26 de junho de 2019
Péricles Capanema
Amigos me solicitaram que escrevesse de novo sobre o chamado
marxismo cultural — de momento tão relevante e na moda em decisivos meios de
esquerda e na direita — e, de forma congruente, pusesse no texto informações
pertinentes à Escola de Frankfurt [foto acima], atemorizador negotium
perambulans in tenebris para tantos e com bons motivos. Apenas como
informação provavelmente inócua, o artigo anterior “Esclarecimentos sobre o
marxismo cultural”, está em meu blog (periclescapanema.blogspot.com) desde 25
de fevereiro último.
Obediente, volto ao assunto. De passagem, o hoje denominado
marxismo cultural foi também chamado de marxismo ocidental, aqui e ali é qualificado
de Teoria Crítica, marxismo da Teoria Crítica, um dos fundamentos
doutrinários da revolução cultural. Nem faz falta realçar a importância da
revolução cultural (e a consequente necessidade de estudar doutrinas e métodos
seus e como a eles fazer frente).
Para cortar caminho, deixar claro o desatino da escola,
embarafusto antes por atalho pouco trilhado, pinceladas rápidas sobre dominação
e emancipação, duas das obsessões da referida escola. Seus mais conhecidos
representantes blasonavam (não custa lembrar, o marco inicial da escola poderia
ser cravado em 1923, estamos em sua terceira e quarta geração) o ideal de
extinguir a dominação e levar até limites ainda impensados a emancipação
humana. E continuam a alardeá-lo. Não custa lembrar por cima, cada vez que
líderes de orientação igual ou parecida afirmavam aplicar o marxismo à
sociedade, na prática levavam a dominação e sufocavam a emancipação a extremos
delirantes. A Coreia do Norte está aí, Cuba que o diga, a Venezuela sofre
efeitos dantescos dos partidários da emancipação.
Sempre é bom lutar contra a dominação? Em todas as situações
deve ser buscada a emancipação? Dominação vem de dominus, senhor.
Dominação é o ato próprio do senhor. Se é má a condição de senhor, maus serão
seus atos. Emancipação, o que é? Emancipação igualmente tem origem latina (mancipium,
qualidade do proprietário). Emancipar é extinguir a tutela do proprietário
sobre outro ser.
Acontece que é boa e nobre a condição de senhor. E assim,
seus atos são bons. E são bons e nobres a condição de súdito e o ato de
obedecer. Censuráveis, excessos e carências em ambos os casos, senhor e súdito.
Com efeito, a autoridade existe para o bem do súdito.
Removê-la em determinadas circunstâncias lesa o inferior. De forma análoga, a
emancipação prematura prejudica o emancipado. Enquanto dura em condições
adequadas, favorece o tutelado. Retirar o filho menor da tutela do pai,
emancipá-lo antes da hora, compromete presente e futuro. Mais ainda, a
autoridade e a dependência prolongam bons efeitos vida afora, perfumam-na. Anos
atrás, conversei com prima distante, três filhos criados, casada com advogado
rico em Belo Horizonte. Aparentemente tudo ia bem. Uma queixa ia e vinha, a
morte da mãe anos antes, fazia pouco o pai. Fechava e abria a mão direita. “Me
sinto um cachorro sem dono”,espetou o dedo.
Em suma, é destruidor para o desenvolvimento pessoal
arrebentar todas as formas de dominação e promover a desenfreada emancipação.
Que o digam em lamentos lancinantes algumas regiões da pobre e devastada
África. Aqui rui nas bases o edifício da Escola de Frankfurt, verdadeira
Torre de Babel de incontáveis correntes de esquerda, laboriosamente edificado
ao longo dos anos.
Em boa hora para a esquerda (péssima para nós) brotou
a Escola de Frankfurt. Abriu-lhe horizontes, pôs em evidência matérias
imprescindíveis que a doutrina marxista empurrava para o canto ou negava na
bruta; enfim, fincou estacas doutrinárias a uma ação revolucionária de maior
profundidade que latejava por se expandir.
Movimento intelectual, sobretudo filosófica e sociológica,
passou longe do grande público, o que não significa que teve pouca importância.
Lembro a propósito, cinco camadas envolvem a Terra: troposfera, estratosfera,
mesosfera, termosfera e exosfera. Existem fenômenos nas quatro camadas
superiores, que influenciam a troposfera, ainda que desconhecidos de nós nela
imersos. Assim na sociedade humana. A Escola de Frankfurt influenciou
a vida acadêmica e os estratos intelectualizados dos movimentos revolucionários
no mundo inteiro. E daí seus conceitos embeberam meios de divulgação, a
política, outros ambientes intelectualizados e, finalmente, a sociedade em
geral. Apenas uma pequena ilustração, o maior guru do maio de 1968 e das
agitações de Berkeley, um pouco antes, foi Herbert Marcuse (1898-1979), dos
principais representantes da referida escola.
O marxismo, materialista, determinista e evolucionista
procura explicar toda a realidade pela economia, de outro modo, pelas forças de
produção. Afirmei no artigo acima mencionado: “Segundo o marxismo, o
determinante na história é a economia. E na economia os meios de produção, […]
base das relações de produção. As forças produtivas e as relações de produção
dariam origem aos modos de produção. Existem sete modos de produção: primitivo,
asiático, escravagista, feudal, capitalista, socialista e comunista. Um leva ao
outro. Temos aqui a infraestrutura. A superestrutura são as ideias e
instituições (entre elas, o Estado) que justificariam e garantiriam os modos de
produção. O socialismo nasceria apenas depois de a sociedade capitalista estar
bem desenvolvida. Por sua vez, o comunismo só depois do desenvolvimento do
socialismo. Para o momento, o importante é o determinismo da doutrina marxista.
Em doutrina, por ser determinista, desvaloriza o ato volitivo e relativiza por
inteiro o bom, o mau, o belo, o feio, o justo e o injusto, colocados na
superestrutura, dependentes das relações de produção. Até a ação política e o
proselitismo. Na prática, os partidos comunistas nunca agiram segundo a pura
doutrina marxista. Não foram deterministas, esperavam da ação partidária a
aceleração do dia em que surgisse o homem novo sonhado pela utopia.”
Antes, tínhamos o marxismo focado em fatores econômicos. Não
só deformava, limitava o horizonte. A Escola de Frankfurt propôs a
revolução não só na sociedade, mas no interior do homem, privilegiou instintos,
advertiu contra os perigos da razão
[em especial denunciou a razão instrumental, instrumento
favorecedor da sociedade
capitalista em suas digressões].
Propugnou a liberação moral, como atividade emancipadora.
Enfatizou o papel central dos hábitos, das mentalidades, das ideias. Enfim, do
que se chamou a cultura e não apenas do econômico. Daí ser titulada de marxismo
cultural. Era marxismo ainda? Nas bases, não. Mas era doutrina profundamente
revolucionária, que servia como luva para o avanço do comunismo no interior do
homem e na sociedade. Voltarei ao tema.
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