15 de julho de 2020
Péricles Capanema
Prossegue intensa nos Estados Unidos a campanha de destruição
de estátuas simbólicas. Foram derrubadas estátuas de Cristóvão Colombo; várias
estátuas de generais heróis na Guerra Civil sofreram a mesma sorte, também
algumas de São Junípero Serra. Estátua de São Luís IX, rei da França, foi
rapidamente recolhida em Saint Louis para não ser vandalizada. E ainda
ameaçadas estátuas dos chamados pais fundadores da nação líder do Ocidente. A
destruição continua, nada parece escapar à fúria vandálica. Além de arrancadas
violentamente dos pedestais, têm sido corrente, para completar a liturgia
caricata, cusparadas, chutes, berros, pinturas afrontosas. Não são raras
mutilações e decepações.
A mensagem lampeja clara: a figura dos homenageados evoca
realidades já não mais toleráveis. Primeiro o símbolo e depois as realidades simbolizadas
serão banidos da superpotência. Acusam-nos de representar uma civilização
escravocrata, imperialista, genocida, opressora, em especial de negros e
índios. Um passo a mais: é a civilização europeia que está no cadafalso. Outro
passo na mesma direção: é a civilização cristã europeia. E a fonte última da
Europa cristã é Nosso Senhor Jesus Cristo. Questão de tempo, chegarão lá, as
estátuas de Jesus Cristo, símbolo de sua doutrina e Igreja, também serão
abatidas.
Aliás, já estamos nas primeiras etapas de tal demolição
revolucionária e — não convém evitar o qualificativo — satânica. Coerente com o
espírito do movimento, foi o que sintomaticamente já anunciou o escritor Shaun
King, ativista social, fundador do “Real Justice PAC” e apoiador do movimento “Black
lives matter”: as imagens de Jesus Cristo também precisam ser derrubadas, pois
lembram “uma forma de supremacia branca”. Imposição da justiça real,
parece, ditadura dos novos tempos.
No começo, o vozerio pela derrubada virá da extrema
esquerda, de movimentos anarquistas e assemelhados, como já exigido por Shaun
King. Depois, vozeadas do centro ecoarão os protestos, propondo a medida como
necessidade de harmonia social. No fim, uma suposta maioria centrista achará
melhor tirar todas as estátuas de Nosso Senhor dos lugares públicos para
preservar o caráter laico do Estado. E, no trajeto, algumas estátuas serão
vandalizadas, sem nenhuma punição, forma de impor celeridade maior ao processo
demolidor. Alguns, com subestima, às vezes calculada, dirão, são atos isolados
de mero alcance simbólico, que não mexem no fundo das realidades que importam,
as quais continuarão as mesmas. Serão as mãos que apagam, as vozes que
adormecem a reação.
Napoleão com o príncipe Metternich com durante a reunião em
Dresden em 26 de junho de 1813. Quadro de Woldemar Friedrich (1900).
Símbolos não importam? Pulo as décadas, retorno para longe.
Em 23 de junho de 1813, Napoleão encontrou Metternich em Dresden [quadro acima].
Ali se jogava a sorte da Europa, a vida, quem sabe, de milhões de homens. Foram
quase quatro horas de conversa, por vezes amável, por vezes tensa e ríspida. De
um lado, o general representante da investida revolucionária. Do outro, o
representante da Europa conservadora. Em certo momento de tensão, os dois em
pé, Napoleão gritou ameaças e atirou o chapéu no chão. Ele era imperador, o
outro, apenas ministro. Esperou um gesto de cortesia de Metternich, recolhendo
e lhe devolvendo o chapéu. Nada. O corso passou ao lado do chapéu, empurrou-o
com o pé. O chanceler austríaco não se mexeu, fingiu nada ter percebido,
continuou a argumentar. Napoleão ameaçou:
— Para um homem como eu, a vida de um milhão de homens, vale
nada.
Metternich olhou o chapéu no chão. Continuou Napoleão:
— Perdi 300 mil homens na Rússia, entre eles não havia mais
que 30 mil franceses. Os outros, italianos, poloneses, alemães.
O ministro atalhou:
— Vossa Majestade se esquece que fala a um alemão.
Napoleão sentiu o golpe, apanhou o chapéu e o enfiou na
cabeça. Derrota simbólica enorme. Ao se despedir, Metternich lhe disse: “Majestade,
sua situação está perdida. Pressentia-o, quando cheguei. Agora, levo comigo a
convicção”.
O encontro de Dresden, pleno de frases e gestos simbólicos
repercutiu. Repercute até hoje. É visto como um dos marcos importantes da queda
de Napoleão. A Europa tomou um rumo detestado pelo imperador da França. Um
gesto simbólico, a recusa de apanhar um simples chapéu (no caso, indício de
temor e traço de subserviência) até hoje é vista como resumo de uma reunião de
mais de três horas. Gestos simbólicos têm efeito enorme, são lances da guerra
cultural. Além da importância em si, são observados como atitudes
prenunciativas.
Será derrota enorme para a Cristandade que diante das
estátuas derrubadas (no frigir dos ovos o que está sendo atacado é a
Cristandade), não haja resposta à altura com desagravos proporcionais e revide
legais, mas altamente significativos.
Donald Trump está em campanha pela reeleição. Qual estátua
os dirigentes da sua propaganda escolheram como a mais representativa para
simbolizar sua causa e, portanto, para ser vista como alvo a ser derrubado
pelos adversários? À primeira vista, seria alguma de um “foundigng father”. Ou
alguma célebre na Europa pelo valor artístico.
Nada disso, foi selecionada a do Cristo Redentor do
Corcovado, braços abertos para o mundo, inaugurada em 1931, eco lídimo do
movimento pela realeza social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ato de enorme
simbologia, visto pelos chefes da campanha presidencial republicana como de
forte repercussão eleitoral. O fato é conhecido. Em propaganda divulgada por
todo o país, encimada pelo Cristo do Corcovado, o texto dizia: “O
Presidente deseja saber quem o apoiará contra a esquerda radical”. Está
dado a entender, queiramos ou não, estamos diante de uma batalha universal.
Dia virá, e não está longe, em que se exigirá no Brasil a
derrubada da estátua do Cristo Redentor do Corcovado. A exigência virá de
grupos ideológicos, inflamados pelas mesmas doutrinas que hoje trabalham nos
Estados Unidos pela destruição de suas raízes históricas e aparecimento de uma
sociedade rasa e ateia, parecida com o mundo comunal imaginado por Marx como
etapa final do comunismo.
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