No próximo domingo, na praça do Vaticano, vou assistir à
canonização de Irmã Dulce.
Irmã Dulce não é apenas a primeira santa brasileira, ela é a
primeira CEO brasileira a ser canonizada.
A Organização Social Irmã Dulce é o seu primeiro milagre.
Franzina, saúde frágil, ela não tinha a rigor condições físicas de fazer nada
nem de segurar um copo de água.
Mas seu hospital de mil leitos construído sabe Deus como é
obra do seu empreendedorismo. O hospital começou num galinheiro nos fundos do
convento e hoje tem 40 mil m2.
Conheço bem a história da santa porque Irmã Dulce, que tinha
sérios problemas pulmonares, era paciente do meu pai, médico pneumologista. Meu
irmão André Guanaes, quando residente, também foi seu médico. Ele conta algo
que é típico da situação de tantos CEOs no Brasil: os problemas respiratórios
de Irmã Dulce pioravam todo fim de mês. E ele sempre a escutava dizer: dia tal
eu tenho 3 milhões para pagar, isso é problema de Santo Antônio, isso não é meu
problema, isso é um problema dele.
O problema era de Santo Antônio, mas era ela quem ia pedir a
Antônio Carlos Magalhães, a Ângelo Calmon e a outros poderosos da Bahia e do
Brasil.
Ela era santa com os pobres, mas não era santa com os ricos.
Com esses, ela era pragmática. Como uma boa CEO, conversava com todo o mundo.
Com a direita, com a esquerda, com o que está entre as duas e além. Sua relação
com o grande líder espírita da Bahia, o igualmente santo Divaldo Franco, é
maravilhosa. Foi, assim, maior que a igreja que agora a canoniza.
Escrevo este artigo emocionado porque conheço a história de
perto - de seu início no bairro pobre de Alagados até os atuais 2 milhões de
atendimentos ambulatoriais, 18 mil internamentos e 12 mil cirurgias por ano.
Como uma pessoa que dormia sentada por causa dos problemas pulmonares pode
tocar uma obra desse tamanho? Milagre.
Tudo na Bahia que eu nasci e cresci era destinado a ajudar
as obras assistenciais de Irmã Dulce: bingo, quermesse, show. Era tudo para ela
pagar o seu fim de mês.
Nesse mesmo espírito, estou participando de uma iniciativa
artística na Bahia para celebrar a nossa santa. 77 artistas da música baiana
foram a estúdio gravar a música de Irmã Dulce. Ivete Sangalo, Luís Caldas (que
criou a música axé), Margareth Menezes (que vai cantar no Vaticano) e dezenas
de músicos talentosos gravaram com dedicação e disponibilidade que nunca vi.
Decidi me dedicar cada vez mais a causas sociais. Sou
orgulhoso e odeio pedir, mas isso não combina com obra social. Dou do meu e dou
de mim e fico imaginando o que a frágil Irmã Dulce passou para ampliar,
modernizar e manter a cada fim de mês seu hospital de mil leitos.
Uma obra dessa não se faz só com bondade, mas com
determinação, com disciplina, com empreendedorismo.
Ela era focada, cercou-se dos melhores, aplicava orçamento
base zero (era uma Beto Sicupira de hábito) e tinha um modo peculiar de
levantar fundos: ficava na sala de espera do futuro doador e só saía de lá
quando o próprio se dignava a recebê-la. O povo da Bahia é testemunha.
Por isso, 15 mil baianos vão a Roma no dia 13 assistir à
canonização. E, no dia 20, Salvador vai parar para ver a missa de sua
canonização no Estádio da Fonte Nova.
Irmã Dulce não é uma santa católica. Ela é uma santa baiana.
São devotos dela a mãe de santo, o ateu, o pastor e até o padre. Desafio a
Harvard Business School a escrever o estudo de caso de Irmã Dulce, a primeira
CEO brasileira a ser canonizada pelo Vaticano.
Nizan Guanaes, empreendedor, fundador do Grupo ABC
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Lucas.
— Glória a vós, Senhor.
Aconteceu que, caminhando para Jerusalém, Jesus passava
entre a Samaria e a Galileia. Quando estava para entrar num povoado, dez
leprosos vieram ao seu encontro. Pararam à distância, e gritaram:
“Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!”
Ao vê-los, Jesus disse: “Ide apresentar-vos aos
sacerdotes”.
Enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados. Um
deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta
voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu.
E este era um samaritano. Então Jesus lhe perguntou: “Não foram dez os
curados? E os outros nove, onde estão? Não houve quem voltasse para dar
glória a Deus, a não ser este estrangeiro?” E disse-lhe: “Levanta-te e
vai! Tua fé te salvou”.
“Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, a não ser
este estrangeiro? (Lc 17,18)
Lucas descreve, ao longo de seu livro, o acontecimento
salvífico de Jesus como uma “viagem”. Mais uma vez, o evangelho deste
domingo nos recorda que Jesus está a caminho de Jerusalém, onde os conflitos
com as autoridades religiosas atingirão o ponto máximo, culminando na sua morte
e na entrega total. Nessa subida, a salvação vai se fazendo presente, não só no
final do caminho. Muitos dos oprimidos e excluídos, que estavam à beira do
caminho, foram reconstruídos em sua dignidade pela presença itinerante de
Jesus.
No seu deslocamento contínuo, Jesus está sempre com os seus
sentidos abertos, atento a tudo e todos. Não é alguém distraído, centrado em si
mesmo e incapaz de ver e ouvir aqueles que cruzam o seu caminho. Seus sentidos
transbordam compaixão.Nesse caminho, dez leprosos saem ao seu encontro. Assim
como exigia sua condição de enfermos contagiosos (inabilitados para a
convivência social), param ao longe e se comunicam através dos gritos: “Jesus,
Mestre, tem compaixão de nós!”.
Enfermidade é a lepra, mas maior enfermidade é a falta de fé
(de enraizamento e confiança na vida, de escuta e de ajuda mútua); não cremos
em Deus, não cremos unos nos outros, e assim vivemos em conflito permanente, em
um mundo de leprosos, submetidos a um sistema que violenta e exclui.
É urgente superar a “lepra” de uma vida marcada por
imposições e medos, optar pelo caminho de Jesus, que é a fé que salva;
precisamos passar por uma profunda limpeza de pele em nosso interior, para
eliminar todo vestígio das lepras da intolerância, do preconceito, da
indiferença..., que rompem toda possibilidade de viver encontros humanizadores.
Jesus escuta os gritos e olha aqueles leprosos. Todos temos
experiência que, dirigir nosso olhar para alguém – um olhar carregado de
respeito e ternura - é um dos meios que mais o reabilita, quando este está
enfermo. Muito mais ainda, quando se trata de alguém que sofre exclusão e
experimenta continuamente como as pessoas desviam dele seu olhar.
Olhar cara a cara, centrar em alguém nossos olhos e
deixar-nos olhar por ele, nos compromete e nos impede passar ao largo. Ao
vê-los, Jesus coloca os leprosos como protagonistas, no centro de atenção de
todos. Eles lhe gritaram suplicando-lhe compaixão e isso é o que receberam já
d’Ele: um olhar compadecido e atento, que percebe as necessidades deles, antes mesmo
de serem explicitadas.
Estranhamos o método terapêutico que Jesus emprega aqui. Ele
olha para eles e diz: “Ide apresentar-vos aos sacerdotes”. Evidentemente, Jesus
não vê apenas o exterior dos doentes; seu olhar expressa que Ele os acolhe e
assim lhes transmite dignidade e ativa neles a autonomia; ao olhá-los, diz que
devem apresentar-se aos sacerdotes. Nessa palavra, apesar de sóbria, os doentes
encontram a esperança de que os sacerdotes os proclamarão puros, e de que assim
poderão voltar à comunhão humana e religiosa.
Neste ponto, o relato já poderia ser dado por concluído. Se
este continua é porque o mais importante vai ser descrito a seguir. Dos dez
leprosos, um deles, vendo-se curado, não chega a apresentar-se aos sacerdotes,
mas dá meia volta em seu caminho para prostrar-se por terra aos pés de Jesus e
manifestar-lhe uma profunda gratidão, ao mesmo tempo que louva a Deus. Com este
gesto reconhece Jesus não só como seu “mestre”, mas como um sanador e Salvador.
A sua admiração por ter sido curado se torna caminho de
retorno e hino de gratidão.
Este leproso samaritano está disposto a começar de novo, do
zero, e Jesus com ele, iniciando um caminho arriscado de fé salvadora. Ele
regressará à sua casa com a certeza de que a cura manifestada em sua pele
atravessou, na realidade, todo seu ser. As palavras de Jesus “levanta-te e vai!
Tua fé te salvou”, serão o motor para empreender o caminho mais uma vez, e o
profundo agradecimento experimentado o fará viver de um modo novo.
O destaque do agradecimento deste samaritano se converte
para nós hoje um convite a sermos agradecidos. Quem se sente agradecido para
com alguém, mantém uma relação próxima com essa pessoa, está atenta a ela,
escuta-a e deseja demonstrar-lhe sua gratidão.
Viver como agradecidos é reconhecer que tudo é dom, que nada
nos é devido, que tudo parte de um Deus Misericórdia, cuja grandeza e bondade
são insondáveis. Intuir isto, é reconhecer que só podemos viver diante d’Ele
dando-lhe graças. E isso gera um modo novo de nos situar não só diante de Deus,
mas também diante dos outros e de nós mesmos.
Na experiência bíblica, a gratidão nasce com naturalidade e
espontaneidade nos corações humildes, nas pessoas conscientes de que aquilo que
recebem não é por mérito ou retribuição. Tudo é gratuidade.
A gratidão é a virtude humana por excelência. Por um pouco
que a deixemos aflorar, a gratidão irá abrindo caminho, pacificando nosso
coração e fazendo emergir, ao mesmo tempo, o melhor que há em nós.
A gratidão é um sentimento profundamente terapêutico: ela
nos afasta dos obscuros pensamentos e nos situa na terra firme da presença, em
sintonia com o presente.
Para que isto seja possível a gratidão deve ser um estado
duradouro da personalidade. Um modo de ser que desperta a pessoa para ativa uma
consciência assombrada de ter recebido um dom não buscado de alguém que não
espera nada em troca, um dom que provoca um estado emotivo que a livra de
ressentimentos, e que a leva a reagir, por sua vez, de modo positivo e
altruísta com os demais. Por isso, há um tom de assombro na atitude agradecida:
Não só “por quê a mim?”, mas, sobretudo, “como é possível esta generosidade?”
Começamos agradecendo a alguém por algo, e isto está bem.
Mas, uma vez emergida ou sentida, se permanecemos em conexão consciente com
ela, a gratidão revelará aquilo realmente somos: outro nome ou dimensão de
nossa verdadeira identidade.
Comprovaremos então que a gratidão não é só algo que fazemos
ou sentimos, senão que é exatamente o que somos: seres vulneráveis e
dependentes que, em sua verdadeira identidade, somos gratidão.
Dirigida para aqueles que nos acolhem e nos cuidam, a
gratidão fará com que se renove nosso olhar para eles, para vê-los em sua
verdadeira beleza e, mais além, reconhecê-los naquela mesma e única identidade
que compartilhamos. Atendida em si mesma, a gratidão nos mostra que estamos em
“casa”.
A gratidão é atitude fundamental para a integridade pessoal;
muitos relacionam a gratidão com a maturidade humana e com a melhoria relações
interpessoais, ou ainda com a felicidade. Constata-se que as pessoas
agradecidas mostram uma tendência notável a apreciar as pequenas satisfações e
prazeres que costumam estar ao alcance de todos, e que muitos não
percebem.
A pessoa capaz de agradecimento aparece, de modo constante,
como mais extrovertida, mais aberta, mais responsável e amável. E, como
facilmente podia prever-se, menos neurótica. Uma pessoa ingrata é uma pessoa
doente, incapaz de reconhecer-se cercada de tantos dons e cuidados. Por isso,
para S. Inácio, o agradecimento é a experiência humana que mais pura e
decididamente mobiliza a generosidade da pessoa. Em outro contexto, o mesmo S.
Inácio afirma que a ingratidão é o maior de todos os pecados. De fato, ela
envenena as relações, petrificando nossa interioridade e levando-nos a um processo
de desumanização.
Texto bíblico: Lc 17,11-19
Na oração: Todos vivemos o milagre diário da vida, mas
só alguns sabem agradecer. Nossa vida inteira deve navegar em um mar de ação de
graças.
A memória agradecida é o húmus natural de onde brota a
gratidão. Só a generosidade gratuita do coração de Deus é capaz de reconfigurar
mentes e encorajar atitudes oblativas em nós.
- Faça memória de tantos dons e bens recebidos, e deixe
brotar naturalmente do seu interior, o desejo uma resposta generosa e radical
ao Deus que é Fonte de tudo.