Total de visualizações de página

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

O SOFRIDO LÍBANO - José Sarney

O Maranhão tem uma certa ligação com o Líbano. É difícil encontrar uma família maranhense que com ele, de maneira direta ou indireta, não possua uma ligação de sangue, sentimental ou de amizade. Sírios e libaneses de vários credos religiosos buscaram para seus caminhos de imigração o Norte do Brasil. Aqui no Maranhão essa presença se tornou tão forte que muitos sírio-libaneses assumiram posições de liderança na política, no comércio, nas entidades de classe, com grande expressão.

Essa influência e miscigenação se tornou tão arraigada que chegou até a incorporar-se aos costumes e à culinária. Eu sempre digo que o Maranhão tem várias culinárias: a culinária da Costa, dos peixes e frutos do mar; a culinária portuguesa tradicional, que não abandonamos, de cozidões, tortas, caldeiradas; a do sertão, de carne de sol, maria isabel, pirão de leite etc; a libanesa de quibes, esfirras, quibe labanie; e a maranhense mesma, mistura da africana e da indígena com um toque libanês, de onde saiu o divino arroz de cuxá.

Antônio Dino, grande médico e alma boa, que foi meu Vice-Governador, me contou uma parte dessa saga da imigração libanesa dizendo que no início do século XX alguns refugiados políticos, seus ancestrais e muitos outros, vieram para o Maranhão, principalmente para o interior. Não guardei todo o relato, o que lamento, e faço uma sugestão para alguma tese acadêmica levantando essa história, que faz parte da nossa.

Eu mesmo tenho dentro de casa muitos Murad e Duailibe, genros e netos.

Quando o meu romance O Dono do Mar foi traduzido para o árabe, fui a Beirute para seu lançamento. A cidade tinha saído da guerra civil e estava toda destruída. O Rafik Hariri — que seis anos depois foi morto pela explosão de um carro bomba na hora em que passava seu comboio — era um grande político, fizera o Acordo de Faët acabando com 15 anos de guerra-civil, estava reconstruindo Beirute. Com ele e sua irmã construí mesmo uma relação de amizade. Tenho um serviço de jantar que foi ofertado por ele.

O Líbano tem uma história sofrida. Sua localização, espremido com fronteira do Israel, Síria e Chipre (pelo mar), o torna alvo de permanente agressão e envolvimento no caldeirão do Oriente Médio, tendo como centro a milenar luta de judeus e palestinos.

A tragédia que vive o Líbano com a gigantesca explosão e a destruição do seu porto e da cidade soma-se à crise econômica e política. Naquela época se assinalava a presença de 500 mil palestinos nos campos de refugiados, comandados pelo Hezbollah, que desequilibrava a divisão de poderes formada no pacto de independência, dividindo o poder dos xiitas com a milícia Amal. Com a guerra da Síria mais 1,5 milhões de refugiados entraram no país, que tinha 4,5 milhões. A insatisfação vem de toda parte. O filho de Hariri tentou recentemente substituir o pai e foi expulso pelos protestos de rua que exigem “fora todos os políticos”. A tragédia maior é um país essencialmente multicultural tornar-se inviável pela violência de seus vizinhos e pela incapacidade em exercer seu talento para a convivência.

Sofremos com o Líbano e somos solidários com o seu povo e nos juntamos àqueles que no mundo inteiro tem o dever de ajudá-los a ressurgir das cinzas.

 

O Estado do Maranhão, 08/08/2020

 

https://www.academia.org.br/artigos/o-sofrido-libano

...............

José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.


* * * 

DE NOVO A OPÇÃO PREFERENCIAL PELA EXCLUSÃO - Péricles Capanema

13 de agosto de 2020

Péricles Capanema

 

A jornalista Mônica Bergamo divulgou na “Folha de São Paulo” (26 de julho) “carta ao povo de Deus”, manifesto assinado por 152 bispos (em boa parte, resignatários), que deveria ter sido dado à publicidade quatro dias antes, a 22 de julho. Pelo que afirma a colunista, os signatários queriam, antes de propagá-la, esperar a opinião da Comissão Permanente da CNBB, cuja reunião para análise do texto ocorrerá proximamente. E temiam que a chamada “ala conservadora” da CNBB impedisse sua divulgação.

Tem sólidos fundamentos o temor do choque em setores conservadores. E não só da CNBB, em qualquer lugar, pois é traumático o conteúdo; trata-se de lídimo libelo petista, poderia ser assumido pela Comissão Executiva Nacional do PT.

De fato, na 2ª feira, 27 de julho, em nota a CNBB se distanciou (pelo menos, por enquanto) da mencionada tomada de posição, dizendo que “nada tem a ver” com ela, que é “responsabilidade dos signatários”. Teria então havido um vazamento para impedir o engavetamento do texto. Aqui não se trata de apoio ao governo Bolsonaro. É normal a oposição, cumpre papel necessário, terá justificativas que devem ser ponderadas.

O chocante no caso é a assunção da linguagem e das bandeiras da esquerda, mesmo a mais extremada, o apelo a um trabalho coordenado, cujo êxito colocará o Brasil em situação próxima à da Venezuela ou Cuba, retrocesso cruel para todos, em especial para os pobres.

Desde décadas, tem sido excluída a maioria silenciosa dos católicos. 

Existem cerca de 500 bispos atuando no Brasil, pouco mais de 300 efetivos, pouco menos de 200 resignatários. Dos 152 subscritores, repito, parte importante é resignatária. O fato tem sua importância. Convém recordar, o bispo emérito não tem obrigações de pastorear diocese, está mais distante dos fiéis e do Clero, sente-se assim mais livre para agir segundo suas preferências ronceiras; no caso, a militância esquerdista, que por razões prudenciais preferiria esconder quando à frente de dioceses. Ali, precisariam pelo menos fingir levar em conta o clamor da maioria silenciosa e silenciada do povo; recordando linguagem bíblica, não poderiam atirar uma pedra para filhos que pedem pão, nem podem arrojar uma serpente ao escutá-los pedindo peixe.

Com efeito, observando a orfandade em que se encontra desde décadas a imensa maioria do laicato católico, excluída de forma intolerante pela opção preferencial pela esquerda levada a cabo por parte dos pastores, é normal se lembrar de passagens bíblicas atinentes. “Tenho visto atentamente a aflição do meu povo, que está no Egito, e tenho ouvido o seu clamor” (Ex 3, 7). “E qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?” (Lc 11, 11). Para os aflitos, a política habitual tem sido pedras e serpentes. O manifesto em análise constitui, dói dizê-lo, mais um dos episódios lacerantes do misterioso processo de autodemolição da Igreja, em que tantas vezes o pastor espanca a ovelha indefesa, abre as portas do redil e saúda alegremente o lobo que avança.

Radicalização da exclusão. Mais um ponto a ter em vista. Os 152 signatários podem estar redondamente iludidos a respeito da real influência que seu demolidor libelo terá na opinião nacional, em especial na católica. Na prática, vai demolir pouca coisa, se tanto. O brasileiro é pacato, abomina agitações e dilacerações. E o intolerante texto as instiga. Imaginarão que sua condição de bispos da Igreja Católica dá à sua voz eco que no caso não existe? Na prática, incomodado com a ácida linguagem revolucionária, o laicato majoritariamente fechará os ouvidos à mensagem.

Outro aspecto importante. Nosso Senhor no Evangelho ensinou: “As minhas ovelhas conhecem a minha voz (Jo 10, 27). O sensus fidei faz com que o católico conheça o timbre da voz do bom pastor. Quando é estranho o timbre, dele se afasta. Em resumo, o palavrório amazônico terá repercussão escassa. Os católicos, em geral desgostosos com o disparatado do texto, sentir-se-ão ainda mais excluídos.

Outra maioria silenciosa. 

Certamente bem mais que 152 bispos foram sondados para darem seu apoio ao texto intoxicado por um esquerdismo primário e descabelado. Recusaram. Temos aqui uma maioria silenciosa, um pouco menos de 350 — destes, quantos foram sondados, não tenho como saber —, que pelas mais variadas razões, inclusive desconhecimento, imagino, abstiveram-se. Preferiram guardar distância do texto revolucionário. Isolaram-se assim dos 152 signatários, tangidos pelo vezo incoercível de se juntar às reinvindicações da esquerda, mesmo as mais radicalizadas.

Em 1976, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou livro de grande repercussão “A Igreja ante a escalada da ameaça comunista — Apelo aos bispos silenciosos”. O trabalho continha o pedido para que os então bispos silenciosos, maioria clara, tomassem a frente do palco, tirando o protagonismo quase monopolístico dos bispos de esquerda.

Agora, também, a maioria está silenciosa. Dizia ele na ocasião: “Importa, com efeito, não ver em tal silêncio apenas a posição cômoda de quem está longe da luta. Mas também o desapego e a retidão que evitam obstinadamente a complacência ativa com o mal. […] Nas mãos dos silenciosos, pôs Deus todos os meios que ainda podem remediar a situação: são eles numerosos, dispõem de posições, de prestígio e de cargos. Atuem. Nós lhes imploramos. Falem, ensinem, lutem”. Estamos hoje em situação parecida. Os excluídos na Igreja, ansiando por inclusão e compreensão, hoje não pedem outra coisaa seus pastores. Não aprofundem ainda mais as valas da exclusão.

Apelo à união da esquerda em torno de programa demolidor. 

O libelo dos 152 está na rede e na imprensa escrita. Dele extraio trechos de maior significado. Ponto central, recusa qualquer complacência com o governo: “É dever […] posicionar-se claramente. […] A narrativa que propõe a complacência frente aos desmandos do Governo Federal, não justifica a inércia e a omissão”. Aos que não têm nenhuma complacência (os sem complacência) com o governo, a proposta: “O momento é de unidade. […] Por isso, propomos um amplo diálogo nacional”. A finalidade de tal frente popular salta do texto apaixonado: “As reformas trabalhista e previdenciária mostraram-se como armadilhas. […] É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo. […] uma ‘economia que mata’. […] O desprezo pela educação, cultura, saúde e diplomacia também nos estarrece. […] Demonstrações de raiva pela educação pública. […] escolha da educação como inimiga. […] No plano econômico, o ministro da economia […] privilegiando apenas grandes grupos […] grupos financeiros que nada produzem. […] O governo federal demonstra rechaço pelos mais pobres e vulneráveis. […] Este tempo não é para divisões”.

Esperemos que a CNBB recuse seu apoio a um texto favorecedor de retrocessos e exclusões. E que, enfim, para o bem do Brasil, falem os silenciosos do Episcopado.

 

http://www.abim.inf.br/de-novo-a-opcao-preferencial-pela-exclusao/ 

* * *