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domingo, 23 de fevereiro de 2020

UMA DECLARAÇÃO EPISCOPAL DIGNA DE REPÚDIO - José Antonio Ureta


21 de fevereiro de 2020

Bispos da CNBB norte 1 manifestam repúdio ao projeto de lei do presidente Jair Bolsonaro que estabelece mineração em terras indígenas

José Antonio Ureta

A tinta utilizada na Querida Amazônia – nome da exortação pós-sinodal do Papa Francisco – ainda não havia secado e os prelados da Regional Norte 1 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) já publicavam, com base nela, uma nota de repúdio a um projeto de lei do governo Bolsonaro [nota abaixo] viabilizando a exploração de recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas. A referida nota foi pressurosamente noticiada pelo Vatican News, órgão central da rede de mídia da Santa Sé. Clique aqui para ampliar a nota de repúdio da CNBB norte 1

Os bispos citam em seu apoio o n° 14 da referida exortação, segundo o qual as operações econômicas que danificarem a Amazônia e não respeitarem os direitos dos povos originários deveriam ser rotuladas de “injustiça e crime”. O condicional, assaz retórico, é da própria exortação.

Seria o Projeto de Lei 191/20 injusto e criminoso, danificaria a Amazônia e não respeitaria os direitos dos índios?

Um católico deve avaliar o respeito à justiça – ou a violação criminosa da mesma – primeiramente com base na doutrina social católica e, logo depois, em função da legislação do país concernido.

O que ensina a doutrina social católica a respeito da utilização dos recursos naturais de um país? O Compêndio da doutrina social da Igreja, publicado pelo Pontifício Conselho “Justiça e Paz” no pontificado de João Paulo II, nos fornece alguns elementos básicos.

O primeiro desses elementos é que “o bem comum empenha todos os membros da sociedade” e “exige ser servido plenamente, não segundo visões redutivas subordinadas às vantagens de parte que se podem tirar” (n° 167). Esse princípio aplica-se não somente à maioria da população urbanizada, mas também às populações que habitam em terras indígenas.

Por causa dessa validez universal, “a responsabilidade de perseguir o bem comum compete, não só às pessoas consideradas individualmente, mas também ao Estado, pois que o bem comum é a razão de ser da autoridade política” (n° 168), para o que “o governo de cada País tem a tarefa específica de harmonizar com justiça os diversos interesses setoriais” (n° 169). No caso em apreço, trata-se da harmonização dos interesses nacionais com os interesses das populações indígenas.

O segundo elemento importante a ser considerado é o princípio da destinação universal dos bens (n° 171), que não significa “que tudo esteja à disposição de cada um ou de todos, e nem mesmo que a mesma coisa sirva ou pertença a cada um ou a todos” (n° 173), posto que a propriedade privada é um elemento essencial ao desenvolvimento individual, ao bom uso dos bens e a uma reta ordem social (n° 176). Mas a destinação universal dos bens faz com que o direito à propriedade privada não seja considerado como um direito absoluto e intocável, mas esteja subordinado ao bem comum (n° 177). Também isso é válido para o direito dos índios sobre suas reservas.

Por esse motivo, há de se reconhecer que toda forma de posse privada tem uma função social em relação “às exigências imprescindíveis do bem comum”. Daí decorre “o dever dos proprietários de não manter ociosos os bens possuídos e de destiná-los à atividade produtiva, confiando-os também a quem tem desejo e capacidade de levá-los a produzir” (n° 178). Como é óbvio, esse dever grava não somente o direito dos produtores privados na exploração das suas propriedades, mas também o direito dos povos indígenas enquanto proprietários das suas reservas.

O terceiro elemento a se ter em vista é o princípio de subsidiariedade, o qual impede privar os indivíduos ou as sociedades intermediárias daquilo que eles podem realizar por força e indústria próprias a fim de confiá-lo à comunidade nacional (n° 186), mas que, em sentido contrário, pode aconselhar o Estado a exercer uma função supletiva nas situações em que os primeiros não sejam capazes de assumir autonomamente uma iniciativa necessária ao bem comum (n° 188). É o caso, por exemplo, dos empreendimentos hidroelétricos ou de gás, que exigem grandes investimentos.

De fato, “uma das questões prioritárias na economia é o emprego dos recursos”, para o que cada sociedade deve “empregá-los do modo mais racional possível, seguindo a lógica ditada pelo princípio de economia” (n° 346). Por isso, “a tarefa fundamental do Estado no âmbito econômico é a de definir um quadro jurídico apto a regular as relações econômicas”, salvaguardando as condições primárias de uma economia livre (n° 352).

Uma vez definido esse marco jurídico, “deve-se sempre perseguir com constante determinação o objetivo de um justo equilíbrio entre liberdade privada e ação pública”, o qual deve ater-se a “critérios de equidade, racionalidade e eficiência”, tendo sempre em vista o bem comum (n° 354). O emprego racional dos recursos é uma exigência válida para todo o território de um país, incluída a Amazônia, que não merece ser transformada numa favela verde.

No que se refere ao respeito à natureza, a doutrina social da Igreja também fornece alguns princípios importantes, válidos para a imensa região em questão.

O primeiro deles é que “os resultados da ciência e da técnica são, em si mesmos, positivos”, pelo que “o Magistério tem repetidas vezes sublinhado que a Igreja católica não se opõe de modo algum ao progresso” (n° 457) e suas considerações “valem também para a sua aplicação ao ambiente natural e à agricultura” (n° 458). É o que pensa não somente a imensa maioria da população amazônica, mas também a maioria dos índios, que não querem viver de programas de assistência social, mas de seu próprio trabalho e engenho.

De fato, uma correta concepção do meio ambiente não pode absolutizar a natureza a ponto de divinizá-la, “como se pode facilmente divisar em alguns movimentos ecologistas”, razão pela qual o Magistério tem manifestado sua oposição “e sua contrariedade a uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo” (n° 463). É precisamente essa sacralização da Amazônia que leva as ONGs ambientalistas e os neomissionários adeptos da Teologia da Libertação a se oporem a qualquer projeto de desenvolvimento econômico na Amazônia.

Nada há, portanto, na doutrina social da Igreja Católica, que se oponha em princípio a uma exploração dos recursos da Amazônia existentes no solo das reservas indígenas, se tal exploração for requerida pelo bem comum do País. Obviamente, a limitação dos direitos de uso e usufruto, bem como os eventuais prejuízos que dita exploração vier a acarretar para as respectivas populações devem ser compensados, como tem sido feito em projetos prévios em outras áreas não indígenas.

Se não há um impedimento moral, haverá pelo menos algum empecilho legal?

Dois artigos da Constituição Federal do Brasil justificam o projeto de exploração introduzido pelo governo Bolsonaro no Legislativo.

O art. 176 estipula que as jazidas e demais recursos minerais, assim como os potenciais de energia hidráulica “constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”.

Por sua vez, o inciso 3º do art. 231 declara que o aproveitamento dos recursos hídricos e das riquezas minerais em terras indígenas “só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.

Presidente Jair Bolsonaro com lideres indígenas

Foto: Carolina Antunes / Presidência da República


É precisamente isto que o projeto de lei 191/20 regulamenta. A justificação do mesmo – inteiramente coerente com o ensino da doutrina social da Igreja acima resumida – foi feita repetidas vezes pelo presidente Jair Bolsonaro, que desde a sua posse defende o aproveitamento econômico de territórios indígenas:

“Em Roraima há R$ 3 trilhões embaixo da terra. E o índio tem o direito de explorar isso de forma racional, obviamente. O índio não pode continuar sendo pobre em cima de terra rica”, declarou o mandatário em abril de 2019, com o caloroso aplauso de representantes de várias etnias que reivindicam o direito de explorar as reservas tradicionais.

Em concordância com o princípio de justiça enunciado pela moral social católica, o texto do Executivo garante uma indenização às comunidades afetadas por um projeto ao verem restringido seu direito ao usufruto dessa área de suas terras. Tal indenização deverá levar em conta o grau de restrição imposto pelo respectivo empreendimento.

Respeitando o teor do art. 231 da Constituição, além da justa indenização, o projeto reserva às comunidades indígenas cujas áreas sejam utilizadas para a exploração econômica o direito de receber quantias volumosas a título de participação nos resultados:  0,7% do valor da energia elétrica produzida; entre 0,5% e 1% do valor da produção de petróleo ou gás natural; e 50% da compensação financeira pela exploração de recursos minerais. Calculados per capita, esses valores serão muito altos, porquanto se sabe que as populações das reservas indígenas são muito pouco numerosas em proporção com o tamanho dos respectivos territórios.

Para garantir os direitos dos nativos e respeitar o princípio de subsidiariedade, o texto prevê ainda a criação de conselhos curadores, de natureza privada, que serão compostos por indígenas e por responsáveis pela gestão dos recursos financeiros. Os pagamentos deverão ser depositados pelos empreendedores privados, por meio de transferência bancária, na conta do conselho curador. E, na distribuição desses recursos, os conselhos curadores deverão respeitar a autonomia dos povos envolvidos, o respeito aos seus modos tradicionais de organização e a legitimidade das associações representativas das comunidades indígenas afetadas.

Finalmente, qualquer projeto de exploração de recursos deverá ser antecedido por estudos técnicos acerca de sua factibilidade e caberá ao órgão ou entidade responsável pelo estudo prévio solicitar à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) um diálogo com as comunidades indígenas, para que sejam respeitados usos, costumes e tradições dos povos envolvidos.

Aplicando-se o princípio segundo o qual o bem comum prevalece sobre o bem individual e considerando que a propriedade privada não é um direito absoluto, se dita interlocução não for possível ou a se autorização para ingresso na terra indígena não for obtida, o estudo técnico poderá ser elaborado com dados e elementos disponíveis.

Após a conclusão do estudo prévio, o governo federal definirá quais áreas poderão ser exploradas. No caso de minérios, as áreas autorizadas pelo Congresso Nacional para a realização de pesquisa e lavra serão licitadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas, no caso específico da lavra garimpeira, as comunidades indígenas concernidas terão o direito de decidir realizá-la diretamente ou em parceria com não indígenas, o que importa num direito de veto.

De todo o anterior se deduz que não há nenhum óbice moral ou legal à aprovação do projeto de lei do governo brasileiro que viabiliza a exploração de recursos minerais e a geração de energia elétrica em terras indígenas.

O repúdio dos bispos da Regional Norte 1 ao referido projeto, sob o pretexto de que ele  danificará a Amazônia e não respeitará os direitos dos índios, é motivado pelos preconceitos ideológicos das ONGs ambientalistas, da moribunda Teologia da Libertação e de seu filhote, o Partido dos Trabalhadores.

Ainda mais absurdo é o repúdio dos Senhores Bispos da região amazônica, o qual figura na mesma declaração, às iniciativas do governo brasileiro no sentido de dar assistência aos povos indígenas isolados, sob o pretexto de que ditas iniciativas ameaçam “o direito de existência livre desses povos, com seus usos, costumes, crenças e tradições”. É o isolamento a principal ameaça à existência desses povos.

Crime seria não lhes estender a mão e recusar-lhes saúde, educação e melhores condições de vida. Pior crime, sobretudo, seria não procurá-los no seu isolamento para lhes fazer chegar a Boa-Nova da Redenção e a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo!



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PALAVRA DA SALVAÇÃO (171)


7º Domingo do Tempo Comum 23/02/2020

Anúncio do Evangelho (Mt 5,38-48)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Vós ouvistes o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ Eu, porém, vos digo: Não enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face direita, oferece-lhe também a esquerda!
Se alguém quiser abrir um processo para tomar a tua túnica, dá-lhe também o manto!
Se alguém te forçar a andar um quilômetro, caminha dois com ele!
Dá a quem te pedir e não vires as costas a quem te pede emprestado.
Vós ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo!’
Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e rezai por aqueles que vos perseguem! Assim, vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o sol sobre maus e bons, e faz cair a chuva sobre justos e injustos.
Porque, se amais somente aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os cobradores de impostos não fazem a mesma coisa?
E se saudais somente os vossos irmãos, o que fazeis de extraordinário? Os pagãos não fazem a mesma coisa? Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito!”

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:

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O labirinto do perfeccionismo



“Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48)


O evangelho deste domingo é continuação do discurso de Jesus sobre o Monte, onde apresenta o modo original de ser e de viver dos seus seguidores; trata-se da nova justiça do Reino, onde Jesus vai até às raízes mais profundas de nosso ser para ativar o amor ali presente; este amor, aberto, oblativo, gratuito..., é capaz de uma nova relação até com os inimigos, em profunda sintonia com o modo de agir do Pai, que ama a todos, bons e maus, pois todos são seus filhos e filhas.

Mas, quando Jesus fala em amar os inimigos, não se refere somente àqueles inimigos externos. Suas palavras se referem também a um acontecimento interior. Quando o inimigo é uma força externa nem sempre há motivos para assumirmos a culpa. Mas quando o inimigo se encontra no nosso interior e nós não conseguimos entrar em acordo com ele, os responsáveis somos nós mesmos; precisamos saber lidar com nossas sombras e fragilidades e, assim, reconciliar-nos com o inimigo interno que rejeitamos.

Reconciliar-nos com nossas fraquezas e nossos lados sombrios é um processo doloroso, mas, quando tentamos evitar essa dor e ignoramos o nosso adversário interior, acabamos gastando muita energia na ilusão de mantê-lo afastado. Se não chegarmos a um acordo com o inimigo em nosso interior, ele se transformará em um tirano que nos dominará; aquilo que rejeitamos em nós se transforma em juiz interior e esse nos manterá confinados na prisão do nosso próprio medo e da auto-rejeição. 

A cura significa também reconciliação; nosso inimigo interior só se transformará em nosso amigo e ajudante no nosso caminho de vida se nos reconciliarmos com ele. Ao oferecer-nos um gesto de perdão em vez de um gesto de repulsão ou de condenação, tornamo-nos mais humanos.  Demonstramo-nos humanos com quem mais precisa de humanidade: nós mesmos.

É o momento da compaixão para conosco mesmo. 

Diante da necessidade de reconciliação com nossas sombras, limites, fragilidades e fracassos..., pode parecer estranho a afirmação final, no evangelho de hoje: “Portanto, sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”. Lucas, no entanto, modifica as palavras de Jesus para escrever: “Sede misericordiosos, como vosso Pai é misericordioso”. Sem dúvida, esta expressão parece mais ajustada, inclusive por todo o contexto. E tem razão, porque não se pode exigir que o ser humano seja “perfeito”; não só não está ao seu alcance, mas essa demanda pode conduzi-lo a um perfeccionismo estéril e esgotador.

Foi assim que, ao longo da história, surgiu uma cultura da perfeição; por séculos, a perfeição seduziu, modelou, dominou e controlou a existência de comunidades e sociedades inteiras. A nossa cultura é controlada pela ideia de que o ser humano pode e deve ser “perfeito”. Desde a nossa infância fomos impelidos a procurar a perfeição.

Anos e anos, essa ideia de “perfeição” foi modelando nossa mente e petrificando nosso coração. Também na vida cristã, inúmeras pessoas e grupos religiosos nasceram e cresceram seguindo as pautas de formação do chamado “ideal de perfeição”, gerando muita rigidez, moralismos, culpabilidades, escrúpulos... e farisaísmo. O seguimento da pessoa de Jesus foi se esvaziando, dando lugar a um voluntarismo centrado na prática minuciosa de leis e normas (legalismo).

Esse conceito assumiu um valor central na compreensão e na orientação da nossa vida espiritual, reforçando-se a ideia de que tudo aquilo que diz respeito a Deus deve ser perfeito. E a santidade passou a ser considerada como sinônimo de perfeição. No entanto, transitar pelo labirinto da perfeição é desumano. Caminhar por ele é uma luta árdua e solitária, pois torna-se difícil pedir ajuda e arriscar-se a que as próprias imperfeições sejam expostas aos outros.

A expressão “atingir a perfeição” revela-se uma imprudência. A procura da perfeição não ajuda a pessoa a viver, a amar, a sonhar, a sorrir, a perdoar, a ser feliz... Nas suas formas mais graves, a busca da perfeição é estressante, conduz ao desprezo de si mesmo, torna insuportável a relação com os outros e pode conduzir à automutilação. 

Quem tem sua vida centrada na busca da perfeição, aceitar o erro é uma tarefa muito humilhante e dificultosa. Longe de ser uma oportunidade, o fato de equivocar-se representa uma ameaça à sua dignidade. Para ele não basta ser bom, é preciso ser perfeito. E, embora, no segredo mais íntimo aceita que jamais será perfeito, pelo menos tenta aparentar isso diante dos outros. Este modo de proceder tem um nome – perfeccionismo – e são muitos os que caminham por seu labirinto.

Isso não é vida. Queremos habitar e transitar por lugares onde a compaixão e o cuidado possam abraçar nossas fragilidades e limites. Devemos passar de um humanismo da “auto-exaltação” para um humanismo da “auto-acolhida”. 

A compaixão afirma o “eu real” contra as pretensões do “eu ideal”.

A compaixão orienta-nos para a realidade profunda da nossa fragilidade; na compaixão alcançamos a nós mesmos; a compaixão nos leva de volta à casa, revestindo-nos de uma atitude amorosa para conosco. 

O tecido da vida cotidiana nos oferece muitas ocasiões para esta prática de bondade para conosco. E a compaixão faz parte da essência de nosso ser. É a mais humana de todas as virtudes humanas. É ela que nos oferece inúmeras ocasiões para tratar-nos como amigos, em vez de nos tratar como estranhos. 

Graças à compaixão, podemos nos levantar depois de cada queda, abrir-nos novamente à presença da Graça de Deus, continuar a amar tudo aquilo que dentro e fora do nosso ser se apresenta sob as vestes do humano. Deste modo, realizamos uma orientação sadia no fundo do nosso ser. Assim, o discípulo de Jesus deve ser perfeito no Amor como o Pai celestial é perfeito no Amor. Ele ama a todos sem distinção, “fazendo nascer o sol e cair a chuva sobre maus e bons, justos e injustos”.

Neste sentido, o chamado do Evangelho a ser “perfeitos como o Pai” está em um contexto do amor incondicional e envolvente de Deus, um amor que faz com que o sol se levante para as pessoas más e boas, e que permite que a chuva caia sobre justos e pecadores. Em outras palavras, a perfeição cristã é o convite a um amor que nunca se esgota; é o convite para aprender a perdoar como Deus perdoa e a amar como Deus ama. 


Alguns exegetas interpretam que, em hebraico, a expressão “perfeito” faz alusão a algo “completo”. Nesse sentido, o apelo a ser “perfeitos” deve ser entendido como um chamado a aceitar-se em toda a sua verdade. Este sentido seria totalmente aceito a partir de uma antropologia humanista, como um princípio básico de unificação e crescimento: “aceita-te com toda tua verdade, com tua luz e tua sombra, teus acertos e erros, tuas qualidades e defeitos...!” 


Somos chamados a ser “completos”, aceitando nossa verdade e abrindo-nos à nossa verdadeira identidade que transcende nosso ego; só assim poderemos viver a misericórdia ou compaixão.

Textos bíblicos:   Mt 5,38-48 
Na oração: A aceitação do limite nos ajuda a celebrar a vida em todas as circunstâncias e a saborear a realidade, cheia de riscos, incerta e insegura para todos, mas, ao mesmo tempo, única e irrepetível para sempre. 
Longe da tirania do perfeccionismo, saberemos conviver com a rica pobreza de nossa condição humana; é a calma e o silêncio da oração que irão nos libertar da banalidade e do perfeccionismo, fazendo-nos reconciliar  com as fragilidades, próprias e alheias.

- Sua vida é regida pela “pauta da perfeição” ou da “misericórdia”?

Pe. Adroaldo Palaoro sj


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