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quinta-feira, 21 de maio de 2020

VIDAS PARALELAS - Marco Lucchesi


Como todos os meninos, fui também um caçador de heróis. A leitura das Vidas paralelas de Plutarco, largo manancial de coragem e ousadia, ordenou parte desse imaginário caçador. Sonhava ideias generosas e temperava o caráter com Alexandre e Júlio Cesar, Teseu e Rômulo, Demóstenes e Cícero. Textos paralelos, espelhos de diálogo, esquinas do passado com o futuro. Não havia nada que não fosse amplo e altissonante naquelas páginas. Não se perdoavam gestos pequenos ou indignos. As vidas ensinavam, mas eram três: as duas, que Plutarco redigia, e a do leitor, buscando imprimir, de forma altiva, para si mesmo, a renovação de uma biografia.

Sou amigo de Plutarco –, não o melhor, nem o único –, dentre as muitas amizades que se formaram, em torno de seu nome, ao longo de dois mil anos. Atravesso alguns cenários invisíveis, quase desfeitos. Bato à porta de fantasmas vivos, mais vivos que meus contemporâneos, com quem ressuscita algumas vozes, a buscar formas híbridas para a leitura do mundo.

Tais questões emergem do livro Como se tornar um líder, de Jeffrey Beneker. Ideias que tangenciam a crise da política e representação, nas democracias de baixa intensidade, como a brasileira, com a perda de espessura institucional e a decorrente escassez de lideranças.

O mundo antigo tem muito a ensinar. Se todas as épocas possuem uma visão do sublime, não podemos desconsiderar os elementos seminais da História do Ocidente. Plutarco é um aliado na recuperação do território, da cidade, do governo concreto, longe de uma certa abstração federativa que despreza o lugar onde se vive.

A visão do herói serve para a formação dos meninos, com um arquétipo incontornável. Adultos, não precisamos de heróis. E os que se arrogam tal condição ameaçam as instituições republicanas.

Desejo lideranças corais, que não percam o horizonte da comunidade e do pertencimento. Lideranças que compreendam a formação do consenso e a liturgia do poder. As Vidas paralelas brilham como um farol em tempos obscuros. E comprovam, uma vez mais, que sem educação republicana não haverá saída para o futuro.

Jornal de Letras, Artes e Ideias (Lisboa), 20/05/2020


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Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15, eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila, foi recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito Presidente da ABL para o exercício de 2018.

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O CRISTO MILAGROSO QUE EXTINGUIU A EPIDEMIA

Em 1522, uma epidemia pior que a do coronavírus assolou Roma durante seis meses. Os religiosos da Ordem dos Servitas de Maria retiraram da igreja de São Marcelo o Crucifixo Milagroso [foto acima] e o esconderam em seu convento. Mas o desespero atingiu tal clímax, que a população os obrigou a fazer uma procissão penitencial até a basílica de São Pedro.
Essa procissão se prolongou por 16 dias, pois à medida que o crucifixo avançava os doentes iam sendo curados. Quando a imagem de Cristo retornou, a epidemia estava extinta.
Seria esta uma boa lição, a ser imitada pelos dirigentes eclesiásticos em nossos dias. Bem ao contrário disso é o que estamos vendo. Pois esse mesmo Crucifixo Milagroso foi levado no dia 27 de março à Praça de São Pedro. Mas não houve procissão nem curas milagrosas, apenas uma desoladora bênção para a qual o Papa Francisco nem sequer convocou o povo romano. Por razões sanitárias, é claro…
E esse povo, sempre muito expansivo, não reagiu como seus antepassados de 1522. Ao contrário de atrair bênçãos, como no passado, essa atual insensibilidade ante a proteção sobrenatural poderá atrair desgraças ainda maiores.
Em Roma, no ano de 1931, procissão com o Crucifixo Milagroso, da Igreja de São Marcelo.