Sempre fui fascinado por nomes. Quando era criança, me
lembro que os jornais e revistas volta e meia publicavam listas de nomes
incomuns. E sempre constavam Um Dois Três de Oliveira Quatro, Rolando
Escadabaixo de Andrade e Restos Mortais de Catarina, entre outros nomes,
próprios ou impróprios.
Outro dia procurei na internet a lista do TSE e descobri
outras pérolas, como Deusa do Amor Divino Tortieri, Danúbio Tarada Duarte,
Esparadrapo Clemente de Sá, Felicidade do Lar Brasileiro, Faraó do Egito Souza,
Fraternidade Nova York Rocha, Frankstein Júnior, Gêngis Khan Camargo e Graciosa
Rodela.
Mas a capacidade de criar nomes não parou por aí. Na lista
há outros eleitores também notáveis, como a Sra. Talvez Aberta Demais de
Oliveira, o Sr. Ácido Acético Etílico da Silva, o Dr. Alfredo Prazeroso
Texugueiro, Dr. Antônio Morrendo das Dores, Dona Defuntina de Souza Cruz, Dr.
Himineu Casamentício das Dores Conjugais e a Dona Ambrísia Estilingue Morretes.
O curioso é que esses nomes raros surgem às vezes por acaso.
Como muita gente sabe, meu amigo Millôr Fernandes foi batizado Milton Viola
Fernandes. Só que o escrivão do Méier, por criatividade ou analfabetismo,
deixou de grafar o tracinho horizontal da letra “t”, e, como se não bastasse,
sapecou um circunflexo no “o”. Assim, o Milton virou Millôr. Só aos 16 anos
Millôr descobriu sua nova velha identidade. Ficou felicíssimo.
Já a avó materna de minha musa e patroa chamava-se Violina —
pelo menos até ser matriculada na escola e ouvir pela primeira vez a lista de
chamada, quando descobriu que se chamava Deolinda. É que seu pai era português
e, ao pronunciar o nome da filha no cartório, o escrivão confundiu alhos com
bugalhos.
Há experiências ainda mais triviais. Meu filho mais velho,
Joaquim Pedro, nasceu três dias depois de Alexandre, primogênito de Egberto
Gismonti, meu parceiro de canções, em 1981. Fomos juntos batizá-los no
<SW,26>cartório da Rua Djalma Ulrich, em Copacabana. Lá chegando,
encontramos um admirador de música, que ficou feliz ao deparar conosco.
Combinamos que cada um de nós seria testemunha no registro dos filhos dos
outros. Para adiantar a burocracia, perguntei ao colega: “Qual é o nome do seu
filho?” E ele me respondeu: “Raôni”, com acento no o.”
Com muito jeito, procurei esclarecer que havia um cacique
indígena chamado Raoni, com acento no i. Mas o colega insistiu: “O meu é Raôni,
com acento no o.”
Só então percebi que, em matéria de nomes, não há o que
discutir: o que manda é a convicção dos pais. Se a cidadã ou cidadão quiser
batizar o filho com outros nomes que constam da lista do TSE, como Colapso
Cardíaco da Silva ou Maria Regina do Pinto Magro, tudo bem, tem todo o direito.
Mas pode ter certeza de que vai fazer a festa dos cronistas do futuro.
Geraldo Carneiro - Sexto ocupante da Cadeira 24 da ABL,
eleito em 27 de outubro de 2016, na sucessão de Sábato Magaldi e recebido em 31
de março de 2017 pelo Acadêmico Antonio Carlos Secchin.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou:
“Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete
vezes?”
Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até
setenta vezes sete. Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu
acertar as contas com seus empregados. Quando começou o acerto,
levaram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. Como o empregado não
tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto
com a mulher e os filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida.
O empregado, porém, caiu aos pés do patrão e, prostrado,
suplicava: ‘Dá-me um prazo, e eu te pagarei tudo!’ Diante disso, o patrão
teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida.
Ao sair dali, aquele empregado encontrou um de seus
companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a
sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’.
O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um
prazo, e eu te pagarei!’ Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou
jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia.
Vendo o que havia acontecido, os outros empregados ficaram
muito tristes, procuraram o patrão e lhe contaram tudo.
Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado
perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. Não devias
tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’
O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos
torturadores, até que pagasse toda a sua dívida.
É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se
cada um não perdoar de coração ao seu irmão”.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Paulo Ricardo:
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O perdão atrevido e criativo
“Senhor, quantas vezes devo perdoar...?” (Mt 18,21)
Pouca gente, mesmo entre cristãos, compreende o sentido
profundo do perdão. A maioria pensa que é forma de anistia do sentimento,
esquecimento, ato interno capaz de compreender o ofensor e desculpá-lo no fundo
do coração misericordioso; para uns o perdão significa passar por cima de um
erro ou violência; para outros, o perdão é próprio das pessoas frágeis...
De fato, o perdão não se encaixa confortavelmente dentro dos
padrões naturais do comportamento humano. Ele não nasce espontâneo dentro do
coração do ser humano. A capacidade de perdoar a si mesmo ou aos outros é a
marca registrada de uma personalidade madura. Representa considerável avanço em
relação ao mais primitivo desejo de vingança, retaliação e revide.
O perdão ataca, com todo vigor, aquilo que parece ser uma
lei de nossa história. Isso porque a lógica que regula as relações
inter-humanas é regida pela lei do mais forte, ou, no melhor dos casos, pela
lei da reciprocidade, da equivalência, como norma de justiça.
No perdão, assume-se uma atitude que não contabiliza mesquinhamente o que se fez; deve-se ter um gesto inovador, um gesto criativo.
Caso contrário, fica-se prisioneiro da lógica repetitiva da violência. Perdoar
é ir além do princípio de retaliação. Por isso é uma atitude atrevida e ousada.
O perdão representa a inovação: cria espaço onde já não
impera mais a lógica da norma judiciária. Perdão não é esquecimento do passado,
é o risco de um outro futuro que não aquele imposto pelo passado ou pela memória
ferida. É convite à imaginação. É preciso aventurar-se no encontro com o outro.
Quem perdoa sabe estar correndo um risco, abandonando o
ajuste de contas pela força ou então renunciando à força do direito. Mas sabe
também que, sem esse risco, a história não terá nenhum futuro e a violência irá
se repetindo indefinidamente.
Sabemos que a violência não tem regra em si mesma, é pura
repetição. Já o perdão quebra a lógica do “olho por olho, dente por dente” e
cancela o movimento repetitivo da violência. Quem perdoa sai fora desse jogo,
arriscando a própria vida. O perdão quebra a cadeia lógica própria das
relações humanas, submetidas ao sistema de equivalência da justiça (cf. Mt.
5,38-42).
O seguidor de Jesus, ao entrar em sintonia com o Deus fonte
do perdão, ultrapassa toda imposição da justiça legal e abre espaço a uma nova
relação com o outro. Assim, o perdão, transformando as relações humanas, possui
a capacidade para revelar o rosto original de Deus.
O perdão é um ato não-humano, parece mesmo ser um ato
puramente divino. Joan Chittester chama o perdão “ o mais divino dos atributos
divinos”. “Perdoar - ela afirma -é ser como Deus”. Mas este ato divino nos é
revelado que ele está ao nosso alcance, porque Deus nos convida a ele. O perdão
é divino porque, para o ser humano, ele é verdadeiramente divino em seus
efeitos e em seu próprio processo.
Por isso, Jesus insiste fortemente sobre o perdão, porque
este é uma necessidade vital quando a vida foi ferida. Como presença visível do
perdão, Jesus se dirige a cada um com a força da torrente que jorra para a vida
eterna e quer conduzir a todos para aquela Fonte de comunhão que o Pai deseja,
a fim de que toda a vida esteja exposta ao Seu Amor.
Perdão é, em última análise, uma forma de amor, um amor que acolhe
o outro na sua fragilidade. Vai ao encontro do causador da ofensa com uma
compaixão que brota de uma consciência das próprias limitações, abrindo um novo
tempo, sem o veneno do ressentimento e da amargura.
O perdão é superlativo do amor. Reinhold Niebuh descreveu o
perdão como a “forma final do amor”. Perdão é amor que reconstrói o passado. Só
quem doa amor ao ofensor dá-lhe as condições profundas de contrição, compunção,
compaixão e arrependimento, as quatro vias através das quais o ser humano pode
renascer de si mesmo e das trevas, trocando a morte pela vida.
Por ser o gesto mais difícil e elevado, o perdão é a única
forma de permitir ao ofensor a entrada de amor no seu coração. Qualquer forma
de cobrança, punição e vingança reforça a crueldade do ofensor e, de certa
forma, vai fazê-lo sentir-se justificado. Por isso, a originalidade do
cristianismo está na descoberta da grandeza do ser humano, no exercício da
única força capaz de mudar o mundo: o amor real. Não há revolução maior.
O perdão, então, resitua as pessoas na grande corrente da
vida; busca restabelecer um vínculo positivo entre vidas feridas, vidas que se
ferem e a vida que as rodeia. O perdão é uma experiência forte que reconecta
com a vida; ele quer abrir uma porta à vida, em um muro fechado de dores, de
sentimentos feridos, de autoagressividade. O perdão busca estabelecer uma
aposta pela vida. É um ato de realismo, em profundidade e a longo prazo.
Podemos falar, então, que o perdão ativo é terapêutico pois
desencadeia um processo de conversão, mobiliza todas as dimensões da pessoa,
reestrutura o universo relacional e abre a interioridade à alteridade. O
perdão reconstrutor, libera em nós as melhores possibilidades, riquezas
escondidas, capacidades, intuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade
mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis... É ele que
“cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para desvelar nossa própria
interioridade.
A força criativa do perdão põe em movimento os grandes dinamismos
da vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma
possibilidade de vida nova nunca ativada. Por isso, o perdão é expansivo,
ele abre um novo futuro e desata ricas possibilidades latentes em cada um. Ele
não se limita ao erro, mas impulsiona cada um a ir além de si mesmo; ele
destrava a vida, potencia o dinamismo do “mais” e o coloca em movimento em
direção a um amplo horizonte de sentido. É gesto gratuito e positivo de
encontro, de acolhida, de cordialidade, que se torna hábito de vida: até
“setenta vezes sete”.
O perdão é aquele que melhor revela a natureza do Deus Pai e
Mãe de infinita bondade. É a que revela igualmente o lado mais luminoso da
natureza humana. Por isso é a que mais humaniza as relações entre as pessoas.
Não apenas afetivo, mas efetivo. Não apenas implica mudança na disposição da
pessoa que perdoa, mas leva também a modificar a situação da pessoa perdoada. O
perdão liberta as pessoas para poderem cuidar de outras questões importantes na
vida; é uma obra de amor para com o outro e para consigo mesmo.
O ser humano é quebradiço por dentro e por fora. Mas o
perdão o redime, depositando nele algo que é maior que sua fragilidade.
Trata-se de um dinamismo que o ressuscita, o vivifica e o resgata. O que era
sucata, torna-se material para a construção do ser humano novo; o que era
motivo de vergonha, agora é impulso confiante e esperançoso; o que era sinal de
morte, agora ressurge para uma vida nova. A novidade interior se dinamiza para
fora e configura, por sua vez, a modalidade do comportamento diante dos outros.
Em última análise, o perdão é um ato de fé na bondade
fundamental do ser humano.
Texto bíblico: Mt 18,21-35
Na oração: O caminho para a libertação, a conversão e a
reconciliação conduz a uma nova identidade. Esta se revelará e será experimentada
no “colóquio de misericórdia”, com os olhos fixos no Crucificado: que fiz? que
faço? que farei por Cristo?
- Fazer “memória” dos momentos em que você experimentou a
força criativa do perdão do outro, ou foi presença por onde fluiu o verdadeiro
perdão.