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domingo, 15 de setembro de 2019

NÃO SABEMOS O DIA NEM A HORA - Padre David Francisquini


14 de setembro de 2019
Padre David Francisquini * 

A vigilância como virtude necessária para a conquista do Reino do Céu está contida na lição do Divino Mestre sobre o chefe de família que não sabe a hora em que virá o ladrão. O fiel cristão deve, pois, estar sempre vigilante em relação aos inimigos que o cercam, pois nunca sabe quem o espreita, nem quando será atacado.

E o inimigo está com frequência nos lugares menos imagináveis. Com efeito, infelizmente, como se tornou comum vê-lo — muitas vezes com naturalidade e indiferença — nos verdadeiros absurdos que acontecem nos templos sagrados, nas celebrações litúrgicas, onde Nosso Senhor é tratado indevidamente na recepção da Eucaristia.

Além da ofensa a Ele, esse estado de espírito displicente acaba por abalar a fé e a devoção na presença real de Jesus Cristo Eucarístico. Temos ainda a brutalidade e o ódio contra o sublime Sacramento instituído por Jesus Cristo, verdadeiras profanações dos lugares santos.

— Não constituiriam um desdobramento sinistro do que neles ocorre no dia a dia? Para avaliarmos a sua gravidade, recorramos rapidamente à explicação dada por Orígenes, um dos grandes teólogos do início do cristianismo, às palavras do Evangelho.

Ele nos ensina que o pai de família representa o entendimento do homem; sua casa, a sua própria alma; e o ladrão, o demônio. Esse inimigo se utiliza de discursos lisonjeiros, eivados de falsidades, mentiras e traições para iludir os corações, perverter-lhes o entendimento, saquear suas energias e abalar suas convicções.

O ladrão vem e mina a casa, pois o pai de família dorme sem o cuidado de guardá-la. Em seguida, mata-o sem resistência, pois o surpreendeu dormindo, em vez de vigilante, que deveria ser a sua atitude habitual. O estado generalizado de indolência e torpor das almas torna o terreno propício a todo tipo de profanação.

Circulam pela internet pequenas filmagens com exemplos do que vem ocorrendo em muitas igrejas, ou seja, de pessoas que entram na fila de comunhão, recebem a hóstia na mão e não a consome… Lembro-me a propósito de uma notícia proveniente da histórica cidade de Trento, no norte da Itália, em que um comungante ao receber do celebrante a hóstia na mão, partiu-a e deu metade para seu cachorro que o acompanhava na igreja! Em outra ocasião, um gato subiu ao altar, na hora da comunhão, e passou a comer as partículas consagradas.

Notícias assim nos deixam estupefatos! Não há por trás de tudo isso uma rota do crime do sacrilégio e da profanação investindo contra o que há de mais sagrado em nossas igrejas, que é o Santíssimo Sacramento? Sacrários são destruídos ou jogados nas ruas com as hóstias; estas são também roubadas, incendiadas, lançadas ao chão ou em rios; vestes e objetos litúrgicos profanados; altares quebrados, imagens destruídas…

Quem estaria por trás dessas manifestações furiosas de ódio contra Aquele que está verdadeiramente presente na Sagrada Eucaristia sob as espécies de pão e vinho? Sem dúvida, satanás, por meio de seus sequazes, pois a fúria é verdadeiramente satânica.

O mesmo ódio que levou Jesus Cristo a ser condenado e conduzido ao alto do Calvário se repete em nossos dias com as profanações dos sacrários de nossas igrejas. O sacrilégio constitui uma cacofonia sinistra que reverbera nas profundezas infernais, pois tanto ódio só pode provir do demônio, o eterno derrotado.

            Pretendo voltar ao assunto.
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(*) Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso Moreira (RJ).


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PALAVRA DA SALVAÇÃO (148)


24º Domingo do Tempo Comum – 15/09/2019

Anúncio do Evangelho  (Lc 15,1-32) 

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo,os publicanos e pecadores aproximavam-se de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles”. Então Jesus contou-lhes esta parábola: “Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, e, chegando em casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: ‘Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!’
Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão. E se uma mulher tem dez moedas de prata e perde uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e a procura cuidadosamente, até encontrá-la? Quando a encontra, reúne as amigas e vizinhas, e diz: ‘Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!’.
Por isso, eu vos digo, haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte”. E Jesus continuou.
“Um homem tinha dois filhos. O filho mais novo disse ao pai: ‘Pai, dá-me a parte da herança que me cabe’. E o pai dividiu os bens entre eles. Poucos dias depois, o filho mais novo juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada. Quando tinha gasto tudo o que possuía, houve uma grande fome naquela região, e ele começou a passar necessidade. Então foi pedir trabalho a um homem do lugar, que o mandou para seu campo cuidar dos porcos. O rapaz queira matar a fome com a comida que os porcos comiam, mas nem isto lhe davam.
Então caiu em si e disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome. Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho. Trata-me como a um dos teus empregados’.
Então ele partiu e voltou para seu pai. Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o, e cobriu-o de beijos. O filho, então, lhe disse: ‘Pai, pequei contra Deus e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos empregados: ‘Trazei depressa a melhor túnica para vestir meu filho. E colocai um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Trazei um novilho gordo e matai-o. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’. E começaram a festa. O filho mais velho estava no campo. Ao voltar, já perto de casa, ouviu música e barulho de dança. Então chamou um dos criados e perguntou o que estava acontecendo. O criado respondeu: ‘É teu irmão que voltou. Teu pai matou o novilho gordo, porque o recuperou com saúde’.
Mas ele ficou com raiva e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Ele, porém, respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua. E tu nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou esse teu filho, que esbanjou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho cevado’.
Então o pai lhe disse: ‘Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado”’.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger Araújo:
  
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O que está perdido em meu interior?
“Encontrei a minha ovelha que estava perdida”;
“encontrei a moeda que tinha perdido”;
“este teu irmão estava perdido, e foi encontrado”

As três parábolas deste domingo (24º Dom TC), relatadas por Lucas, condensam toda a história de nossa salvação. Elas contêm a quinta-essência do Evangelho do Reino do Pai, proclamado por Jesus, ou seja, a história do amor de Deus para com a humanidade. Justamente por serem o Evangelho condensado, as parábolas contadas por Jesus devem ser incessantemente escutadas e contempladas por todos nós. E, depois de contempladas e experimentadas, devemos contá-las, proclamá-las e testemunhá-las, sempre de novo, a todos os homens e mulheres que Deus ama.

Elas são as parábolas da nossa vida, da nossa história, de cada um dos nossos caminhos. Elas são as parábolas da nossa origem e do nosso destino. As três parábolas da misericórdia são, na verdade, as “parábolas dos perdidos”. O que Jesus quis proclamar, ao contá-las, foi revelar a nova imagem do Deus Pai/Mãe que, movido pelo seu amor, misericórdia, perdão, sai ao encontro dos que estão “perdidos”. As três parábolas expressam, com uma força insuperável, dois temas particularmente caros a Lucas e vinculados entre si: o tema da misericórdia e do perdão oferecidos por Deus aos pecadores, a todos os “perdidos”, e o tema da alegria do mesmo Deus quando os perdidos são encontrados.

A trama das três parábolas é a expressão de que vivemos permanentemente banhados pela misericórdia reconstrutora de Deus, e que se expressa no perdão contínuo. Jesus, nestas parábolas, nos revela que Deus vai aonde nunca antes ninguém se atrevera ir, acompanhando-nos com sua presença, aproximando-se de nós e nos convidando à festa do seu perdão, com uma misericórdia sem fim.

As três parábolas também revelam o caráter de defesa, feito pelo próprio Jesus, do seu modo de vida, do seu comportamento, particularmente do seu relacionamento com os extraviados e excluídos. O Evangelho que Jesus proclama com palavras e ações é a Boa Nova da salvação para os perdidos; e é, ao mesmo tempo, apelo à conversão dirigido aos que se consideravam “justos”, mas se fechavam ao amor e ao perdão. 

O que escandalizava os destinatários das três parábolas, que se consideravam justos e cumpridores exemplares da lei de Deus, não era propriamente a conduta dos pecadores, mas a conduta do próprio Jesus com relação a eles: permitia que os pecadores se aproximassem dele, recebia-os de coração aberto, tomava a iniciativa de ir ao encontro deles e sentava-se com eles à mesma mesa.

O comportamento de Jesus é uma “parábola viva” do comportamento de Deus com os pecadores. Os escribas e fariseus não podiam suportar que Jesus proclamasse o Deus que acolhe e perdoa incondicionalmente a todos, que tem um carinho especial e um amor de predileção pelos perdidos; um Deus que sai ao encontro dos perdidos e que transborda de alegria quando os encontra. Esse Deus “novo” anunciado por Jesus era um Deus “desconcertante”, “escandaloso”, totalmente incompatível com o “deus legalista” dos escribas e fariseus. Por isso, a pregação e o comportamento de Jesus eram intoleráveis para eles.

As três parábolas nos revelam os sentimentos e as ações do “Abba de Jesus” com relação aos filhos perdidos. Revelam-nos um Deus cheio de ternura e de misericórdia que vai ao encontro dos perdidos, libertando-os da exclusão e do isolamento; um Deus que exulta de alegria quando os reencontra e que convida a todos para a festa da comunhão e da alegria pelo seu retorno.

As três parábolas de Lucas nos permitem também fazer uma leitura em “chave de interioridade”, ou seja, “o quê está perdido, rejeitado, escondido... dentro de mim”?  Os entendidos em restauração de obras de arte sabem que não se trata de voltar a pintar de novo a obra em questão. Nem sequer refazê-la, com outras cores, o que parece que está perdido. Um bom restaurador procura limpar com delicadeza e paciência cada detalhe do quadro, com a única pretensão de trazer de novo à luz o mais original da obra. Isto é o que Deus faz conosco, através de sua misericórdia. Limpa-nos com delicadeza em cada esquina e dobra de nosso coração. A misericórdia de Deus atua para que venha à luz o mais original que há em nós. Somos filhos(as) de um Deus que é todo bondade e amor. Somos obras de arte restauradas pelo amor ativo de Deus. Viver a experiência da misericórdia é deixar-nos reconstruir por um amor que nos oferece a possibilidade de sentirmos novamente como filho e filhas de Deus.

 Precisamos, como Deus, tomar iniciativa, aprender a nos aproximar daquilo que está perdido e desgarrado em nós, sem julgamentos e sem moralismos. Aproximar-nos, acolher, abraçar, colocar nos ombros, tudo o que foi rejeitado e excluído, para pacificar nossa interioridade.  Tudo aquilo que consideramos “perdido” (fragilidades, feridas, traumas, fracassos, crises...) tem algo a nos revelar. Nada pode ser rejeitado, tudo deve ser acolhido pois tudo compõe a nossa história de vida. Precisamos fazer as pazes com o que foi reprimido e afastado e que continua gerando um mal-estar interior. 

O diálogo com as ovelhas desgarradas, as moedas perdidas e o filho pródigo, significa dirigir a atenção para as áreas reprimidas de nossa condição humana e que foram excluídas porque centramos forças em alimentar nossas imagens aureoladas e ideais exagerados, dominados pelo desejo de sermos perfeitos e infalíveis (fariseus e mestres da lei). Acolher e integrar tudo o que é humano (também o que está afastado dentro de nós) é a condição para a verdadeira experiência de Deus. 

O encontro com o que está perdido em nosso interior é oportunidade para nos lançarmos por inteiros nos braços misericordiosos de Deus. Pois Ele vem ao nosso encontro em nossas carências e fraquezas; Ele nos procura através de nossos fracassos, de nossas feridas, de nossas limitações... Deus serve-se do que está perdido em nós para abraçar-nos carinhosamente. Portanto, o caminho para a integração e alegria interior passa pelo encontro e acolhida de tudo aquilo que foi rejeitado, reprimido e excluído dentro de nós, consumindo muita energia.

A espiritualidade das parábolas de Lucas nos mostra que é exatamente em nossas feridas onde Deus encontra mais facilidade para entrar em nossas vidas e reconstruir nossa identidade verdadeira: filhos e filhas amados(as) com um “amor em excesso”.

“Lá onde nós fomos feridos, onde nos quebramos, aí nós também nos abrimos para Deus” (H. Nouwen) 

Poderíamos nos interrogar: o que é que Deus deseja nos revelar por meio daquilo que está “perdido” em nós? Procurar e buscar o que está “perdido” em nossa casa interior significa “buscar e encontrar a Deus” exatamente em nossas paixões, em nossos traumas, em nossas feridas, em nossos instintos, em nossa impotência e fragilidade... 

Viver uma nova espiritualidade significa, então, não buscar “ideais de perfeição”, mas dialogar com a “vida perdida” e que deseja retornar ao lar, espaço do amor misericordioso. A partir da experiência da misericórdia podemos reunir em nosso redil, em nossa casa, tudo o que se afastou e se perdeu. Daqui poderá brotar nova possibilidade de vida, mais leve e mais humana. 

Texto bíblico:  Lc 15 

Na oração: Qual é a ovelha desgarrada do seu interior que é preciso ir atrás dela, acolhê-la e integrá-la ao redil? Qual é a moeda que ali se perdeu?
- apresente a Deus suas ovelhas e moedas perdidas, para que, na luz da sua misericórdia, tudo adquira novo brilho e nova vida.

Pe. Adroaldo Palaoro sj


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