Capanga de Sonetos é o mais
novo livro de Cyro de Mattos
O AUTOR E O LIVRO
Baiano de
Itabuna, cidade no Sul da Bahia, jornalista com passagem na imprensa do Rio,
advogado aposentado, Cyro de Mattos é autor de mais de 60 livros pessoais,
entre o romance, o conto, o poema, a crônica, o ensaio e a literatura
infantojuvenil. É também editado em Portugal, Itália, França, Alemanha,
Espanha, Dinamarca e Estados Unidos. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e
México. Participa de dezenas de antologias no Brasil e exterior.
Autores da
melhor distinção e a crítica especializada têm ressaltado as qualidades de sua
poética integrada de sensualíssimo lirismo, “que em poemas da mais cristalina
corrente-do-existir dá a beber a precária realidade-de-ser”, como observa Maria
Irene Ramalho, ensaísta portuguesa e doutora em Letras. Mas sua poesia também
irrompe do fundo do homem e das coisas, pulsa em suas raízes como no
cancioneiro motivado pela civilização cacaueira baiana. Nasce, assim, com a
localização de vozes no lugar onde o homem teve origem, vive e morre. Também
revela uma modulação especial, que se constitui em atrativo amoroso no qual
recria o homem inundado do canto inspirado pela união carnal e espiritual com a
mulher para o que der e vier a acontecer. Temos então um comportamento mágico
da palavra, essa eternidade do Verbo naquilo que é “lampejo” existencial,
paixão indizível, que só a Poesia pode reviver e transcender”, como assinala a
ensaísta Nelly Novaes Coelho.
Desprezando
o uso da linguagem com apelos ao ornamento, operada com excessiva sonoridade
verbal, disfarces na sintaxe invertida para gerar efeitos ou daquela revestida
de expressão hermética cifrada, num código que só o autor entende, seus versos
configuram dizeres de um simples poeta do amor, da natureza, dos seres e das
coisas, que se permite retirar da capanga do tempo uma legítima disposição da
alma lírica nas formas da beleza. Nessa condição do poeta legítimo transmite ao
leitor pequenas porções de encantamento, identificando e celebrando a vida
ritmada com novos renascimentos.
Há nesta
capanga de sonetos os de formato tradicional e os de forma reduzida, que
estendem momentos querendo sustar o tempo riscado no instante breve do eterno.
No sopro da ilusão buscam elevar a alma segura de surpresas para ordenar a
existência. Encontramos neles o brilho dos seres e das coisas, da natureza
humana e física quando emite suas vozes e são capturadas na passagem do amor
imaginado com as suas afirmações e negações nas quais permanecemos ou fugimos
durante o tempo em que existimos.
Seis Poemas do Livro Capanga de Sonetos
estes sonetos com o vento fazendo
surpresas nos quintais, em cada instante,
que se cabe no amanhecer cantante.
Vê-se logo, de tudo um pouco tendo,
querem expressar alguns sentimentos
que por dentro e fora ferem momentos
vistos nos seres e coisas do mundo.
A forma neles mostra-se imperfeita,
sem brilho, vem de minha alma sedenta,
distante do engenho da natureza.
Leve o tempo nas asas fuga certa,
eterno encanto no que se sustenta,
em mim são como os vícios da beleza.
Dos Galos
Melhor tê-los nos seus clarins da aurora
quando anunciam claras madrugadas,
observá-los rubros com bico e espora
nas rações benditas, multiplicadas
por mãos de orvalho, telúricas na hora
sem rinha e rude medo das caçadas.
Melhor senti-los nos quintais de outrora
quando escavam o verde das jornadas
do que encontrá-los na multidão roucos,
incolores no alto e, no asfalto, loucos
ou sabê-los solitários nas noites
que passam sempre anônimas e tristes
e vê-los, emudecidos, na sorte
imutável que os tomba para a morte.
Da Flauta Plena
Canções aconteceram quando a vida
em carícia de flauta era sentida.
Agora, zangada, pisa na relva,
emerge nos gritos hostis da selva.
Canções aconteceram quando a vida
em carícia de lenço era tocada.
Tinha aquela música que não ceva
tremores fortes numas folhas de erva.
Ira erra e-l-e-t-r-ô-n-i-c-a de pantera,
telex informa calendas de guerra,
rosas enfermas: água, céu e terra.
Apesar dessas vozes que na cena
Ululam, febris na corrente insana,
Deixo que se vá minha flauta plena.
Do Momento Mágico
Se tudo é logro, sonhar é sabê-lo
em impulso mágico do existir.
Se buscar bem a razão do existir,
termina por encontrar, não o selo
que põe um fim aos problemas da vida,
mas o encantamento, inexplicável, da
poesia. A linguagem é a casa
do ser, a poesia mora na asa.
Com a beleza inspirada pelo sonho,
a palavra emprestada
pelo sonho,
o ser apresenta-se com as vestes da
vida e da morte, e se repete. Nada
fica nos anos, como o vento passamos.
Na solidão desse verso sonhamos.
Da Agonia
Não posso parar a dança que não
descansa numa sinistra pá. Não
posso encontrar a chave dessa porta
no lado de lá. E
porque essa porta
nunca se abre não sei para onde vou,
já não serve o rio que aqui findou.
Cerca-me esse mar triste, a voz assim
calada nada propõe,
sinto em mim
o inexorável de meu ser precário.
Incerto, sem ânimo, provisório.
Indago: se não fosse a poesia,
toda essa agonia como aguentar?
Como existir sem sua companhia?
Entre solidões como me encontrar?
Das Mãos na Goela das Águas
Venho sendo omisso pra refazer
virginais caminhos de água, dizendo
melhor, matei o que era para ser
vivo no seu amanhecer líquido.
Eu me acuso por ser indiferente
ao benefício, sempre abundante,
de água pura que jorrava na fonte,
peixe e rede no orvalho competente.
E como réu confesso que merece
por tão grave delito ser punido,
chegando do que lhe foi natural,
em noite morta, que nunca apetece,
lavro minha sentença, condenado
a viver no abismo do que há no Mal.
* * *