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quinta-feira, 5 de abril de 2018

O CÉU DOS HERÓIS O ACOLHA! - Roberto de Mattei


3 de Abril de 2018

Roberto de Mattei *

Na Semana da Paixão, o sangue europeu e cristão foi novamente derramado, ao grito de Allah Akbar!, como aconteceu em Londres, em Barcelona, em Berlim, em Nice, e agora em Carcassonne. Um grito que nos recorda que a Europa está em guerra.

Essa guerra é religiosa e conduzida pelo Islã com todas as armas, não necessariamente sangrentas: até a invasão migratória faz parte dessa estratégia de conquista. O objetivo é o mesmo: a submissão da Europa e do Ocidente ao Islã, uma palavra que etimologicamente significa submissão.

Não podemos escapar dessa guerra, mas a primeira diferença fundamental entre nós e nossos inimigos é que a nossa guerra é defensiva, não ofensiva: o Ocidente a sofre, não a declarou.

A segunda diferença é que nossa guerra não prevê o massacre, mas a salvação dos inocentes. Nesse sentido, o Tenente-coronel da Gendarmeria, Arnaud Beltrame [foto acima e abaixo], que em 23 de março de 2018 ofereceu sua vida para salvar uma mulher refém de um terrorista, pode ser considerado um herói francês, europeu e cristão.

Francês, porque cumpriu o dever de militar de seu país como tenente-coronel da tropa de paraquedistas da Gendarmeria; europeu, porque foi vítima de um conflito que se estende de um extremo a outro da Europa e que a tem em situação de risco; cristão, porque foi certamente da fé cristã que o coronel Beltrame extraiu o espírito de sacrifício de seu gesto, que aparece como uma realização das palavras do Evangelho: “Não há maior amor do que dar a vida pelos amigos” (Jo. 15,13).

O Coronel Beltrame cresceu em um ambiente laico e frequentou a maçonaria, mas nos últimos anos aproximou-se da Igreja e sua conversão ocorreu sob o signo da Tradição. Ele frequentava os cônegos da Mãe de Deus na Abadia de Lagrasse, um dos lugares na França onde a Missa é celebrada de acordo com o antigo rito romano.

Casado civilmente, o coronel se preparava para o casamento religioso sob a orientação do Padre Jean-Baptiste, daquela abadia, e certamente seu percurso de formação se deu de acordo com o ensinamento tradicional da Igreja, e não com a nova moralidade introduzida pela exortação Amoris laetitia. O referido sacerdote, na noite de 23 de março, ministrou ao coronel, no hospital de Carcassonne, a extrema-unção e a bênção apostólica in articulo mortis.

A misericórdia do Senhor abre as portas do Céu para aqueles que sincera e coerentemente procuram o verdadeiro ensinamento da Igreja, mas não nos iludamos de que as abra para aqueles que julgam encontrar um compromisso entre o Evangelho e seu próprio prazer e egoísmo. O Coronel Beltrame teve a graça de testemunhar que a vida do cristão é uma luta, até o martírio. O Céu dos heróis certamente o acolherá.

Dos bispos, dos cardeais, do Papa, não esperamos apenas palavras de louvor por seu brilhante exemplo. Esperamos que ao programa de islamização da Europa, resumido no grito Allah Akbar!, se oponha a voz da Igreja através de um firme e solene programa de reevangelização da Europa expresso pelas palavras de São Paulo que ressoam na Semana Santa: “Em o nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, na terra e no inferno; e toda língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para a glória de Deus Pai” (Fil. 2, 9-11).

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(*) Fonte: “Corrispondenza romana”, 28-3-2018. Matéria traduzida do original italiano por Hélio Dias Viana.


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NEGUINHA DESASSUNTADA – Ariston Caldas


Neguinha Desassuntada

            Virgínia. “Neguinha desassuntada”, como dizia Emília, filha de dona Honorata. Dez anos, nem parecia ter só essa idade. “Cada coxa!”. Dizia André da venda,  sujeito enxerido, metido na vida dos outros.

            Pelada embaixo de um ponche puído, ela se arreganhava toda para Pedrinho, menino ainda tolo, neto de dona Honorata; ele nem ligava para as doideiras, mas Virgínia insistia, cínica, dentes brancos de fora, alheia a quem estivesse em redor, Pedrinho desviava os olhos. Nessa situação, ela dava um muxoxo para o vento, juntava a frente do ponche encardido e o abotoava, cobrindo as coxas robustas, saindo depois como um redemoinho, articulando outras patacoadas. Mas era amorosa e meiga a momentos; penteava o cabelo de Emília e fazia cafuné em dona Honorata. “Bênção, seu Crispim”. Era o marido de Emília.

            A família tinha uma fazenda cheia de bois de raça, vacas leiteiras e um mundo de criações. Virgínia fora dada a eles pelos próprios pais que sumiram depois para o Sul. Cresceu num abrir e fechar de olho, bonitinha; aprendeu a lavar roupa, cozinhar, levar recados, e alguma leitura numa escola ruim. Aos oito de idade quase morria de catapora e no auge da coceira saltou da cama e ganhou a rua, cheia de febre,  xingando, gritando, danada se coçando aos pulos; foi uma luta reconduzi-la para a cama.

            Era criada sem nenhuma surra, somente dono Honorata corrigia-lhe com beliscões ou puxões de orelha. Emília prendia-lhe vez em quando no quarto escuro que ficava no fundo do quintal, amarrando-lhe os pulsos e os rejeitos com corda de pindoba; nem uma lágrima. “A neguinha tem natureza de cão”. Estrebuchava, gemia baixinho, tremia. Quem mandou fazer encrencas? Era também pela cor, pelo cabelo de pixaim, pelo cheiro embaixo dos braços. E o corpo bem-feito, os peitos duros, as pernas torneadas cor de chocolate puro? Olhavam, sim, como André da venda.

            Emília gostava dela penteando-lhe  os cabelos finos, as mechas entre os dedos iam virando caracóis enfileirados, como tubos de seda;  Emília nem sabia ajeitar o cabelo como fazia Virgínia;  a carícia das mãos, o jeito de passar o pente. Olhava-se ao espelho e via os tubos sedosos transformados em cachos caídos pelos ombros. Nesses momentos queria bem a Virgínia, não teria coragem de prendê-la no quarto escuro, com os pulsos e os rejeitos amarrados. Gemia e esperneava-se até às tantas; “Só vou te soltar à tardinha”.

            Num esfregar de olho Virgínia explodia com novas invenções, soltava traques  nos ouvidos das cabras, jogava lagartixas gargueladas nos bolsos dos meninos. Amarrava uma linha  numa tira de pano preto e puxava-a rente aos pés das pessoas; fez isso uma vez com dona Honorata: “uma cobra!”. Dona Honorata caiu da cadeira, pernas pra cima, gemendo. Virgínia passou o resto do dia amarrada no quarto escuro, sem comer. Uma desassuntada. Falava putaria com Pedrinho, mostrava-lhe o bico do peito, “pegue aqui”, desabotoando a frente do ponche. Pedrinho nem ligava. Neguinha boa para levá-lo ao colégio, vigiá-lo tomando banho na represa da fazenda; penteá-lo, ajeitar a farda da escola. As descarações dela nem deviam ser por maldade. Se Emília aparecesse no momento! “Pega aqui”. Virginia nunca pensava que ela aparecesse, não levava nada a sério, nem as intenções parecendo maldosas. Mas não eram, somente deboche, boca porca até junto de dona Honorata, soltando nomes descarados. Fingia timidez com Emília que não vacilava em jogá-la dentro  do quarto escuro do fundo do quintal.

            Casualmente lembrava-se do pai e da mãe, “sai daqui, pestinha!”. Não apanhava nem ficava presa em  quarto escuro, mas passava fome e outras necessidades, por isso não sentia lá essas saudades do passado ainda próximo, somente uma compaixão sutil pelo pai magro, cor de jabuticaba, olhos brancos, cabelo betumoso, barbicha rala na ponta do queixo; pela mãe, mulata tisnada de sol, de saia velha de chitão atada à cintura. “Vim lhe trazer a menina, dona Emília”. Virgínia se lembrava do dia, do momento. Teria guardado alguma mágoa dos pais? Morava numa casa boa e bem pertinho da fazenda cheia de bois de raça, vacas leiteiras, cabras por todo canto; uma represa para tomar banho com Pedrinho. Tinha o que comer, cama macia para dormir. Lembrava-se do quarto escuro onde pagava suas dívidas, as presepadas que fazia com dona Honorata. “Neguinha desassuntada”.

(LINHAS INTERCALADAS)
Ariston Caldas

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