afirmação é perfeitamente compreendida por todos aqueles que,
diante de um dilema, foram compelidos a tomar decisões graves, que exigiram
ponderações e escolhas difíceis. São os "hard cases", dos quais não
há saída perfeita.
Pela natureza da nossa instituição, talhada para a
persecução penal, é evidente que, se fosse possível, jamais celebraríamos
acordos de colaboração com nenhum criminoso.
No campo plasmável da vontade, desejamos o rigor máximo para
todos os que transgridem os limites da lei penal, sem concessões. Mas,
desafortunadamente, o caminho tradicional para aplicação da lei penal tem-se
mostrado ineficaz e instrumento de impunidade.
Não é por outra razão que o acordo de colaboração foi
pragmaticamente acolhido, em grande parte dos ordenamentos jurídicos do mundo
ocidental, como exigência indispensável no combate às organizações criminosas.
O fato incontornável, porém, é que, defrontado com a
realidade e premido pelo senso de responsabilidade para com o país, apartei-me
da utopia, do personalismo e do aplauso fácil para arrostar a decisão de
celebrar o acordo com os donos do grupo empresarial J&F.
Depois da colaboração da Odebrecht, o alvo da vez é o acordo
com os proprietários do grupo J&F. Quando acreditávamos que nada mais
poderia ser desnudado em termos de corrupção, esse acordo demonstrou que três
anos de intenso trabalho não foram suficientes para intimidar um sistema
político ultrapassado e rapineiro. Autoridades em altos cargos continuavam a
corromper, e ainda se deixavam ser corrompidos, sem receios ou pudor.
Isso, no entanto, pareceu de pouca gravidade para alguns. Um
importante veículo de imprensa, em editorial, sintetizou as críticas: a) os
áudios não foram periciados; b) o acordo foi brando com os colaboradores; c) o
caso não deveria ter ido para o ministro Edson Fachin, mas sim levado à livre
distribuição no plenário do STF. Fui tachado de irresponsável.
Pois bem. Os irmãos Batista, em troca dos benefícios,
relataram o pagamento de propina a quase 2.000 autoridades do país,
apresentaram provas muito consistentes, contas no exterior, gravações de crimes
e auxiliaram na realização de ação controlada pela polícia. Tudo isso só foi
possível nos termos acordados.
É verdade que os áudios ainda não foram periciados. Nesse
ponto, é preciso esclarecer que o inquérito requerido ao STF, entre outras
tantas coisas, serve para viabilizar a realização dessa diligência. Ao
contrário do que se vem propagando, esses áudios, apesar do impacto para a
opinião pública, são apenas uma pequena parte da colaboração. Há muitas outras
provas que sustentam o acordo.
Finalmente, a última objeção é a prova de desconhecimento do
editorialista acerca do que opinava. Os crimes revelados pelos colaboradores
eram, ao menos em parte, direcionados a obstar as investigações da Lava Jato,
as quais estão sob a condução do ministro Fachin -ou seja, são fatos conexos e,
portanto, deveriam ser distribuídos a ele.
Só posso, assim, imputar à ignorância -pelo benefício da
dúvida-certas críticas arrogantes lançadas sobre a atuação do Ministério
Público Federal nesse caso. Parece-me leviandade julgar a escolha realizada sem
examinar as provas e seu alcance, desconsiderando as circunstâncias concretas e
a moldura de um sistema criminal leniente.
Os reais motivos dessas pessoas estão, na verdade, mal
dissimulados em supostas preocupações com a estabilidade, a economia e o
bem-estar do povo.
Para esses, sou enfático: não foi a nossa instituição que
corrompeu a política nacional, a vontade dos eleitores e o próprio sentido de
democracia. Ao contrário, a luta do Ministério Público tem sido perene e
constante contra as mazelas da corrupção que conspurcam o Estado de Direito,
abastardam a sociedade e roubam o futuro do país.
O fruto do esforço institucional está aí para os que têm
olhos de ver: três anos de um trabalho árduo que, contra todas as
probabilidades de nosso sistema criminal permissivo, encarcerou dezenas de
poderosos políticos e empresários e restituiu para os cofres públicos, até o
momento, o montante de quase R$ 1 bilhão.
Os cidadãos honestos deste país devem se perguntar: se
tantos críticos tinham o mapa do caminho, a solução perfeita forjada em suas
mentes utopistas que solucionaria sem custos o descalabro econômico, moral e
político para o qual fomos arrastados, por que não o apresentaram?
Ou melhor, por que não o colocaram em execução e evitaram o
atual estado de coisas?
A resposta é muito simples. Não há caminho mágico para sair
da crise criada pela incúria e desonestidade de parte da classe dirigente do
país. Tirar o Brasil do círculo vicioso da corrupção terá um custo, que poderá
ser pago agora ou postergado para um futuro distante.
A sociedade tomará essa decisão. Estou confiante de que a
escolha, apesar das forças que operam em sentido contrário, será a favor de um
futuro de justiça e prosperidade, erguido em base sólida e consistente.
O país cansou do engodo, da hipocrisia, dos voos de galinha de economia sustentada no favorecimento, de seguir para logo retroceder. A hora é de mudança.
RODRIGO JANOT, mestre em direito pela Universidade Federal
de Minas Gerais (UFMG), é procurador-geral da República
* * *
DE CERTEZAS E INCERTEZAS- por Rosiska Darcy de Oliveira
O esgoto transbordante com que o povo brasileiro convive desde o começo da Lava-Jato não para de jorrar. Por pior que seja a sensação cotidiana de desgosto e nojo, a gravação do presidente Temer, apanhado em conversas estarrecedoras com o empresário Joesley Batista, e a desfaçatez de Aécio Neves, pedindo propina do mesmo empresário e oferecendo em troca diretorias da Vale, dão a dimensão do profilático trabalho de purga que a operação Lava-Jato vem fazendo. Na semana passada, foi a vez de Lula e Dilma serem desmascarados pelos marqueteiros que inventaram suas máscaras.
Não fosse o nível rasteiro do que está em jogo — roubalheiras e mentiras —, a morte política de personagens centrais dos últimos governos lembraria o desfecho das tragédias. Aqui é só o enredo de um folhetim político-policial com bandidos em todos os partidos, atirando uns nos outros, mas trabalhando todos, cúmplices, para sabotar a Lava-Jato. O que desde logo desmente as acusações de parcialidade que lhe imputavam as vozes raivosas do PT.
Vira-se uma página da história contemporânea que, melancólica, termina com o sistema político caindo de podre. Que futuro ainda é possível para um país massacrado por crise econômica e acefalia política?
Temer escolheu não renunciar. Mais cedo ou mais tarde, será destituído pelo TSE ou em um processo de impeachment. Seu governo tornou-se inviável e agoniza. A base parlamentar se esfacela. Ele nega as acusações. Não convence. Se se agarrar à cadeira presidencial, provocará uma crescente exacerbação da população que já lhe perdeu o respeito. Mexerá em vespeiro.
Em meio às incertezas, algumas certezas. A Constituição deve ter a primeira e última palavra, e a sua defesa caberá sempre ao Supremo Tribunal Federal. O funcionamento das instituições democráticas deve ser garantido impedindo que pescadores de águas turvas se insinuem como salvadores da pátria. Seria uma trágica ironia da história se todo esse esforço de moralização da vida pública desembocasse na ascensão de demagogos e corruptos.
No horizonte, acumulam-se interrogações e riscos. Na hipótese de eleições indiretas para substituir Temer, como previsto na Constituição, o presidente da Câmara ou, na ausência dele, o do Senado, ambos comprometidos na Lava-Jato, teriam legitimidade moral para assumir interinamente a Presidência e comandar o processo de eleição do novo presidente? Não seria mais indicado que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, de indiscutível honorabilidade, assumisse essas funções?
A honorabilidade deve se tornar uma exigência incontornável
para ocupar cargos de comando do país. Uma vida pública sem máculas seria, no
caso de eleições indiretas, o requisito primeiro para a escolha de um candidato
ou candidata tanto quanto possível consensual. O espírito da Lei da Ficha Limpa
deveria ser rigorosamente invocado na legitimação de candidatos a todo e
qualquer cargo público, sobretudo a chefia do Poder Executivo.
Em situações normais, eleições diretas seriam o caminho mais apropriado para refundar o país. Porque é disto que se trata, refundar o Brasil. Mas não estamos vivendo tempos normais. O país foi saqueado. A Lava-Jato ainda não chegou ao fim de seu trabalho de erradicação da corrupção. A prova é que, como agora, descobrimos, pasmos, que crimes continuam sendo cometidos por políticos que não se arrependem, reincidem, têm uma fé cega na impunidade.
Em situações normais, eleições diretas seriam o caminho mais apropriado para refundar o país. Porque é disto que se trata, refundar o Brasil. Mas não estamos vivendo tempos normais. O país foi saqueado. A Lava-Jato ainda não chegou ao fim de seu trabalho de erradicação da corrupção. A prova é que, como agora, descobrimos, pasmos, que crimes continuam sendo cometidos por políticos que não se arrependem, reincidem, têm uma fé cega na impunidade.
O que está em jogo é um embate decisivo entre o sucesso da Lava-Jato com a punição dos culpados e o risco de volta ao poder daqueles que, por palavras e atos, minaram a democracia até quase destruí-la. O tempo da Justiça pode não coincidir com o da política.
Duzentos e oito milhões de habitantes, vivendo em um gigantesco território, donos de bens naturais inestimáveis como a Amazônia e bacias hidrográficas de dar inveja a um mundo assombrado pela carência de água e de ar puro, com capacidade empresarial para construir a Petrobras e reconstruí-la depois de um assalto demolidor. Assim é o Brasil. Um povo que ganha honestamente a sua vida, uma cultura mestiça, que dá lições de diversidade a quem não suporta um vizinho estrangeiro.
Não somos um país de corruptos, somos um país em que, durante décadas, os governantes se venderam e nos venderam a umas poucas gigantescas empresas que, na sombra, governavam, pervertiam o Estado e a política, cresciam como parasitas, sugando os recursos públicos. A essa devastação, sobrevivemos. O Brasil é maior do que a crise, essa é a maior certeza.
O Globo, 20/05/2017
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Rosiska
Darcy de Oliveira - Sexta ocupante da cadeira 10 da ABL, eleita em 11 de
abril de 2013, Rosiska Darcy de Oliveira é escritora e ensaísta. Sua obra
literária exprime uma trajetória de vida. Foi recebida em 14 de junho de 2013
pelo Acadêmico Eduardo Portella, na sucessão do Acadêmico Lêdo Ivo, falecido em
23 de dezembro de 2012.
* * *
ITABUNA CENTENÁRIA: UM SONETO – Augusto dos Anjos
VERSOS ÍNTIMOS
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta vida miserável,
Mora entre feras sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
AUGUSTO DOS ANJOS
Eu e outras poesias
8ª edição.
===
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, poeta de notável
originalidade, tentou, entre nós, a poesia científica numa obra das mais
famosas e das mais lidas do Brasil, a que deu por título Eu e outras poesias, editada
pela primeira vez em 1912. Nasceu na Paraíba em 20-04-1884 e faleceu em
Leopoldina, MG, onde era diretor de um Grupo Escolar, em 12-11-1914.
* * *
A HORA DA GRANDEZA
SABE-SE QUE UMA CRISE atingiu sua gravidade máxima quando,
nas discussões que ocorrem de norte a sul do país, as duas palavras mais
pronunciadas são “renúncia” e “impeachment”. Em todas as rodas de deputados,
senadores, empresários, juristas e jornalistas, fala-se na possibilidade de uma
ou outra saída – e assim tem sido desde que o jornal O Globo revelou o conteúdo
da delação do empresário Joesley Batista, dono da JBS. Numa conversa gravada,
Temer dá a impressão de aprovar a compra do silêncio do ex-deputado Eduardo
Cunha, preso há sete meses. Em outra conversa, Temer inicia uma negociação com
seu interlocutor, que resultou mais tarde no pagamento de 500 000 reais em
dinheiro vivo.
A crise
deflagrada pela denúncia se desdobra em duas esferas. No plano jurídico, a
situação é clara: o presidente Michel Temer é inocente até que se prove o
contrário – e, para que o contrário seja provado, é preciso que se percorra,
com rigor e serenidade, o caminho previsto nas leis e nos códigos. Desde
quinta-feira, assim que saiu a autorização para a abertura de um inquérito,
Temer está formalmente sob investigação da Lava-Jato. Tem direito a ampla
defesa.
As névoas
estão no plano político. Com uma suspeita séria, o presidente fragilizou-se. É
nesse contexto, emoldurado por um estado de perplexidade nacional, que aparecem
as palavras “renúncia” e “impeachment”. Discute-se se alguma das duas
alternativas poderia oferecer uma saída para o caos em que o país foi jogado
por suas altas esferas. A que o presidente Michel Temer está buscando não é
nenhuma delas: é permanecer no Palácio do Planalto.
Na mesma
quinta-feira, Temer fez um pronunciamento de menos de cinco minutos no qual foi
categórico: “Não renunciarei. Sei o que fiz e sei da correção dos meus atos”,
disse, com tom de voz peremptório, olhar um tanto abatido e dedo em riste. A
renúncia é um ato pessoal e intransferível, mas não se materializa inteiramente
por moto próprio: decorre, sobretudo, da pressão e do peso das circunstâncias.
O impeachment, a outra opção aventada, dispensa explicações. Os brasileiros são
o povo mais versado no assunto no planeta e, portanto, conhecem bem suas dores
e seus dramas.
Seja qual
for a saída encontrada, nesta hora grave é preciso grandeza – e não apenas do
presidente. Grandeza dos homens públicos que ocupam os postos centrais do poder
nacional. Grandeza para que, em busca de uma solução para o delicado momento
que o país vive, sejam capazes de pôr os interesses do Brasil acima dos
interesses pessoais, de modo que o país possa seguir em frente, superar as
dificuldades, romper as amarras da recessão, aprovar as reformas estruturais,
cumprir a caminhada rumo à modernidade, libertar-se da mediocridade econômica e
– enfim – dar ao povo brasileiro a oportunidade de construir uma vida justa e
digna.
Para que
esse sonho, ao mesmo tempo grande e singelo, possa se realizar, os homens
públicos devem pensar mais no país do que em seu próprio destino. Os fatos
mostram que, hoje em dia, talvez não
haja pregação mais inútil do que pedir gestos de desprendimento aos políticos
brasileiros, eles que têm dado provas tão contundentes de desprezo à ética e à
decência. Mas o Brasil precisa perseverar, precisa de serenidade para encontrar
a saída que pareça menos traumática e mais correta. Os milhões, os múltiplos
milhões de brasileiros que lutam honestamente por uma vida decente não merecem
ser punidos pela incompetência política e pela mesquinharia dos poderosos.
Carta ao Leitor
Revista VEJA, edição 2531 – 24 de maio de 2017
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