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domingo, 1 de dezembro de 2019

O FUTURO CHEGOU ANTES DA HORA – Péricles Capanema


28 de novembro de 2019

Péricles Capanema

Amigo meu de décadas, como poucos culto, amável e inteligente, enviou-me dito francês conhecido “savoir dire, savoir plaire, savoir faire” (saber dizer, saber agradar, saber fazer), como possível tradução da locução inglesa “soft skills”, por mim examinada em texto recente — “Foco no sucesso”, desde 27 de outubro em meu blog periclescapanema.blogspot.com.

Perguntava eu no artigo se alguém tinha em mente tradução adequada para o que hoje significa “soft skills” no mundo dos negócios, em que de forma especial exprime qualificações necessárias para ali alcançar posições de destaque (eu não tinha). Minha intenção primeira no presente texto era discorrer sobre em que a viva construção francesa acima transcrita parece exprimir corretamente o “soft skills” e em que, a meu entender, deixava de lado certos aspectos.

Todo o artigo já estava na cachola, era só limar um ou outro pormenor e pôr no papel. No texto imaginado por mim havia um ponto que só uma vez ouvi levantado (aliás, por político mineiro que já nos deixou há tempos) como fundamental na vida: a importância do convívio com homens inteligentes. O experiente homem público julgava indispensável para a formação intelectual, para moldar a personalidade, para as obrigações de pai de família e de profissional o tal convívio. “Procure sempre o convívio dos homens inteligentes”. Claro, homens no sentido normal da palavra, mulheres, crianças, moços, idosos (seres humanos). Ousaria rematar com um pontinho: busque o convívio dos bons observadores. Nada soma quem não sabe ver direito a realidade. Os raciocínios brotam desfocados se os olhos antes não captam realidade objetiva e rica.

Corta, o resto fica para depois. De repente fui agredido pela realidade e me vejo obrigado a tratar agora de outro assunto. O amigo acima mora em Frankfurt. Outro amigo, residente em Paris, a quem não vejo faz muito tempo, muito tempo mesmo, o que lamento, têm algo em comum: o mau gosto de ler textos meus. Passou os olhos pelo “Preocupa” (postado no blog também em 27 de outubro) e se viu na obrigação de me avisar: o futuro já chegou. Pensei comigo: antes da hora (para os incautos). O futuro em tela estava marcado para 2047.

Todos sabem, o “Le Monde” é jornal de enorme importância, com viés de centro-esquerda (não é um “Le Figaro”). E assim em geral ecoa mal ou não ecoa as vozes que vêm da direita. O “Le Monde” edita uma espécie de revista “Le magazine du Monde”, cujo número 424 de 1-11-2019 traz informativo artigo de Florence de Changy intitulado “Les entreprises étrangères sous pression chinoise” (As empresas estrangeiras debaixo da pressão chinesa).

Não são empresas pequenas, são mamutes famosos, alguns dos quais do mundo do alto luxo. Florence de Changy começa relatando o caso da NBA (National Basketball Association), a gigante norte-americana que coordena o basquete nos Estados Unidos. Um simples tuíte de Daryl Morey, dirigente do Houston Rockets, apoiando os combatentes pela liberdade em Hong Kong (atenção, só reclamam o que consta dos textos legais), desencadeou furor na China continental, o que causou prejuízos grandes aos maiores clubes dos Estados Unidos. Alguém duvida que o furor não foi instigado pelas autoridades chinesas? Retaliada no bolso, a NBA entrou logo na linha. O recado, e não é o primeiro, ficou mais claro: o governo chinês exige lealdade absoluta (se quiserem troquem lealdade por submissão, fidelidade, vassalagem, subserviência, dá no mesmo). Não admite ninguém pisando fora da linha traçada pelo PCC (Partido Comunista Chinês).

Outro caso. Tem sede em Hong Kong uma linha aérea grande e reputada, a Cathay Pacific. Em agosto, o governo chinês exigiu da empresa que demitisse imediatamente 200 empregados que participaram dos presentes protestos na cidade. Ou, menos que isso, de alguma maneira manifestaram algum apoio, mesmo que discreto. Ordem dada, ordem cumprida. Foram logo demitidos os pouco mais de 200 funcionários. Rua! E ainda três dirigentes. A punição não terminou aí, funcionários de grandes empresas chinesas estão proibidos de voar na Cathay Pacific. Avery Ng, deputado social-democrata, nota: “O governo chinês deu o recado: qualquer pessoa, qualquer uma mesmo, que ousar tomar posição não conforme à linha determinada pelo Partido Comunista Chinês, será punida ou demitida. É aviso ameaçador para todas as empresas que tenham o menor interesse no mercado chinês”.

Poucas semanas depois, foi a vez do BNB Paribas, banco francês. Funcionário seu em Hong Kong ousou colocar no Facebook particular expressão de alguma maneira depreciativa com a China continental e favorável aos Estados Unidos. Sofreu avalanches de ataques das milícias digitais. Teve de sair do banco (a reportagem não deixa claro se pediu demissão ou foi demitido; na prática, a mesma coisa. Rua!).

Resumindo o clima, observou o francês residente há 15 anos em Hong Kong: “Começamos a ter medo de nossa própria sombra. É enorme o efeito da intimidação chinesa. Todo mundo sabe, mas não se pode falar a respeito. Além do mais, de que adiantaria? É a nova realidade”.

De momento, todas as grandes empresas de Hong Kong, e aqui estão incluídas as francesas, muito presentes no setor do luxo e das finanças, temem o passo em falso fatal. Têm uma única escolha: obedecer Beijing. Versace, Givenchy, Coach, Delta Airlines, Zara, entre outros, já pagaram por seus erros.

A vigilância inclui o Tibete e a China Nacionalista. Estão proibidos comentários ou quaisquer manifestações que destoem da linha oficial do Partido Comunista. Beijing nos dois assuntos não tolera ponderações contrárias a seus interesses. A Dior, numa apresentação interna, projetou um mapa da China. Por distração, não constava nele Taiwan. Guerra das milícias digitais. A Dior se dobrou em desculpas, reconheceu publicamente o dogma comunista da “China única”, “respeito constante pelo princípio da China única”. E assim vai.

E assim irá. Pelo tratado com a Inglaterra, a administração de Hong Kong só passará a ser chinesa em 2047. A China perdeu a paciência, mandou às favas escrúpulos, e já está sinalizado sobre o que teremos pela frente. O futuro está chegando antes. Para Macau, a data é 2049, mas ali o futuro já chegou. Eles não piam contra a China, que já domina tudo. Hong Kong e Macau recebem hoje tratamento que, se não acordarmos, será o nosso daqui a algum tempo. Quando? Não sei. Uma coisa sei, para nós, o futuro também pode chegar antes da hora.



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PALAVRA DA SALVAÇÃO (159)


1º Domingo do Advento – 01/12/2019

Anúncio do Evangelho (Mt 24,37-44)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Jesus disse aos seus discípulos: “A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé. Pois nos dias, antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. E eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos. Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem.
Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada.
Portanto, ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor.
Compreendei bem isto: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada.
Por isso, também vós ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão da Ir. Giuliani Maria, FAM, sobre o Advento

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“A vinda do Filho do Homem será como no tempo de Noé” (Mt 24,37)

Começamos um novo ano litúrgico. É um tempo especial que a Igreja nos oferece como escola de oração e oficina de discipulado: ela nos convida à contemplação e invocação dos mistérios de Jesus “hoje” e à aprendizagem do autêntico discipulado neste nosso tempo. O Ano Litúrgico nos diz que o tempo não é movimento circular, repetição do mesmo (chrónos), mas renovação permanente, acontecimento surpreendente (kairós). Acolhamos este novo ano litúrgico como tempo de graça e salvação.

No Advento, somos movidos a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigo dele, a nomear e acompanhar o tempo que nos cabe viver, a habitar com intensidade as diferentes etapas de nossa vida. Cada momento esconde sua pérola, e é muito excitante quando chegamos a descobri-la. 

Falar do “tempo” não é tão simples e óbvio; é frequente encontrar-nos numa situação na qual vivemos o tempo como um túnel, contínuo, repetitivo... Trata-se de um tempo que absorve, devora, desgasta, esgota...; túnel onde só há presente e sua prolongação homogênea. É cenário de uma frenética e acelerada corrida por rentabilizar ao máximo os minutos e as horas. O tempo torna-se cada vez mais veloz, fugaz, estressante... “Kronos” continua a devorar com maior intensidade o que cria. Diante disso, não há futuro auspicioso, nem esperança que sustenta... Com isso, corremos o risco de viver em um “tempo sem tempo”! Um tempo para “ter”! Um tempo para preencher! Um tempo de excesso de informação circulante e de atividades insensatas (sem sentido)! Um tempo sem eternidade. 

Um tempo assim só é habitado pelo “ego”; não há lugar para o outro, muito menos para o Outro. Podemos dizer que um tempo assim cheira a mofo, não está arejado...; é monstro que nos devora. Trata-se de um “tempo sem advento”: não vem ninguém, não esperamos ninguém... Também Deus não consegue entrar em nossos “tempos apertados”. 

Marcados pelo “tempo vazio” a ser preenchido a todo custo, acabamos por perder a consciência da riqueza do “tempo do Advento”. Tempo forte carregado de sentido, que nos humaniza e nos faz caminhar em direção Àquele que vem vindo... ao nosso encontro. Tempo que nos faz ter acesso àquilo que é mais humano em nós: o sentido da esperança, a travessia, o encontro com o novo...; tempo que nos arranca de nossas rotinas e modos fechados de viver.

Viver o tempo intensamente, vivificá-lo, cuidá-lo e artisticamente orientá-lo para aquilo que desejamos. Este “tempo presente” é oportuno, precioso e não volta mais. Vivê-lo para além dele, na espera do que deve vir, carregá-lo de intenção e de presença. 

Mais uma vez, é preciso parar e descer a esse nível do tempo para ir descobrindo uma Presença que completa nosso ser, que plenifica nossa existência, que responde à nossa interrogação existencial...; está aí, vindo em direção à nossa vida, mais uma vez e de maneira surpreendente, como sempre esteve. “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap. 3,20).

Advento, portanto, nos revela a presença da eternidade no coração do tempo. O Eterno irrompe na história, iluminando a dura rotina e a sequência do cotidiano. E, no nosso interior, o Eterno tem seu templo. Quando o Advento aponta para a eternidade, bem que poderíamos olhar para dentro de nós mesmos. Aí, no nosso interior, há tanto de eterno. A eternidade dialoga com a gente, fala por dentro.

Passamos a viver, então, o tempo da espera e da esperança, das buscas e dos silêncios... Sem a eternidade do coração que pulsa em nós, que nos unifica e plenifica, a vida se empobrece. 

Por outro lado, o Advento nos desperta para “olhar” ao nosso redor e descobrir que Deus continua vindo. Sempre e por caminhos surpreendentes. Advento nos convida a “contaminar-nos” da realidade; e isso nos humaniza. Toda a nossa vida torna-se Advento.

Deus está no coração do tempo. Deus está ali como força explosiva que dá à nossa vida nova dimensão e à nossa existência, infinito valor. De agora em diante, cada um de nossos momentos está cheio de Sua presença, pois a eternidade está no coração do tempo. Deus transforma o “kronos” em “Kairós”. 

A invasão da eternidade no tempo confere a este mesmo tempo uma plenitude de ser, um peso de realidade e existência, uma densidade de sentido que ele é incapaz de ter por si só. De agora em diante, nada em nossas vidas é insignificante, nem rotineiro. A ação mais simples é transfigurada e assume uma dimensão eterna e divina. Nada é banal, nada é comum para alguém cuja vida mergulha no eterno.

No evangelho deste domingo, tanto a referência à história de Noé, como as duas breves parábolas que seguem, se apresentam com um matiz de “urgência”, que se traduz em um chamado à “vigilância”: “ficai atentos..., ficai preparados”. Sem dúvida, é um convite a permanecer despertos, porque o “Filho do Homem”, está vindo, e só a atenção nos permite percebê-lo.

Numa leitura literal, esta “vinda” pode ser mal-entendida como algo que deve acontecer em um futuro mais ou menos próximo, e que comporta um juízo com o correspondente “prêmio” ou “castigo”. No entanto, o texto mateano nos oferece uma perspectiva mais ampla e atual.

Deus está vindo a todo instante, mas só quem está verdadeiramente desperto entrará em sintonia com essa presença e deixar-se-á inspirar por ela. Se não descobrirmos essa presença, nossa vida poderá transcorrer sem tomarmos consciência da maior riqueza que está ao nosso alcança. Deus não tem que vir em nenhum momento especial, nem vem de parte alguma, porque é a base e fundamento de nosso ser; e se Ele se separasse de nós um só instante, nosso ser voltaria ao nada. O que chamamos Deus está em nós como fundamento, mesmo que não descubramos sua presença. Mas, como ser humano, nossa mais alta possibilidade de plenitude consiste precisamente em descobrir e viver conscientemente essa realidade. Deus está presente em tudo, habita em todos os seres, mas só o ser humano pode ser consciente dessa presença.

É preciso recuperar a força do “hoje” de Deus para conosco, reconhecer o “tempo” de sua Vinda, em tempos de deslocamentos. Vislumbramos “algo” no horizonte e percebemos seus passos enquanto chega; e a história é o rumor desses passos. Caminhamos para Ele quanto mais nos adentramos no profundo de nós mesmos e da realidade.

Contemplando o “hoje” de Deus, o coração se alarga até o assombro, os braços se abrem para a acolhida, os pés se movem para o encontro, os olhos se aquecem para o reconhecimento.

Texto bíblico:  Mt 24,37-44 
Na oração: É preciso despertar e abrir bem os olhos.

Viver vigilantes para olhar mais além de nossos pequenos interesses e preocupações. O Evangelho nos convida a estar vigilantes. Estar desperto é a condição mínima para ativar nossa humanidade.
- O que você está vislumbrando no seu horizonte pessoal, social, espiritual, profissional, relacional...?
- Deus entra em sua agenda, em seu tempo? Quê sinais de sua presença você percebe no ritmo cotidiano de sua vida?

Pe. Adroaldo Palaoro sj


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