Lizaveta Ivanovna olhou curiosa aquela figura empertigada. Homem persistente esse Oleg Ardalionovitch. Será que agia assim com todas, ou ela era mesmo digna de tanta atenção, tanto assédio... Livros, flores, presentes para o pequeno Feodor, convites para o Teatro, e não sabia mais o que...
- Então, Lizaveta Ivanovna, - Oleg
fixou-a bem no fundo dos olhos – às nove em ponto. Está bem?
- Ótimo, está certo.
Lizaveta tentou aparentar algum
entusiasmo, mas as palavras saíram insossas, gélidas quase.
Subiu lentamente a escada, contando
os degraus. Pensava no marido. Pobre Mikhail, tão gordo e principalmente tão
longe... fizera questão que ela viesse com o garoto passar uns dias em
Petrogrado. Ele não poderia ficar, viria apenas buscá-los. Depois, o Hotel era
ótimo e não faltariam oportunidades para ela e Feodor divertirem-se um pouco,
mudarem de ares...
Abriu a porta do quarto, deixou-o
na penumbra. Deitou-se vestida mesmo. Um leve torpor invadiu-a. Estava bom ali.
Quente, agradável. Deslizou as mãos pelo corpo, pela cintura, pelas coxas;
subiu vagarosamente até os seios, duros, bem duros ainda; capazes de fazer
inveja a muitas mocinhas de dezessete anos.
Levantou-se. Acendeu a luz. Começou
a despir-se. Olhava com carinho, quase com cobiça as próprias formas. Tirou a
blusa. Estava branca, muito branca, alva, cor de leite. Desapertou o
espartilho. Os seios saltaram rebeldes, volumosos, eretos, para fora. Deixou cair
a saia, jogou com um gesto cheio de coqueteria a camisa no espaldar daquela
horrível cadeira negra. Sorriu da própria audácia. Estava quase nua. Volteou em
frente ao espelho. Corpo bem feito. Coxas bem torneadas, penugens escuras
sobressaíam embaixo da calcinha clara e teimosamente mostravam suas pontas
irreverentes junto à junção das pernas.
Apenas mais algumas horas em
Petrogrado e depois de novo a vidinha melancólica e triste da Província. O “samovar”
de sempre e os indefectíveis mexericos de todas as tardes... Até que o
empertigado Oleg Ardalionovotch não parecia tão horrível naquele momento. Se essa
noite, a última noite na cidade grande ele ousasse... Talvez... Quem sabe... Se
fosse nesse mesmo momento, não teria dúvidas. À noite... Bem, tudo seria uma
questão de tato...
Passavam às margens do Neva. Tudo gelado.
Doía a vista a brancura do gelo. O porto todo duro. Os guindastes parados
formavam figuras grotescas, sombrias, furando a névoa cinzenta. A velha e
magnífica Catedral de Kazan surgiu imponente, à direita; a névoa respeitava seu
aspecto senhorial e mantinha-se à distância, aureolando-a apenas...
Lizaveta sentiu a mão de Oleg
Ardalionovitch pousar, a medo, sobre a sua. Olhou-o e não retirou a mão. A carruagem
estacou um momento, uns transeuntes passavam, depois prossegui mais rápida.
Oleg pensava depressa: “Se
entrarmos no Teatro, quase tudo estará perdido. O trem parte bem cedo e ela não
poderá recolher-se muito tarde; depois, existe o garoto, e acho que a sua resistência
não está suficientemente minada; é preciso agir já”.
Ordenou ao cocheiro que parasse um
minuto. Abriu a janelinha da carruagem:
- Você aí, “paizinho”, quer ir ao Teatro?
Tome duas entradas. Tome. Não tenha medo. É presente. É de graça. Pegue, homem,
pegue.
A carruagem seguiu. Lizaveta
olhava-o interrogativamente. Oleg explica de um só fôlego:
- Não é mesmo a Pavlova quem vai dançar hoje.
Ademais, fiquei com pena daquele “paizinho”. Deve ter sido a maior surpresa de
sua vida. Depois Lizaveta, você parte amanhã. Deus sabe quando poderei vê-la de
novo. Hoje é um dia especial. Merece algo melhor. Inesquecível... Vamos cear em...
minha casa?
Lizaveta não se perturbou. Hesitou um
segundo e assentiu com a cabeça. Afinal, se de fato, não era mesmo a Pavlova...
A cabeça doía muito. Estava enjoada
a mais não poder. Que estúpido aquele Oleg, enchê-la de bebida. Como se fosse
preciso. O trem afastava-se velozmente. Petrogrado ficara para trás. Não existia.
Oleg também não. Tudo voltava à calmaria de sempre. Olhou Feodor. O menino
dormia recostado em seu braço. Sentiu náuseas de novo. Maldito Oleg. Procurou recordar...
- Chega, Oleg, já bebi muito. Parece
que esse vinho não combina com caviar... – Lizaveta empurrou o copo. – E estas
ostras, nessa época! Você tinha certeza de que eu viria aqui. Preparou tudo,
não?
Oleg encheu outro copo. Vinho branco
dessa vez.
- Nem tanto; em último caso, ficaríamos
passeando pela cidade. Petrogrado é sempre linda, especialmente à noite. Experimente
esse vinho branco. Só um pouquinho. Prove só.
E colou o copo nos lábios da
mulher. Lizaveta riu. Como ele parecia vulgar, grosseiro, até. Mas já chegara.
Tudo girava. Nem notou quando Oleg
Ordalionovitch, a levou, quase carregada para o quarto. Sentiu umas mãos ávidas
despindo-a. apalpando-a sofregamente. Quase arrancando as peças do seu
vestuário.
Viu-se nua, mole, zonza e cheia de náuseas...
O homem parou um instante. Admirou aquele
corpo maravilhoso. A perfeição e a horizontalidade dos seios, a curva
embriagadora dos quadris, as covas perfeitas, levemente saltadas para fora... Atirou-se
sobre a presa. Procurou os lábios de Lazaveta, mordeu-os. Sentiu um gosto
estranho na boca, Ácido. Um líquido viscoso, nojento, molhou seu rosto, esguichou
sobre seu peito. Afastou-se e apoiando a cabeça de Lizaveta ajudou-a a...
vomitar.
O trem deixava Petrogrado cada vez
mais para trás. Fora melhor assim. Lizaveta Ivanovna acariciou a cabeça do
menino que dormia. Afinal, ela não tinha certeza de que não fora mesmo a
Pavlova que dançara...
(CONTOS DE ALCVOVA)
Compilados
por Yves Idílio
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IGOR PALYKH
O autor de “Última Noite em
Petrogrado”, desponta como uma das maiores figuras no moderno ficcionismo
russo. Filho da Georgia, região onde os homens são marcados por indelével
tristeza, Igor Palykh, não obstante, possui uma temática leve e saborosa.
Sem embargo de sua inconteste
notoriedade nos estados da União Soviética, não alcança no mundo ocidental a
mesma projeção devido à exígua divulgação de suas obras.
Não querendo privar os leitores de
tão agradável conhecimento, inserimos um de seus contos mais característicos,
nesta coletânea. Nele afloram todas as constantes individuadoras de sua obra. O
estilo leve, colorido. A discrição minuciosa, exata. A frustração sempre
tisnando os desejos humanos. Desígnios estranhos intervindo para a não
concretização de vontades conjugadas. O final sempre imprevisto. E o autor,
colocado como impotente espectador, enquanto os fatos, os acontecimentos, as
situações, insinuam e apregoam a limitação humana.
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