Terras de Salamanca
Cyro de Mattos
Em outubro
de 2013, participei do XVI Encuentro de Poetas Iberoamericanos em Salamanca,
Cidade de Cultura e Saberes. Na oportunidade fiz lançamento de meu livro Onde
estou e sou/Donde Estoy y soy e dei depoimento na universidade sobre minhas
atividades literárias ao longo dos anos. Recitei poemas de minha autoria no
Liceu de Salamanca. Doei livros de minha autoria ao Centro de Estudos
Brasileiros, em ato que constou da programação do XVI Encuentro de Poetas
Iberoamericanos.
Amizade que
ficaria selada para sempre foi a que fiz com o poeta peruano-espanhol Alfredo
Pérez Alencart, o coordenador dos Encuentros, figura rara como construtor de
pontes entre os poetas ibero-americanos que comparecem ao evento, de
repercussão internacional. Professor da Universidade, esse incansável
disseminador de poesia é poeta de alto nível, traduzido e publicado em mais de
vinte idiomas. Um ser humano que veio a esse mundo para iluminar com a poesia a
parte noturna de que somos feitos. Tinha em Jaqueline, sua princesa, a mulher
ideal para acompanhar-lhe na aventura das letras.
Durante o
Encontro tive a oportunidade de saber que Salamanca foi no início uma aldeia na
colina, séculos sobre o rio Tormes inclinaram-se à arte e à sabedoria.
Testemunharam a passagem do tempo, na formação da paisagem lendária, váceos,
vetões, romanos, visigodos e muçulmanos. Uma vocação universitária ressoou na
maior tradição de esplendor monumental. Por sua beleza antiga e riqueza
histórica, o tempo foi justo ao fazer com que Salamanca ficasse conhecida como
a Cidade de Cultura e Saberes.
Ocorrem na
Plaza Mayor falares decorrentes de frequente convivência entre o alegre e o
triste, nisso que é esperança e incerteza em nossa caminhada na vida. Capítulos
assim ali escorrem da vida cidadã, muitas vozes de mim e de outros fazendo o
intercâmbio da natureza humana nesse antigo teatro da vida. Nas ruas iluminadas
pelo ouro da cultura e do saber não se pode deixar de pensar que nelas andaram
Fray Luiz de Léon, Unamuno, Francisco de Vitoria, Francisco de Salinas,
Cervantes, São João de La Cruz, Luís de Gôngora, Santa Teresa de Jesus, Lope de
Vega, Mateo Alemán, Vicente Espinel, Quevedo e Calderón de la Barca.
Essas ruas
cunhadas pelos gestos da sabedoria e santidade humanas. Refletidas por duas
extraordinárias catedrais. Antes que adentre na cidade, recebe ao visitante a
alma gêmea. Numa casa de guardiã memória, conchas representam a cidade por
vários rumos, decoram o mundo que estaciona para vê-la. Nas dobras do tempo,
Salamanca oferta encantos, inventa-se nessa crença de pedra, história e vasta
fé. Apresenta-se sempre como um desafio, um mito, uma abertura, um enigma. De
sentidos múltiplos, memórias que nela achamos.
Na fachada
de casas e igrejas e edifícios basta para entender que estamos na história.
Caminhar é a forma de descobrir segredos de quem também sabe ser contemporânea
e jovem com estudantes de tantos lugares misturados na face agitada. Quando a
noite cai, luzes enchem a parte noturna, lugares em que o coração aprende que o
amor se faz amando o mito, que se apodera da alma.
Ó Salamanca, aqui o que vejo na fachada faz-nos ser da
história. Essa luz que de ti se espraia a todo instante vem de teu chão para
erguer os saberes seculares nos beirais floridos.
Cyro de Mattos - escritor e poeta. Primeiro
Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo
da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de
Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil,
Portugal, Itália e México.
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