*Cyro de Mattos é escritor e poeta, Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual
de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do
Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor
premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.
A ex-ministra do STJ Eliana Calmon, em foto de 2012
FREDERICO VASCONCELOS DE SÃO PAULO
16/04/2017
"A Lava Jato pegará o Poder Judiciário num segundo momento. O Judiciário está sendo preservado, como estratégia para não enfraquecer a investigação."
A previsão é de Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça, ex-corregedora nacional de Justiça. "Muita coisa virá à tona", diz.
Ela foi alvo de duras críticas ao afirmar, em 2011, que havia bandidos escondidos atrás da toga. "Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as coisas não melhoraram", diz.
Para a ministra, alegar que a Lava Jato criminaliza os partidos e a atividade política é uma forma de inibir as investigações. "Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça e o Ministério Público. O que eles temem é a opinião pública e a mídia", afirma.
A entrevista foi concedida por telefone, nesta quinta-feira (13).
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Folha - Como a senhora avalia a lista dos investigados a partir das delações? Eliana Calmon - Eu não fiquei surpresa. Pelo que já estava sendo divulgado, praticamente todos os grandes políticos estariam envolvidos, em razão do sistema político brasileiro que está apodrecido.
Algum nome incluído na lista a surpreendeu? José Serra (senador do PSDB-SP) e Aloysio Nunes Ferreira (senado licenciado, ministro das Relações Exteriores, também do PSDB-SP).
A Lava Jato poderá alcançar membros do Poder Judiciário?
No meu entendimento, a Lava Jato tomou uma posição política. É minha opinião pessoal. Ou seja, pegou o Executivo, o Legislativo e o poder econômico, preservando o Judiciário, para não enfraquecer esse Poder. Entendo que a Lava Jato pegará o Judiciário, mas só numa fase posterior, porque muita coisa virá à tona. Inclusive, essa falta tem levado a muita corrupção mesmo. Tem muita coisa no meio do caminho. Mas por uma questão estratégica, vão deixar para depois.
Como a senhora avalia essa estratégia? Acho que está correta. Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as coisas não melhoraram. Há aquela ideia de que não se deve punir o Poder Judiciário. Nas entrevistas, Noronha [o atual corregedor nacional, ministro João Otávio de Noronha] está mais preocupado em blindar os juízes. Ele diz que é preciso dar mais autoridade aos juízes, para que se sintam mais seguros. Caminha no sentido bem diferente do que caminharam os demais corregedores.
Como a Lava Jato impacta o Judiciário? O que deve ser aperfeiçoado? Tudo (risos). Nós temos a legislação mais moderna para punir a corrupção. O Brasil foi obrigado a aprovar algumas leis por exigência internacional em razão do combate ao terrorismo. Essas leis foram aprovadas pelo Congresso Nacional, tão apodrecido, porque eles entendiam que elas não iam "pegar" aqueles que têm bons advogados, que têm foro especial. Foram aprovadas também porque precisavam dar uma satisfação à sociedade depois das manifestações populares em junho de 2013.
Os tribunais superiores têm condições de instaurar e concluir todos esses inquéritos? O STJ vem se preocupando admitir juízes instrutores que possam desenvolver mais rapidamente os processos. Embora a legislação seja conivente com a impunidade, é possível o Poder Judiciário punir a corrupção com vontade política. É difícil, porque tudo depende de colegiado. Muitas vezes alguém pede vista e "perde de vista", não devolve o processo. Precisamos mudar a legislação e tornar menos burocrática a tramitação dos processos. Hoje, o Judiciário está convicto de que precisa funcionar para punir. Essa foi a grande contribuição que o juiz Sergio Moro deu para o Brasil. Eu acredito que as coisas vão funcionar melhor, mas ainda com grande dificuldade.
Como deverá ser a atuação do Judiciário nos Estados com os acusados sem foro especial? Hoje, o Judiciário mudou inteiramente. Todo mundo quer acompanhar o sucesso de Sergio Moro. Os ventos começam a soprar do outro lado. Antigamente, o juiz que fosse austero, que quisesse punir, fazer valer a legislação era considerado um radical, um justiceiro, como se diz. Agora, não. Quem não age dessa forma está fora da moda. Está na moda juiz aplicar a lei com severidade.
Como o STF deverá conduzir o julgamento dos réus da Lava Jato? Eles vão ter que mudar para haver a aceleração. Acho um absurdo o ministro Edson Fachin, com esse trabalho imenso nessas investigações da Lava Jato, ter a distribuição de processos igual à de todos os demais ministros. Isso precisa mudar.
Como avalia o desempenho da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia? O presidente de um tribunal como o Supremo tem um papel relevantíssimo. Costumo dizer que o grande protagonista do mensalão não foi apenas o ministro Joaquim Barbosa. Foi Ayres Britto. Na presidência, ele colocou os processos em pauta. Conduziu as sessões, interceptou as intervenções procrastinatórias dos advogados. Ele era muito suave, fazia de forma quase imperceptível. A ministra Cármen Lúcia demonstra grande vontade de realizar esse trabalho. Mas vai precisar de muito jogo de cintura, da aceitação dos colegas. O colegiado é muito complicado, muito ensimesmado. Os ministros são muito poderosos. Há muita vaidade.
Há a possibilidade de injustiças na divulgação da lista? Sem dúvida alguma. Todas as vezes que você abre para o público essas delações, algumas injustiças surgem. Essas injustiças pessoais, que podem acontecer ocasionalmente, não são capazes de justificar manter em sigilo toda essa plêiade de pessoas que cometeram irregularidades. Mesmo havendo algumas injustiças, a abertura do sigilo é a melhor forma de chegarmos à verdade dos fatos.
Há risco de um "acordão" para sobrevivência política dos investigados? Vejo essa possibilidade, sim, pelo número de pessoas envolvidas e pela dificuldade de punição de todas elas. O Congresso Nacional já está tomando as providências para que não haja a punição deles próprios. Eles estão com a faca e o queijo na mão. É óbvio que haverá uma solução política para livrá-los, pelo menos, do pior.
Como vê a crítica de que a lista criminaliza os partidos e a atividade política? É uma forma de inibir a atividade do Ministério Público e da Justiça. Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça. O que eles temem é a opinião pública e a mídia. Eles temem vir à tona tudo aquilo que praticavam. O MP e a Justiça são tão burocratizados que se consegue mais rápido uma punição denunciando, tornando público aquilo que eles pretendem manter na penumbra.
A Lava Jato demorou para alcançar o PSDB, dando a impressão de que os tucanos foram poupados e o alvo principal seria o ex-presidente Lula. Eles começaram pelo que estava mais presente, em exposição, num volume maior. Toda essa sujeira, essa promiscuidade não foi invenção nem de Lula nem do PT. Já existe há muitos e muitos anos. Só que se fazia com mais discrição, ficava na penumbra. Isso veio à tona a partir do mensalão, e agora com o petrolão. Na medida em que foram ampliando essa investigação vieram os outros partidos. Estavam todos coniventes, no mesmo barco. Aliás, o PT só chegou a fazer o que fez porque teve o beneplácito do PSDB e do PMDB.
A lista pode acelerar a aprovação da lei de abuso de autoridade? Eu acredito que sim. A instauração dessas investigações era necessária para depurar o sistema. A solução não será a que nós poderíamos esperar, a investigação e depois a punição. Acredito que haverá um "acordão".
Como a nova lei de abuso pode afetar o Ministério Público e o Judiciário? Haverá uma inibição natural para a atuação do Ministério Público e da própria Justiça. Haverá o receio de uma punição administrativa. Isso inibe um pouco a liberdade da magistratura e, principalmente, dos membros do Ministério Público.
A Lava Jato cometeu excessos? Houve alguns excessos, porque o âmbito de atuação foi muito grande. Muitas vezes o excesso foi o receio de que a investigação fosse abafada. Acho que esses excessos foram pecados veniais. Como ministra, vi muitas vezes o vazamento de informações saindo da Polícia Federal e nada fiz contra a PF porque entendi qual foi o propósito.
Era tônica da sociedade brasileira ser um pouco benevolente com a corrupção. Em razão de não haver mais a conivência do Ministério Público e da Justiça com a corrupção é que os políticos tomaram a iniciativa de mudar a lei, que existe há muitos anos.
A lista pode abrir espaço para mudar o foro privilegiado? Nós teremos uma revolução em termos de mudança total do sistema político e do sistema punitivo, depois de tudo que nós estamos vivenciando.
Prevê mudanças na questão da criminalização do caixa dois? Sem dúvida alguma. Tudo estava preparado na sociedade para a conivência com esses absurdos políticos. Estamos vendo no que resultou a conivência da sociedade e da própria Justiça com essas irregularidades que se transformaram em marginalidade do sistema político.
Acredita que a lista estimulará o chamado "risco Bolsonaro"? Eu não acredito, porque o povo brasileiro está ficando muito participativo. É outro fenômeno que a Lava Jato provocou. Existe uma camada da nossa população que ainda acredita nesses fenômenos de políticos ultrapassados. Eu acredito que seja fogo de palha.
O nome da senhora foi citado numa das delações por ter recebido dinheiro da Odebrecht para sua campanha a senadora, em 2014. Eu acho foi que foi R$ 200 mil ou R$ 300 mil, não me lembro. Não foi mais do que isso. Mas não foi doação a Eliana Calmon, foi ao partido, ao PSB, que repassou para mim. Esse dinheiro está na minha declaração.
Essa contribuição compromete de alguma forma o seu discurso? Não, em nada. Inclusive, depois da eleição, um dos empregados graduados da Odebrecht perguntou se eu poderia gravar uma entrevista. Os advogados pediam a pessoas com credibilidade para dar um depoimento a favor da Odebrecht, por tudo que a empresa estava sofrendo. Eu não fiz essa gravação. Porque isso desmancharia tudo que fiz como juíza. E, como juíza, sempre agi como Sergio Moro.
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Páscoa do Senhor - Domingo 16/04/2017
Anúncio do Evangelho (Jo 20,1-9)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor.
No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de
Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha
sido retirada do túmulo.
Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o
outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do
túmulo, e não sabemos onde o colocaram”.
Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo. Os
dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e
chegou primeiro ao túmulo. Olhando para dentro, viu as faixas de linho no
chão, mas não entrou.
Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e
entrou no túmulo. Viu as faixas de linho deitadas no chão e o pano que
tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas enrolado num
lugar à parte.
Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado
primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou.
De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura,
segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre André Teles:
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RESSURREIÇÃO de JESUS,
Ressurreição Cósmica
“De repente, houve um grande tremor de terra: o anjo
do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela”
(Mt 28,2)
Iniciamos o Tempo Quaresmal sendo convocados a refletir
sobre os “biomas brasileiros e defesa da vida”. Tal como Jesus, a natureza é
também lugar do padecido, da harmonia quebrada, da bondade violentada, da
beleza ferida... “A criação geme em dores de parto” (Rom 8,22). Jesus e a
Criação carregam a Cruz às costas até o Gólgota.
Há uma crise ecológica que se alastra rapidamente, quebrando
o equilíbrio vital que sustenta a natureza toda. O uso desordenado dos recursos
naturais e o “descuido” como modo habitual de viver, faz sofrer tanto o ser
humano como a própria natureza.
No entanto, a novidade do universo é expressa pelo
Apocalipse:
“Eis que faço novas todas as coisas”- 21,5).
A Ressurreição de Jesus nos oferece uma perspectiva para ver
essa novidade , enquanto a “comunidade de vida” se desenvolve e caminha em
direção ao “Grande Mar Cósmico”.
“Na verdade, o ventre da Terra contraiu-se, a natureza gemeu
em dores de parto.
O túmulo rompeu-se e a pedra rolou. De repente a
Vida!” (Zé Vicente)
O “mistério pascal” é o salto para a novidade, para a
beleza, para a transcendência. Imersos na natureza, a Ressurreição nos faz
descobrir a verdadeira extensão da Vida.
A luz da Ressurreição ilumina toda a Criação: a vida de
Cristo na vida da Terra nos traz alegria e esperança. O universo inteiro é o
“habitat” do Cristo Cósmico.
A aparição de Jesus Ressuscitado no primeiro dia da semana
foi entendida como a aurora do “primeiro dia” da Nova Criação de todas as
coisas. À luz deste “novo dia” de Deus, Cristo aparece como o primogênito de
toda a Criação, que reconcilia todas as coisas no céu e na terra.
O “primogênito entre os mortos” é também o “primogênito de
toda criatura”, por quem todas as coisas foram criadas. A Ressurreição pulsa em
nós e na natureza com o coração de Deus.
Em Cristo, todas as criaturas apontam para o Criador. Elas
também apontam para além de si mesmas, para o futuro da redenção, para sua
forma verdadeira e permanente no Reino de Deus. À luz da Ressurreição
compreendemos a Criação como “criação de Deus”, porque confiamos na fidelidade
de seu Criador, e percebemos a capacidade que ela tem de se transformar, em
vista de sua plenitude.
A Ressurreição é colocada no grande contexto da Criação em
que o próprio ser humano participa. A Ressurreição é encontro com a vida plena,
em um processo da Criação que chega a seu desfecho. Pela Ressurreição,
romperam-se todas as amarras do espaço e do tempo. Cristo ganhou uma dimensão
cósmica. A evolução se transformou numa verdadeira revolução.
O Gólgota remete aos gemidos de parto, e o túmulo vazio
representa a concretização do parto. Nova história, nova criação está iniciada.
O Cristo cósmico surge então como motor da evolução, como seu libertador e seu
plenificador.
A salvação é salvação de toda a Criação e de todas as criaturas,
e não pode ficar restrita à “salvação da alma humana” nem à bem-aventurança da
existência humana. A “ressurreição dos mortos” ocorre nesta terra e leva os que
receberam a vida para uma “nova terra onde mora a justiça, de acordo com sua
promessa” (2Pd. 3,13). O Reino de Deus não é um reino “no” céu, mas ele vem
“assim na terra como no céu”. Ressurreição e vida eterna são promessas de Deus
para os todos os seres desta terra. Por isso, também a ressurreição da natureza
há de levar não para o Além, mas para o Aquém da nova criação de todas as
coisas. Não é para o céu que Deus salva sua Criação, mas Ele renova a terra.
A terra é o palco da vinda do Reino de Deus, por isso a
ressurreição para o Reino de Deus é a esperança desta terra. Sobre esta terra embebida
em sangue esteve a Cruz de Cristo, por isso Deus lhe permanece fiel e afastará
dela toda dor, sofrimento e morte, para Ele mesmo nela vir morar.
“O Reino de Deus é o reino da ressurreição na terra” (Bonhoeffer).
Somos já “seres ressuscitados”: sentimos hoje a urgência de
seguir os caminhos de uma ética ecológica para que possamos nos situar, na
Criação, numa atitude participativa e de cuidado responsável. Cresce um novo
modo de pensar e de conceber o universo enquanto “teia de relações”. Isto
significa que há uma unidade fundamental e uma vasta rede de inter-relações,
conectados a todos os elementos da natureza.
Todos os seres, vivos e não vivos, são parceiros numa
verdadeira “dança cósmica”, numa grande comunhão universal. Fazemos parte de
uma “rede” de relações múltiplas e recíprocas, nas quais o próprio Cristo
Ressuscitado se faz presente, como fonte de vida. Para chegar a viver o Novo
Céu e a Nova Terra é preciso renovar radicalmente este céu tantas vezes opaco e
esta terra tão violada.
Se não houver uma “salvação da natureza”, também não poderá
haver uma salvação definitiva do ser humano, pois os seres humanos são seres da
natureza. Isto obriga a todos os que esperam a ressurreição a permanecerem
fiéis à terra, a respeitá-la, cuidá-la e amá-la como a si mesmos.
Na perspectiva da natureza, a ressurreição de Cristo
significa que com Ele teve início a universal “destruição da morte” (1Cor.
15,26), e que se torna visível o futuro da Nova Criação, quando a morte deixar
de existir.
A ressurreição dos mortos, a destruição da morte e a
ressurreição da natureza constituem os pressupostos para a eterna Criação que
participa da habitação do Deus vivo e eterno.
A Criação “no princípio” está orientada para este fim. De
acordo com isto “toda a Criação geme conosco” e esta é a verdadeira
ressurreição da natureza.
Este é o lado cósmico da esperança da ressurreição. As
forças do pecado e da morte, destrutivas e contrárias a Deus, são expulsas da
criação, que é boa, e na presença do Deus vivo esta se transformará em uma
criação eternamente viva.
O Deus que ressuscita os mortos é o mesmo Deus que chamou
todas as coisas do nada à existência; Aquele que ressuscitou Jesus dos mortos é
o Criador do novo ser de todas as coisas.
Ressurreição e Criação constituem, portanto, uma unidade,
pois a ressurreição dos mortos e a destruição da morte são a completude da
criação original.
Texto bíblico: Mt 28,1-10
Na oração: Fico maravilhado com a nova comunidade universal
de vida que emerge da Noite Pascal. A Luz da Ressurreição integra tudo.
Considero como nosso Senhor ressuscitado revela toda a vida
futura do universo como uma comunidade em evolução de esplendor e diversidade
crescentes. Reflito como Cristo nos leva a evoluir para uma humanidade em
plenitude, vivendo uma relação plena com todas as criaturas.
Fraternizo com todas as criaturas e me faço humano em toda
minha plenitude.
Páscoa: um salto para a transcendência... para o Novo Céu e
Nova terra
Na Basílica de São Pedro o Papa presidiu a solene liturgia
da Ressurreição do Senhor
15 ABRIL 2017
(ZENIT – Cidade do Vaticano, 15 Abr. 2017).- O Papa
Francisco presidiu neste Sábado Santo, 15 de abril, na Basílica de São Pedro, a
solene Vigília Pascal da Ressurreição do Senhor. Eis a homilia do Santo
Padre, na íntegra.
«Terminado o sábado, ao romper do primeiro dia da semana,
Maria de Magdala e a outra Maria foram visitar o sepulcro» (Mt 28, 1). Podemos
imaginar aqueles passos: o passo típico de quem vai ao cemitério, passo cansado
da confusão, passo debilitado de quem não se convence que tudo tenha acabado
assim. Podemos imaginar os seus rostos pálidos, banhados pelas lágrimas. E a
pergunta: Como é possível que o Amor tenha morrido?
Ao contrário dos discípulos, elas ali vão, como já
acompanharam o último respiro do Mestre na cruz e, depois, a sepultura que Lhe
deu José de Arimateia; duas mulheres capazes de não fugir, capazes de resistir,
de enfrentar a vida tal como se apresenta e suportar o sabor amargo das
injustiças. Ei-las chegar diante do sepulcro, divididas entre a tristeza e a
incapacidade de se resignarem, de aceitarem que tudo tenha sempre de acabar
assim. E, se fizermos um esforço de imaginação, no rosto destas mulheres
podemos encontrar os rostos de tantas mães e avós, os rostos de crianças e
jovens que suportam o peso e o sofrimento de tanta desumana injustiça.
Nos seus rostos, vemos refletidos os rostos de todos aqueles
que, caminhando pela cidade, sentem a tribulação da miséria, a tribulação
causada pela exploração e o tráfico humano. Neles, vemos também os rostos
daqueles que experimentam o desprezo, porque são imigrantes, órfãos de pátria,
de casa, de família; os rostos daqueles cujo olhar revela solidão e abandono,
porque têm mãos com demasiadas rugas.
Refletem o rosto de mulheres, de mães que choram ao ver que
a vida dos seus filhos fica sepultada sob o peso da corrupção que subtrai
direitos e quebra tantas aspirações, sob o egoísmo diário que crucifica e
sepulta a esperança de muitos, sob a burocracia paralisadora e estéril que não
permite que as coisas mudem. Na sua tristeza, elas têm o rosto de todos aqueles
que, ao caminhar pela cidade, veem a dignidade crucificada. No rosto destas
mulheres, há muitos rostos; talvez encontremos o teu rosto e o meu.
Como elas, podemos sentir-nos impelidos a caminhar, não nos
resignando com o facto de que as coisas devem acabar assim. É verdade que
trazemos dentro uma promessa e a certeza da fidelidade de Deus. Mas também os
nossos rostos falam de feridas, falam de muitas infidelidades – nossas e dos
outros –, falam de tentativas e de batalhas perdidas. O nosso coração sabe que
as coisas podem ser diferentes; mas, quase sem nos apercebermos, podemos
habituar-nos a conviver com o sepulcro, a conviver com a frustração. Mais
ainda, podemos chegar a convencer-nos de que esta seja a lei da vida
anestesiando-nos com evasões que nada mais fazem que apagar a esperança
colocada por Deus nas nossas mãos.
Muitas vezes, são assim os nossos passos, é assim o nosso
caminhar, como o destas mulheres, um caminhar por entre o desejo de Deus e uma
triste resignação. Não morre só o Mestre; com Ele, morre a nossa esperança.
«Nisto, houve um grande terremoto» (Mt 28, 2). De improviso, aquelas mulheres
receberam um forte estremeção, algo e alguém fez tremer o solo sob os seus pés.
Mais uma vez, alguém vem ao encontro delas dizendo: «Não tenhais medo», mas
desta vez acrescentando: «Ressuscitou, como tinha dito». E tal é o anúncio com
que nos presenteia, de geração em geração, esta Noite Santa: Não tenhamos medo,
irmãos! Ressuscitou como tinha dito.
A vida arrancada, destruída, aniquilada na cruz despertou e
volta a palpitar de novo (cf. R. Guardini, Il Signore, Milão 1984, 501). O
palpitar do Ressuscitado é-nos oferecido como dom, como presente, como
horizonte. O palpitar do Ressuscitado é aquilo que nos foi dado, sendo-nos
pedido para, por nossa vez, o darmos como força transformadora, como fermento
de nova humanidade. Com a Ressurreição, Cristo não deitou por terra apenas a
pedra do sepulcro, mas quer fazer saltar também todas as barreiras que nos
fecham nos nossos pessimismos estéreis, nos nossos mundos conceptuais bem
calculados que nos afastam da vida, nas nossas obcecadas buscas de segurança e
nas ambições desmesuradas capazes de jogar com a dignidade alheia.
Quando o sumo sacerdote, os chefes religiosos em conivência
com os romanos pensaram poder calcular tudo, quando pensaram que estava dita a
última palavra e que competia a eles estabelecê-la, irrompe Deus para
transtornar todos os critérios e, assim, oferecer uma nova oportunidade. Uma
vez mais, Deus vem ao nosso encontro para estabelecer e consolidar um tempo
novo: o tempo da misericórdia. Esta é a promessa desde sempre reservada, esta é
a surpresa de Deus para o seu povo fiel: alegra-te, porque a tua vida esconde
um germe de ressurreição, uma oferta de vida que aguarda o despertar.
Eis o que esta noite nos chama a anunciar: o palpitar do
Ressuscitado, Cristo vive! E foi isto que mudou o passo de Maria de Magdala e
da outra Maria: é o que as faz regressar à pressa e correr a dar a notícia (Mt
28, 8); é o que as faz voltar sobre os seus passos e sobre os seus olhares;
regressam à cidade para se encontrar com os outros. Como entramos com elas no
sepulcro, assim vos convido a irmos também com elas, a regressarmos à cidade, a
voltarmos sobre os nossos passos, sobre os nossos olhares.
Vamos com elas comunicar a notícia, vamos… a todos aqueles
lugares onde pareça que o sepulcro tenha a última palavra e onde pareça que a
morte tenha sido a única solução. Vamos anunciar, partilhar, revelar que é
verdade: o Senhor está Vivo. Está vivo e quer ressurgir em tantos rostos que
sepultaram a esperança, sepultaram os sonhos, sepultaram a dignidade. E, se não
somos capazes de deixar que o Espírito nos conduza por esta estrada, então não
somos cristãos. Vamos e deixemo-nos surpreender por esta alvorada diferente,
deixemo-nos surpreender pela novidade que só Cristo pode dar. Deixemos que a
sua ternura e o seu amor movam os nossos passos, deixemos que o pulsar do seu
coração transforme o nosso ténue palpitar.