Total de visualizações de página

sábado, 19 de setembro de 2020

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: Dalila - Castro Alves


                                                      DALILA

Fair defect of nature.
Milton (Paradise Lost)



Foi desgraça, meu Deus!... Não!... Foi loucura
Pedir seiba de vida - à sepultura,
Em gelo - me abrasar,
Pedir amores - a Marco sem brio,
E a rebolcar-me em leito imundo e frio
- A ventura buscar.

Errado viajor - sentei-me à alfombra
E adormeci da mancenilha à sombra
Em berço de cetim...
Embalava-me a brisa no meu leito...
Tinha o veneno a lacerar-me o peito
- A morte dentro de mim...

Foi loucura!... No ocaso - tomba o astro;
A estátua branca e pura de alabastro
- Se mancha em lodo vil...
Quem rouba a estrela - à tumba do ocidente?
Que Jordão lava na lustral corrente
O marmóreo perfil?...

Talvez!... Foi sonho!... Em noite nevoenta
Ela passou sozinha, macilenta,
Tremendo a soluçar...
Chorava - nenhum eco respondia...
Sorria - a tempestade além bramia...
E ela sempre a marchar.

E eu disse-lhe: Tens frio? - arde minha alma.
Tens os pés a sangrar? - podes em calma
Dormir no peito meu.
Pomba errante - é meu peito um ninho vago!
Estrela - tens minha alma - imenso lago -
Reflete o rosto teu!...

E amamos - Este amor foi um delírio...
Foi ela minha crença, foi meu lírio,
Minha estrela sem véu...
Seu nome era o meu canto de poesia,
Que com o sol - pena de ouro - eu escrevia
Nas lâminas do céu.

Em seu seio escondi-me... como à noite
Incauto colibri, temendo o açoite
Das iras do tufão,
A cabecinha esconde sob as asas,
Faz seu leito gentil por entre as gazas
Da rosa do Japão.

E depois... embalei-a com meus cantos
Seu passado esqueci... lavei com prantos
Seu lodo e maldição...
...Mas um dia acordei... E mal desperto
Olhei em torno a mim... - Tudo deserto...
Deserto o coração...

Ao vento, que gemia pelas franças
Por ela perguntei... de suas tranças
À flor que ela deixou...
Debalde... Seu lugar era vazio...
E meu lábio queimado e o peito frio,
Foi ela que o queimou...

Minha alma nodoou no ósculo imundo,
Bem como Satanás - beijando o mundo -
Manchou a criação,
Simum - crestou-me da esperança as flôres...
Tormenta - ela afogou nos seus negrores
A luz da inspiração...

Vai, Dalila!... É bem longa tua estrada...
É suave a descida - terminada
Em báratro cruel.
Tua vida - é um banho de ambrosia...
Mais tarde a morte e a lâmpada sombria
Pendente do bordel.

Hoje flores... A música soando...
As perlas do Champagne gotejando
Em taças de cristal.
A volúpia a escaldar na louca insônia...
Mas sufoca os festins de Babilônia
A legenda fatal.

Tens o seio de fogo e a alma fria.
O cetro empunhas lúbrico da orgia
Em que reinas tu só!...
Mas que finda o ranger de uma mortalha,
A enxada do coveiro que trabalha
A revolver o pó.

Não te maldigo, não!... Em vasto campo
Julguei-te - estrela, - e eras - pirilampo
Em meio à cerração...
Prometeu - quis dar luz à fria argila...
Não pude... Pede a Deus, louca Dalila,
A luz da redenção!!...

Recife, 1864.

..................


CASTRO ALVES

 

          Antônio de Castro Alves nasceu na comarca de Cachoeira, Estado da Bahia, a 14 de abril de 1847, sendo filho do médico Antônio Alves e de sua mulher, D. Clélia Brasília da Silva Castro. Faleceu na cidade do Salvador a 6 de julho de 1871. Na expressão de Afrânio Peixoto Castro Alves “Pôs suas ideias à frente do seu sentimento e, num tempo em que a miséria da escravidão não comovia ninguém,  despertou com os seus poemas arrebatadores, piedosos ou indignados, a sensibilidade humana e patriótica da geração que, vinte anos mais tarde, viria a conseguir a liberdade. Por isso lhe deram o nome invejável de Poeta dos Escravos. Das alturas do seu gênio compreendera que não há grande homem sem uma grande causa social a que tenha servido, e não aspirava a outra glorificação que a dessa obra realizada. A morte, depois, não importaria...

 

De tumba da infâmia erguer um povo

Fazer de um verme – um rei.

Depois morrer... que a vida está completa

- Rei ou tribuno. César ou poeta,

Que mais quereis, depois?

Basta escutar do fundo lá da cova

Dançar em vossa lousa a raça nova

Libertada por vós...”


* * *