O fim da Cultura
Como se fosse uma
obrigação, todas as vezes que fui a São Paulo, nos últimos anos, visitei a
Livraria Cultura, na Avenida Paulista. Era uma forma de me manter em dia com os
lançamentos literários, o que é muito importante para um homem com o meu tipo
de atividades profissionais. Agora isso poderá deixará de existir, em virtude
do fechamento daquele famoso espaço. É de se lamentar que isso tenha ocorrido,
pondo fim ao sonho da família Herz.
É muito triste ver
as fotos das estantes esvaziadas no Conjunto Nacional, depois de decretação da
falência da loja. Na sentença, o juiz afirmou que o grupo não conseguiu superar
a sua crise econômica. Tem uma dívida declarada de 285 milhões de reais, entre
aluguéis e prestações de contas, inclusive dívidas trabalhistas. Há diversas
editoras com o registro de créditos enormes, como a Record, a Companhia das
Letras, a Sextante, a Panini e a Intrínseca. São 76 editoras brasileiras como
credoras somente no Rio de Janeiro. A empresa pode (e vai recorrer), mas
sabe-se que é um processo demorado.
A administração da
livraria apontou diversas causas principais para justificar esse fato
profundamente lamentável: altos custos de produção, queda na demanda por
livros, falta de interesse por leitura e a nossa profunda crise econômica desde
2014. É claro que estamos vivendo uma nova realidade pedagógica, com outros e
revolucionários formatos de transmissão de conhecimento. Isso naturalmente
teria que provocar consequências.
No Rio,
praticamente ao mesmo tempo, fechou outra livraria tradicional em Ipanema: a
Galileu Galilei. Não se tem como comemorar tais fatos, pois abalam o nosso
arcabouço cultural. O triste, nisso tudo, é que não existe nenhuma reação por
parte dos governos, de qualquer instância. Já existe, é certo, um novo
Ministério da Cultura, mas ninguém soube de qualquer reação das novas
autoridades a propósito do assunto. Um país com mais de 60 milhões de
estudantes não pode sobreviver sem bibliotecas e livrarias compatíveis com o
seu tamanho e as suas perspectivas de crescimento. Assistir a isso tudo de
forma silenciosa é o que de pior pode acontecer. Está mais do que na hora de
protestar contra esse tipo de descaso com o nosso futuro.
Planalto em pauta,
17/02/2023
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Arnaldo Niskier
- Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na
sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela
acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos
Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e
1999.
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