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quarta-feira, 13 de julho de 2022

ERA SÓ SAUDADE DE EUNICE – Ariston Caldas


Era só Saudade de Eunice

Gostaria que a moça se chamasse Eunice, nome perfeitamente assentado.

            Ela passava pelo meio da rua em pleno trânsito de pessoas e lançou para ele um olhar discreto, mas como quem repara; sentiu que a moça ia apressada, por isso não entendeu por que o olhar dela pareceu-lhe transmitir alguma mensagem, como a perguntar, “tudo bem, Miraldo?”. Apesar da rapidez, pôde notar-lhe os traços do rosto, a boca de lábios finos, o cabelo de índio. Como seria o nome da moça? Mesmo que fosse coisa estranha, para ele seria Eunice, certamente o mais adequado. Quase impossível chamar-se Shirley ou Ingrid – índio não tem nome de gringo. – E se a moça tivesse um sinalzinho preto entre um seio e outro, tudo ficaria justificado, indubitavelmente. Melhor ainda se ela tivesse uma obturação de ouro na parte superior dentária, lado direito, igual a de Eunice que fora sua vizinha na Praça Independência onde ele se criou.

            Tinha claras lembranças de Eunice, bonita, cabelo de índio, um sinalzinho preto embutido entre um seio e outro, descoberto por ele na praia durante um banho de mar. Chegou a apaixonar-se por Eunice, de repente, e o negócio só não foi para a frente por causa da diferença de idades, ela com vinte, ele com menos de quinze. “Besteira”, pensava agora, lamentando a perda.

            Pensou em outros nomes para a moça que passara por ele no meio da rua regurgitando de gente apressada mas nenhum assentava bem como Eunice, adequado para o tipo de cima a baixo. Teve vontade de segui-la rua a fora mas a esse tempo ela havia se perdido entre o burburinho de pessoas apressadas desviando-se umas das outras. Uma confusão. Voltou algumas jardas, numa tentativa; nem adiantou, a moça havia sumido definitivamente. Sabia, sem dúvida, não tratar-se de Eunice, o tempo entre uma e outra já era longo, mais de doze anos. Eunice, hoje, estará amadurecida, mesmo que não tenha cabelo branco, coisa pouco provável para gente índia, com a pele enrugando, os seios caindo, os olhos frios, criando uma ruma de meninos, muito trabalho e outras consumições que ele as sabia.

            A moça que vira no meio da rua agitada, seria igual a Eunice moderna no tempo em que morava na Praça Independência,  bonita, saudável, cabelo liso parecendo seda. Será que a moça do meio da rua terá um sinalzinho preto? Havia outros detalhes que justificavam a parecença das duas, com o olhar atravessando despretensioso, colo amplo, de tonalidade morena uniforme como se fora veludo; o jeito do cabelo exótico partido ao meio, a derramar-se em brilho pelo rosto, às vezes escondendo os olhos que no momento cruzaram-se rapidamente para ele, cara a cara, como a perscrutar-lhe curiosos.  Um susto! Notara até os pés da moça medidos numas sandálias vermelhas semelhantes às que Eunice gostava nos dias de sol, nas tardes de domingo pelo jardim no meio da praça Independência. Tudo lhe esquentara o juízo, mais ainda depois que ele deu de olho no sinalzinho cravado entre um seio e outro. Certo é que banzou por Eunice e só perdeu a esperança depois que ela meteu-se com um sujeito sarará que vendia utensílios de alumínio pelas portas.

            Andou algum tempo lembrando da moça de cabelo liso parecida com Eunice que morou na praça Independência, que desentendeu-se com ele por causa da diferença de idades. Quantos anos teria o sujeito que vendia alumínio pelas portas? Vermelho, espadaúdo, braços robustos recobertos de cabelos cor de cobre. Sentia a presença do sujeito na praça pelo estrídulo da buzina. Tipo esquisito, desassentado para Eunice da cor de índio, cabelo brilhando, sinalzinho preto entre um peito e outro. Será que o sujeito visgou-se a ela por causa do sinal? – indagava-se, a momentos, à toa.

            Fazia calor, estava pingando de suor; entrou numa lanchonete e pediu um sorvete duplo, de coco, enquanto lembrava de Eunice, da moça de olhar atravessando, no meio da rua, gente que só formiga. Meditou, finalmente, que nunca mais voltaria a vê-la, a não ser através da imagem de Eunice fincada de corpo inteiro em seu miolo, desde o tempo da praça Independência; na janela, no jardim, na lanchonete onde tomava sorvete, tudo isso antes de embaraçar-se com o sujeito sarará que vendia utensílios de alumínio pelas portas, tocando uma buzina insuportável.

 


(LINHAS INTERCALADAS)

Ariston Caldas

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