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sexta-feira, 14 de julho de 2017

O BUSTO DE SUSANA – Ariston Caldas

O busto de Susana


            Ia desenhar o busto de Susana com todo esmero artístico, dando-lhe linhas mais suaves, transformando o achatamento dos seios numa forma pontiaguda, sensual; no rosto daria pequenos retoques, ruborizando os lábios, acentuando a luminosidade dos olhos, diminuindo a infinidade de cachos, tornando o cabelo levemente ondulado.

            Como desenhista, já havia conquistado quatro prêmios em exposições importantes, uma internacional. Além dessas honrarias, conquistara outros títulos e a crítica especializada o consagrava.

            “Por que Susana não liga para meus quadros”? Ela se prendia mesmo era a passeios pelos locais alegres da cidade, olhando as vitrines, chupando sorvete pelas lanchonetes chiques; enfiava-se em roupas apertadas salientando as formas e se mandava para a rua, em companhia de amigas dessas andanças.

            Pensava em coisas assim enquanto ajeitava um cavalete a um canto da sala; tinha na memória o esboço do busto de Susana – as sutilezas que iam transformar os seios, os olhos, o cabelo, a boca; capricharia no espalhamento das sombras, na tonalidade das cores; seria seu melhor trabalho de arte. No quarto ao lado da sala onde ele se encontrava traçando as primeiras linhas, Susana aparecia de camisola rosa-transparente, na cama, corpo moreno, folheando uma revista de modas, encostada a um travesseiro de fronha azul entre a luz intensa de uma lâmpada forte.

            Em cinco anos de convívio entre os dois, ele nunca teve o prazer de vê-la interessar-se por um trabalho seu; às vezes, por insinuações dele, Susana passava olhares rápidos por um ou outro quadro, fazia um risinho discreto e afastava-se dando de ombros. Isso o decepcionava, premiado tantas vezes, elogiado por críticos e artistas de renome, por jornalistas e outras pessoas esclarecidas. Só isso não o entusiasmava, faltava o interesse de Susana; daí a ideia de copiá-la com uma obra de arte que sacudisse a indiferença dela.

            Seria uma tela de alto nível artístico acrescentando traços sutis, dando-lhe nuanças novas, mais brilho nos olhos, colorido nos lábios, mais austeridade no cabelo. Pensava em coisa parecida com obra-prima.

            Num gesto de quem está com sono, Susana fechou a revista e espreguiçou-se, sentando-se no meio da cama; encolheu as pernas e começou a rezar, benzeu-se depois e deitou-se de bruço virando o rosto para um lado.

            Pelos cálculos dele o quadro ficaria concluído num prazo curto, aí entre dois a três dias. “Esse, sim, vai ser o melhor prêmio em minha vida”, pensou, riscando traços, espalhando sombras sobre a fisionomia emergindo na tela exposta; vez em quando ele passava um rabo-de-olho para Susana deitada entre a turvação que agora envolvia o quarto, para a revista de modas sobre a penteadeira ao lado, fechada, parecendo uma mancha; a transparência da camisola perdera-se na penumbra e o corpo de Susana era um vulto sobre o lençol branco bordado de vermelho.

            Caprichava nas linhas, tornando os seios pontudos, acentuando a luminosidade dos olhos, ruborizando a boca, delineando o cabelo. “Terei que aplicar todo o meu talento”. Os olhos brilhavam mais, a saliência dos seios ganhava mais realce, os lábios pareciam mais doces; uma técnica sutil não denunciava a diferença entre a tela e o modelo.

            Às duas da madrugada ele sentiu sono e bocejou; muita fumaça de cigarro embaciava o ambiente quase asfixiante. O esboço estava concluído. Antes de apagar a luz dirigiu-se para o lavatório no pátio onde escovou os dentes e banhou o rosto; voltando, parou por um instante frente à tela, obstinado. Apagou a lâmpada e entrou para o quarto onde Susana dormia de bruço na cama com lençol bordado de vermelho; deitou-se sutil entre duas Susanas, todo envolvido, porém, com a que ficara como esboço na sala de trabalho.


(LINHAS INTERCALADAS)

Ariston Caldas

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SEM PEDIDO DE PERDÃO NÃO HÁ CONVERSÃO - Marcos Luiz Garcia

Marcos Luiz Garcia (*) 

Em 1946, a Irmã Lúcia com o Bispo de Leiria, Dom José Alves Correia da Silva


Em certo sentido este é o mês mais importante do rol das aparições de Nossa Senhora em Fátima, pois é aquele no qual Ela ditou o SEGREDO, fulcro da Mensagem de Fátima.

Muitos mistérios envolvem ainda hoje a Mensagem de Fátima, sobretudo na parte referente ao Segredo, como tentarei mostrar.

Quando a Irmã Lúcia escreveu em 1944 a terceira parte do Segredo, anotou, por ordem de Nossa Senhora, no exterior do envelope que este só poderia ser aberto em 1960 pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria.

Porém, no ano de 1957 a Santa Sé pediu que se remetesse para o Vaticano o envelope. Evidentemente, tinha o direito de pedir tal envelope, mas se a própria Santíssima Virgem mandara registrar que o mesmo deveria ser aberto pelo Patriarca de Lisboa ou pelo Bispo de Leiria, por que pedi-lo três anos antes?

Além disso, é um fato histórico que o “terceiro Segredo” não foi publicado a não ser no ano 2000, e mesmo assim sob uma forma que guarda mistérios não inteiramente esclarecidos.

Quando Nossa Senhora pediu aos Pastorinhos que guardassem o Segredo, não o fez por superficialidade. Tanto é verdade que o fato contribuiu para gerar em torno dele uma expectativa enorme dos católicos de todo o mundo.

É evidente que a revelação do Segredo, se tivesse sido conduzida de forma zelosa e realmente apostólica, seria de molde a provocar grande reação nas almas. Reação essa que só poderia ser no sentido de uma conversão.

Ora, a revelação foi feita e o efeito foi praticamente nulo nas almas. Basta sair às ruas e ver a imoralidade das modas, o desbragado das indumentárias e a loucura estabelecida como normalidade.

Assim, uma Mensagem que teria sido uma alavanca extraordinária para soerguer as almas, foi completamente neutralizada.

Imaginemos que a revelação do Segredo tivesse sido acompanhada de uma grande ameaça por causa dos pecados reinantes: teria sido talvez a única maneira de despertar muitas almas do letargo. O que não ocorreu.

Há anos que, com raras e beneméritas exceções, tanto em Fátima quanto nos ambientes religiosos em geral, se dogmatiza erroneamente que Deus não castiga ninguém, que perdoa tudo e a todos. Esse procedimento incute nas almas uma convicção de que não devem temer nenhuma punição, que os Mandamentos são uma mera lista de normas sem importância, e que violá-los não determina nenhuma consequência.

Ora, afirmar isto, além de ser frontalmente contrário à doutrina católica, evita que, movidas pelo temor de Deus — o qual as Sagradas Escrituras dizem que é o início da sabedoria —, as pessoas se convertam, especialmente em seus últimos momentos nesta Terra. Portanto, tal procedimento compromete terrivelmente a salvação das almas. Explico-me com um exemplo.

Não é de hoje que temos assistido a uma seguidilha de catástrofes, tragédias, doenças etc. E nunca aparece uma menção de que precisamos converter-nos, voltarmos a praticar os Mandamentos, frequentar os Sacramentos corretamente, mudar de vida... A única conversão que certos eclesiásticos apregoam é a do abandono das riquezas, as quais devem ser “compartilhadas” para favorecer o socialismo e o comunismo.

Quase não se ouve um sermão que ataque a imoralidade. Muito menos que ataque a dessacralização. As Missas admitem, em sua maioria, um vale-tudo. Recentemente li a reportagem de um padre que promoveu em sua paróquia concurso de beleza com candidatas seminuas. Tive também de conhecimento de bispos que frequentam termas de banhos públicos. E houve até o fato de um sacerdote que celebrou missa numa praia, estendendo para isso uma toalha diretamente sobre a areia.

Enquanto tais eclesiásticos ficam inteiramente impunes, constatamos uma meticulosa investida contra sacerdotes que desejam celebrar o rito extraordinário da Missa. Por quê?

Quando acontece uma catástrofe espantosa como os terríveis incêndios que ocorreram em Portugal, exatamente no Centenário das aparições — tão mal comemorado —, somos informados que pessoas, famílias e anciãos foram devorados e carbonizados pelas chamas. Mas não aparece no noticiário, pelo menos não caiu sob meus olhos, qualquer referência a um pedido de perdão a Deus, a Nossa Senhora, uma promessa de emenda de vida, nada.

O fato de se ter difundido a falsidade de que “Deus não castiga” está na raiz dessa maneira naturalista de considerar aqueles trágicos acontecimentos. Quem responderá por isso diante de Deus?

Em face dessa trágica situação, devemos manter a esperança em Nossa Senhora e a certeza de seu triunfo. Isto é o que nos move a lutar sem descanso, sem afrouxamento, a fim de se obter esse triunfo prometido em Fátima.

         
( * ) Marcos Luiz Garcia é escritor, conferencista e colaborador da ABIM



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