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quinta-feira, 8 de agosto de 2019

10 DE AGOSTO: DIA DE JORGE AMADO – as gulosas


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(Bahia, 1965 – as gulosas)


            Um ruído suspeito me acorda, apuro o ouvido, parece-me provir da sala de jantar. levanto-me evitando fazer barulho, saio do quarto, avisto luz acesa na cozinha. vou em passo de gato, surpreenderei o ladrão, a surpresa será a melhor arma, não tenho revólver em casa. Aliás nunca possuí nem usei revólver, na Câmara dos Deputados eu era o único parlamentar desarmado, me lembro do assombro de Silvestre Péricles de Góes Monteiro quando abri o paletó e ele constatou a ausência de pau-de-fogo em minha cintura: você é maluco.

            Na cozinha, o que vejo? Dona Angelina, mãe de Zélia, e minha mãe Lalu, envergando uma e outra camisolas de dormir como convém a viúvas idosas, chupam mangas - manga se chupa, não se come, caso se deseje fruir o prazer completo -, rostos lambuzados. O mel escorre dos lábios para o queixo, mancha as pulcras camisolas. Chupam as mangas com avidez e competência, o ruído que me pareceu suspeito procede das bocas das duas senhoras no gozo da fruta colhida no jardim da casa, mangas-carlotas suculentas.

            Regresso ao quarto, pé ante pé, para que as duas não me vejam, morreriam de encabulamento. Aproveitam a calada da noite para o pecado da gula, o sabor das mangas chupadas assim às escondidas torna-se divino. Lalu e Angelina estalam as línguas.

***
            Onde quer que eu chegue, nas comarcas do mundo, províncias e metrópoles, vilarejos, encontro mesa posta e escuto uma palavra amiga.

            Alguém me diz: li teu livro, companheiro, ri chorei, me comovi. Tereza Batista mudou minha vida, Pedro Arcanjo me ensinou o pensamento livre, a pensar por minha cabeça, aprendi com Quincas a não ser o outro e, sim, eu próprio, com o comandante Vasco Moscoso de Aragão troquei o medíocre pelo sonho, aprendi o amor com Gabriela e dona Flor dele me deu a medida exata: mais poderoso do que a morte. És escritor porque eu existo, teu leitor: chorei e ri, me emocionei ao ler teu livro.

          Onde quer que eu chegue tenho mesa posta e alguém me diz uma palavra amiga. esse o prêmio, a razão e o compromisso.


(NAVEGAÇÃO DE CABOTAGEM)
Jorge Amado

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JORGE AMADO - Quinto ocupante da Cadeira 23 da ABL, eleito em 6 de abril de 1961, na sucessão de Otávio Mangabeira e recebido pelo Acadêmico Raimundo Magalhães Júnior em 17 de julho de 1961. Recebeu os Acadêmicos Adonias Filho e Dias Gomes.

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PREMIADA POETA BRASILEIRA ESTREIA COMO CONTISTA - 14/08/2019


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DENISE EMMER convida para o lançamento do livro O cavalo cantor e outros contos, no dia 14 de agosto de 2019, próxima quarta-feira, a partir das 19 horas, na Casa da Leitura (Rua Pereira da Silva, 86 - Laranjeiras - Rio de Janeiro /RJ).

Atenciosas saudações,
Cláudio Aguiar
Presidente do PEN Clube do Brasil
Visite nosso portal: http://www.penclubedobrasil.org.br
E-mail: [/compose?to=pen@penclubedobrasil.org.br]pen@penclubedobrasil.org.br


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O cavalo cantor e outros contos


A premiada poeta Denise Emmer faz sua estreia como contista. A coletânea, editada pela Espelho D’Alma, traz 11 histórias em que a autora mergulha no realismo mágico. A obra chega às livrarias em agosto.

A carioca Denise Emmer é dos nomes mais importantes da poesia contemporânea brasileira. Uma constatação disso está nos 11 prêmios dados à autora, sendo dois deles concedidos pela Academia Brasileira de Letras (ABL): Olavo Bilac, em 1991, e o Prêmio ABL de Poesia, em 2009. Sem falar no respeito conquistado por ela entre grandes nomes como o do crítico literário Antônio Houaiss (1915-1999) e o do poeta e imortal Ivan Junqueira (1934-2014). Autora de 18 livros (15 deles de poesia, dois romances e uma memória romanceada), a escritora aventura-se agora por um gênero até então inédito para ela, o dos contos. Sua estreia no gênero dá-se com “O cavalo cantor e outros contos” (Espelho D’ Alma),  no qual reúne 11 histórias  cujas narrativas têm, em comum, o estilo conhecido como realismo mágico ou fantástico. O prefácio é do premiado autor Álvaro Alves de Faria, que também assina as ilustrações da obra, e a orelha é do poeta e ensaísta Cyro de Mattos. “O cavalo cantor e outros contos” chega às livrarias em agosto, com noites de autógrafos no Rio (14/08) e em São Paulo (22/08).

O realismo mágico consagrou-se na Literatura dos anos 1960 para cá. E tem no colombiano Gabriel Garcia Márquez (1927-2014) seu sumo pontífice. No Brasil, o estilo tem como principais representantes José J. Veiga (1915-1999) e Murilo Rubião (1916-1991). Mais recentemente, o moçambicano Mia Couto consagrou-se nessa seara. Na história da literatura é comum um autor tornar-se célebre por dominar bem um determinado estilo. O que não o impede de flertar com outros, não necessariamente demonstrando intimidade com eles. O que não é o caso de Denise Emmer. E isso é observado por Cyro de Mattos na orelha do livro. Após evocar os supracitados Veiga e Rubião, ele destaca o quão segura a escritora está no terreno do fantástico: “’O cavalo cantor e outros contos’ é um livro excelente. O seu realismo fantástico, de natureza poética, sobra na belíssima narrativa. É puro brilho de criatividade, rico nas imaginações que encantam”.

Se os contos são regidos pelo signo do fantástico, em relação aos temas, a autora mergulha fundo em questões que  acompanham – e afligem – a alma humana desde tempos imemoriais. “Denise percorre, com esmero, mundos diversos ligados à vida do homem”, atesta Álvaro Alves de Faria no seu prefácio, complementando em seguida: “um zelo quase sempre difícil de se encontrar na literatura brasileira atual”.

São questões como a morte, a falta de comunicabilidade entre os seres (pertinente nesses nossos tempos) e, claro, a solidão. Essa solidão, que, segundo Alves de Faria, “está impregnada em tudo e isso torna a linguagem muito mais apaixonante”. Se os personagens são desprovidos de nomes na sua grande maioria (as exceções são a anciã Alice e o cavalo que dá título ao livro, ora denominado Cinema, ora Morte), por outro lado, são personas plenas de idiossincrasias e características que fazem deles seres comoventes ou assombrosos. Em comum, todos únicos, como cada uma de suas tramas, elaboradas com maestria.

Mais sobre a autora:

Denise Emmer nasceu no Rio de Janeiro. É escritora e musicista. Estreou na Literatura com “Geração estrela”, em 1976, e desde então construiu uma carreira literária que abarca 15 livros de poesia e outros três em prosa (dois deles romances). É detentora de 11 prêmios literários, dentre os quais destacam-se o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), ganho em 1990; o Prêmio Internacional José Marti, da Unesco, pelo conjunto da sua obra; e dois deles concedidos pela ABL: Olavo Bilac (1991) e o ABL de Poesia (2009). Seu livro “Lampadário” foi editado no Brasil (7 Letras, 2008) e em Portugal (Chiado, 2018). Como musicista e cantora, gravou diversos CDs, dentre os quais “Cinco movimentos e um soneto”, no qual musicou e canta poemas de Ivan Junqueira.

Serviço:

Título: “O cavalo cantor e outros contos”
Autora: Denise Emmer
Editora: Espelho D’Alma
Lançamento: agosto de 2019
Formato:  14 X 21cm
Número de páginas: 96
Preço: R$30

Mais informações:
Christovam Chevalier Comunicação

(21) 9 9177-4761 ou christovam.chevalier@gmail.com


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NEGRA SABINA - Cyro de Mattos


Negra Sabina
Cyro de Mattos


Cerâmica do piso brilhando. Móveis lustrados. Vidros sem um fio de poeira. Comida deliciosa, pratos variados, cheiro provocante, tempero divino.

Incomum disposição nos trabalhos de casa.

Outra não existia no mundo. A família elogiava. Nem ligava.

 Fechava a porta da cozinha. Não queria ver marido e esposa duelando na sala.  Nem pai com o filho. Batalhas acirradas.

Nunca quis ter seu homem. Pra que ter filho, pobre e preto? Carregar mais peso neste mundo? Bastava-se na sua cruz pessoal. Acostumada com o destino.  Doçura nunca lhe pertenceu neste mundo cheio de amarguras.
 
Tempão trabalhava para aquela gente fina. De cabelo louro, olho azul, pele branca como vela.

Um dia, a pergunta constante, ninguém sabia explicar o sumiço da foto.  Quem tinha feito aquilo?  A moldura vazia na parede. Sem o retrato do neto da patroa.  Procurou-se por todos os cantos. A patroa abriu, fechou gavetas.
 
Coisa estranha, intrigante.

Negra Sabina era empregada de confiança. Nunca tinha sumido nada no apartamento.

Então como foi acontecer?  “Se quiser, vá até meu barraco. É perto daqui. Procure lá.” Resposta da patroa, nervosa.: “O que é isso? Nunca falamos que foi você.”

Para que ia querer o retrato da criança loura, cabelos finos, olhos azuis como o mar?

Colocara o retrato do menininho no seio.

À noite no barraco. Diante da foto protegida por mãos generosas. Cantava baixinho:

Boi, boi, boi
Boi da cara preta
Vem pegar nenê
Que tem medo
De careta.

Igual como a tataravô fazia com o neném da sinhazinha. Na casa-grande do engenho.


Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Publicado em Portugal, Itália, Espanha, Alemanha, França, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Premiado no Brasil e exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e de Ilhéus. Comendador da Ordem do Mérito do Governo da Bahia.

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