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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

FLORES, FLORES PARA OS MORTOS - Fernando Gabeira



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Sempre que os fatos ganham velocidade, costumo comprar um bloco de notas. Anoto frases, ideias, intuições e deixo que se decantem com o tempo.

Volto a elas, depois, para rejeitá-las ou desenvolvê-las. A primeira frase que me veio à cabeça foi a da vendedora de flores que encerra um filme.

O pequeno bloco também tem ideias. Por exemplo: comparar a ditadura com o governo Lula. Uma neutralizou o Congresso pelo medo; o outro, pelo pagamento de mesada.

Ditadura e governo Lula compartilham o mesmo desprezo pela democracia, ambos violentaram-na, reduzindo o Parlamento a uma ruína moral. 

Os militares prepararam sua saída de forma organizada. Nem muito devagar, para não parecer provocação, nem muito rápido para não parecer que estavam com medo.

Já o núcleo duro do governo Lula parece perdido, batendo cabeça, ou melhor, enfiando-a na areia, sem perceber que a polícia está chegando e, daqui a pouco, alguém vai gritar na porta do Planalto:"Se entrega, Corisco".

Quando era menino e vivia em Juiz de Fora, fazíamos rodas de capoeira, bastante rudimentares - confesso. Mas cantávamos: "A polícia vem, que vem brava / quem não tem canoa, cai n'água". 

Tudo isso jorra aos borbotões na minha caderneta. Anotei: chamar alguém do "Guinness", o livro dos recordes, para saber se algum tesoureiro de qualquer partido do mundo se desloca com batedores de motocicleta e carros clones para iludir perseguidores;

...se algum tesoureiro partidário se desloca com jatos particulares, semanalmente; se introduz no palácio associação de empreiteiros que receberam R$ 1,1 bilhão de dívidas.

Os militares batiam, davam choques e insultavam na sessão de tortura, mas vi muitos dizendo que me respeitavam porque deixei um bom emprego para combatê-los com risco de vida. 

O PT queria que eu abrisse mão exatamente da minha alma, e me tornasse um deputado obediente, votando tudo o que o Professor Luizinho nos mandava votar. 

Os militares jamais pediriam isso. Desde o princípio, disseram que eu era irrecuperável e limitaram-se à tortura de rotina.
Jamais imaginei que seria grato aos torturadores por não me pedirem a alma. Não sabia que dias tão cinzentos ainda viriam pela frente. 

Que seria liderado por um homem que achava que Maurício de Nassau era um deputado de Pernambuco. Logo eu, que sou admirador de um deputado pernambucano chamado Joaquim Nabuco. 

Foram os anos mais duros de minha vida. No meu caderno anoto frases e indicações da semelhanças da luta contra a ditadura e da luta contra este governo, desde que comecei a criticá-lo, com a importação de pneus usados.

As pessoas têm suas carreiras, seus empregos, sua racionalizações. É preciso respeitá-las, atravessar o deserto sem ressentimentos.

Agora, sobretudo, é preciso respeitar o sofrimento dos vencidos. Outro dia, quando me referi a um núcleo na Casa Civil como um bando de ladrões que atentava contra a democracia, uma jovem deputada do PT estremeceu.

Senti que não estava ainda preparada para essas palavras cruas. E fui percebendo pelas anotações que talvez estejam aí, para o escritor, o mais rico manancial de toda essa crise.

Como estão as pessoas do PT? Como se ajustam a essa nova realidade? Que destino tomaram na vida?
Procuro não confundir, entre os que ainda defendem o governo, aqueles que são cínicos, cúmplices e os outros, que apenas obedeceram as ordens sob a forma da aplicação do centralismo democrático. 

Alguns defendem porque ainda não conseguiram negociar com sua própria dor. Não podem suportá-la de frente. Mas terão de fazer algum dia, porque, por mais ingênuos que sejam, já perceberam que a mãe está no telhado. 

Vamos ter de encarar juntos essa realidade. A grande experiência eleitoral da esquerda latino-americana, admirada por uma Europa desiludida com Cuba e Nicarágua, a grande novidade que verteu tintas...

...atraiu sábios, produziu livros e seminários, vai acabar na delegacia como um triste fato policial de roubo do dinheiro público e suborno de parlamentares.

Só os que se arriscarem a ir até o fundo dessa abjeção, compreendê-la em todos os seus detalhes mórbidos, têm chances de submergir para continuar o processo histórico. 

Por incrível que pareça, o Brasil continua, e a vontade de mudar é mais urgente do que em 2002 e Por isso, proponho agora um curto e eficaz trabalho de luto. 

Anotação final: começaram o espetáculo da CPI, secretárias e suas agendas, ex-mulheres e suas mágoas, vampiros, sanguessugas, mensaleiros, arapongas, tesoureiros e seus charutos, Vossa Excelência para cá, Vossa Excelência para lá, sigilos bancários, telefônicos, emocionais. 

Viu, Duda, que cenas finais melancólicas quando um mercador tenta aplicar à complexidade da política a singeleza do vendedor de sabonetes? 

FIM MELANCÓLICO? Não, Lulla enganou o povo...


Fernando Gabeira
Texto veiculado no jornal Folha de S. Paulo

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AS OUTRAS FORMAS DE AMOR: PHILOS E ÁGAPE - Paulo Coelho



Em 1986, na cidade de Logroño, participávamos de um casamento quando o meu guia, Petrus, começou a falar das três palavras que os gregos usam para designar amor: Eros, Philos e Ágape. Segundo ele, isso já tinha sido dito anteriormente por Martin Luther King, mas valia a pena recordar que o mais importante sentimento do homem podia ser dividido. Começou explicando o que era Eros - a atração saudável e necessária que um ser humano sente pelo outro. Em seguida, continuou, apontando para um casal de velhos:

- Veja aqueles dois: não se deixaram contagiar pela hipocrisia, como muitos outros. Pela aparência deve ser um casal de lavradores: a fome e a necessidade os obrigou a superarem juntos muitas dificuldades. Descobriram a força do amor através do trabalho, que é onde Eros mostra sua face mais bela, também conhecida como Philos.

- O que é Philos?
- Philos é o Amor sobre a forma de amizade. É aquilo que eu sinto por você e pelos outros. Quando a chama de Eros não consegue mais brilhar, é Philos que mantém os casais juntos.

- E Ágape?
- Ágape é o amor total, o amor que devora quem o experimenta. Quem conhece e experimenta Ágape, vê que nada mais neste mundo tem importância, apenas amar. Este foi o amor que Jesus sentiu pela humanidade, e foi tão grande que sacudiu as estrelas e mudou o curso da história do homem.

"Durante os milênios da história da Civilização, muitas pessoas foram tomadas por este Amor que Devora. Elas tinham tanto para dar - e o mundo exigia tão pouco - que foram obrigadas a buscar os desertos e lugares isolados, porque o Amor era tão grande que as transfigurava. Viraram os santos ermitãos que hoje nós conhecemos".

"Para mim e para você, que experimentamos outra forma de Ágape, esta vida aqui pode parecer dura, terrível. Entretanto, o Amor que Devora faz com que tudo perca a importância: estes homens vivem apenas para serem consumidos pelo seu Amor".

Deu uma pausa.

- Ágape é o Amor que Devora - repetiu mais uma vez, como se esta fosse a frase que melhor definisse aquela estranha espécie de amor. - Luther King certa vez disse que, quando Cristo falou de amar os inimigos, estava referindo-se à Ágape, porque, segundo ele, era "impossível gostar de nossos inimigos, daqueles que nos fazem mal, e que tentam amesquinhar mais o nosso sofrido dia a dia".
"Mas Ágape é muito mais que gostar. É um sentimento que invade tudo, que preenche todas as frestas, e faz com que qualquer tentativa de agressão se torne pó".

"Existem duas formas de Ágape. Uma é o isolamento, a vida dedicada apenas à contemplação. A outra é exatamente o contrário: o contacto com os outros seres humanos, e o entusiasmo, o sentido sagrado do trabalho. Entusiasmo significa transe, arrebatamento, ligação com Deus. O Entusiasmo é Ágape dirigido a alguma ideia, alguma coisa".

"Quando amamos e acreditamos do fundo de nossa alma em algo, nos sentimos mais fortes que o mundo, e somos tomados de uma serenidade que vem da certeza de que nada poderá vencer nossa fé. Esta força estranha faz com que sempre tomemos as decisões certas, na hora exata, e ficamos surpresos com nossa própria capacidade quando atingimos o nosso objetivo".

"O Entusiasmo se manifesta normalmente com todo o seu poder nos primeiros anos de nossas vidas. Ainda temos um laço forte com a divindade, e nos atiramos com tal vontade aos nossos brinquedos, que as bonecas passam a ter vida e os soldadinhos de chumbo conseguem marchar. Quando Jesus falou que era das crianças o reino dos Céus, ele se referia à Ágape sob a forma de Entusiasmo. As crianças chegaram até ele sem ligar para seus milagres, sua sabedoria, os fariseus e os apóstolos. Vinham alegres, movidas pelo Entusiasmo".

"Que em momento algum, pelo resto deste ano, e pelo resto de sua vida, você perca o entusiasmo: ele é uma força maior, voltada para a vitória final. Não se pode deixar que ele escape por nossos dedos só porque nos enfrentamos, no decorrer dos meses, com pequenas e necessárias derrotas".

Diário do Nordeste , 25/08/2018

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Paulo Coelho - Oitavo ocupante da Cadeira nº 21 da ABL, eleito em 25 de julho de 2002 na sucessão de Roberto Campos e recebido em 28 de outubro de 2002 pelo Acadêmico Arnaldo Niskier.

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É REVOLTANTE!!! O Antagonista nas Eleições: É tudo mentira