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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

ÚLTIMA NOITE EM PETROGRADO – Igor Palykh


     
 
Lizaveta Ivanovna olhou curiosa aquela figura empertigada. Homem persistente esse Oleg Ardalionovitch. Será que agia assim com todas, ou ela era mesmo digna de tanta atenção, tanto assédio... Livros, flores, presentes para o pequeno Feodor, convites para o Teatro, e não sabia mais o que...

            - Então, Lizaveta Ivanovna, - Oleg fixou-a bem no fundo dos olhos – às nove em ponto. Está bem?

            - Ótimo, está certo.

            Lizaveta tentou aparentar algum entusiasmo, mas as palavras saíram insossas, gélidas quase.

            Subiu lentamente a escada, contando os degraus. Pensava no marido. Pobre Mikhail, tão gordo e principalmente tão longe... fizera questão que ela viesse com o garoto passar uns dias em Petrogrado. Ele não poderia ficar, viria apenas buscá-los. Depois, o Hotel era ótimo e não faltariam oportunidades para ela e Feodor divertirem-se um pouco, mudarem de ares...

            Abriu a porta do quarto, deixou-o na penumbra. Deitou-se vestida mesmo. Um leve torpor invadiu-a. Estava bom ali. Quente, agradável. Deslizou as mãos pelo corpo, pela cintura, pelas coxas; subiu vagarosamente até os seios, duros, bem duros ainda; capazes de fazer inveja a muitas mocinhas de dezessete anos.

            Levantou-se. Acendeu a luz. Começou a despir-se. Olhava com carinho, quase com cobiça as próprias formas. Tirou a blusa. Estava branca, muito branca, alva, cor de leite. Desapertou o espartilho. Os seios saltaram rebeldes, volumosos, eretos, para fora. Deixou cair a saia, jogou com um gesto cheio de coqueteria a camisa no espaldar daquela horrível cadeira negra. Sorriu da própria audácia. Estava quase nua. Volteou em frente ao espelho. Corpo bem feito. Coxas bem torneadas, penugens escuras sobressaíam embaixo da calcinha clara e teimosamente mostravam suas pontas irreverentes junto à junção das pernas.

            Apenas mais algumas horas em Petrogrado e depois de novo a vidinha melancólica e triste da Província. O “samovar” de sempre e os indefectíveis mexericos de todas as tardes... Até que o empertigado Oleg Ardalionovotch não parecia tão horrível naquele momento. Se essa noite, a última noite na cidade grande ele ousasse... Talvez... Quem sabe... Se fosse nesse mesmo momento, não teria dúvidas. À noite... Bem, tudo seria uma questão de tato...

            Passavam às margens do Neva. Tudo gelado. Doía a vista a brancura do gelo. O porto todo duro. Os guindastes parados formavam figuras grotescas, sombrias, furando a névoa cinzenta. A velha e magnífica Catedral de Kazan surgiu imponente, à direita; a névoa respeitava seu aspecto senhorial e mantinha-se à distância, aureolando-a apenas...

            Lizaveta sentiu a mão de Oleg Ardalionovitch pousar, a medo, sobre a sua. Olhou-o e não retirou a mão. A carruagem estacou um momento, uns transeuntes passavam, depois prossegui mais rápida.

            Oleg pensava depressa: “Se entrarmos no Teatro, quase tudo estará perdido. O trem parte bem cedo e ela não poderá recolher-se muito tarde; depois, existe o garoto, e acho que a sua resistência não está suficientemente minada; é preciso agir já”.

            Ordenou ao cocheiro que parasse um minuto. Abriu a janelinha da carruagem:

            - Você aí, “paizinho”, quer ir ao Teatro? Tome duas entradas. Tome. Não tenha medo. É presente. É de graça. Pegue, homem, pegue.

            A carruagem seguiu. Lizaveta olhava-o interrogativamente. Oleg explica de um só fôlego:

            - Não é mesmo a Pavlova quem vai dançar hoje. Ademais, fiquei com pena daquele “paizinho”. Deve ter sido a maior surpresa de sua vida. Depois Lizaveta, você parte amanhã. Deus sabe quando poderei vê-la de novo. Hoje é um dia especial. Merece algo melhor. Inesquecível... Vamos cear em...  minha casa?

            Lizaveta não se perturbou. Hesitou um segundo e assentiu com a cabeça. Afinal, se de fato, não era mesmo a Pavlova...

            A cabeça doía muito. Estava enjoada a mais não poder. Que estúpido aquele Oleg, enchê-la de bebida. Como se fosse preciso. O trem afastava-se velozmente. Petrogrado ficara para trás. Não existia. Oleg também não. Tudo voltava à calmaria de sempre. Olhou Feodor. O menino dormia recostado em seu braço. Sentiu náuseas de novo. Maldito Oleg. Procurou recordar...

            - Chega, Oleg, já bebi muito. Parece que esse vinho não combina com caviar... – Lizaveta empurrou o copo. – E estas ostras, nessa época! Você tinha certeza de que eu viria aqui. Preparou tudo, não?

            Oleg encheu outro copo. Vinho branco dessa vez.

            - Nem tanto; em último caso, ficaríamos passeando pela cidade. Petrogrado é sempre linda, especialmente à noite. Experimente esse vinho branco. Só um pouquinho. Prove só.

            E colou o copo nos lábios da mulher. Lizaveta riu. Como ele parecia vulgar, grosseiro, até. Mas já chegara.

            Tudo girava. Nem notou quando Oleg Ordalionovitch, a levou, quase carregada para o quarto. Sentiu umas mãos ávidas despindo-a. apalpando-a sofregamente. Quase arrancando as peças do seu vestuário.

            Viu-se nua, mole, zonza e cheia de náuseas...

            O homem parou um instante. Admirou aquele corpo maravilhoso. A perfeição e a horizontalidade dos seios, a curva embriagadora dos quadris, as covas perfeitas, levemente saltadas para fora... Atirou-se sobre a presa. Procurou os lábios de Lazaveta, mordeu-os. Sentiu um gosto estranho na boca, Ácido. Um líquido viscoso, nojento, molhou seu rosto, esguichou sobre seu peito. Afastou-se e apoiando a cabeça de Lizaveta ajudou-a a... vomitar.

            O trem deixava Petrogrado cada vez mais para trás. Fora melhor assim. Lizaveta Ivanovna acariciou a cabeça do menino que dormia. Afinal, ela não tinha certeza de que não fora mesmo a Pavlova que dançara...

           

 (CONTOS DE ALCVOVA)

Compilados por Yves Idílio

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IGOR PALYKH

 

          O autor de “Última Noite em Petrogrado”, desponta como uma das maiores figuras no moderno ficcionismo russo. Filho da Georgia, região onde os homens são marcados por indelével tristeza, Igor Palykh, não obstante, possui uma temática leve e saborosa.

          Sem embargo de sua inconteste notoriedade nos estados da União Soviética, não alcança no mundo ocidental a mesma projeção devido à exígua divulgação de suas obras.

           Não querendo privar os leitores de tão agradável conhecimento, inserimos um de seus contos mais característicos, nesta coletânea. Nele afloram todas as constantes individuadoras de sua obra. O estilo leve, colorido. A discrição minuciosa, exata. A frustração sempre tisnando os desejos humanos. Desígnios estranhos intervindo para a não concretização de vontades conjugadas. O final sempre imprevisto. E o autor, colocado como impotente espectador, enquanto os fatos, os acontecimentos, as situações, insinuam e apregoam a limitação humana.


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