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domingo, 25 de junho de 2017

FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY FLIP 2017: Lima Barreto

FLIP 2017: Lima Barreto

A obra do escritor carioca Lima Barreto estará em discussão na 15ª Flip, que acontece de 26 a 30 de julho de 2017.

 A edição resgatará a trajetória de um homem que estabeleceu-se como escritor no Rio de Janeiro, capital da Primeira República e da cultura literária do país. Em um meio marcado pela divisão de classes e pela influência das belas letras europeias, era difícil para um autor brasileiro com as suas origens afirmar seu valor. Foram necessárias várias gerações para que se consolidasse o nome do criador de uma das obras mais plurais e inovadoras da literatura brasileira, que permite tanto o apreço do leitor quanto reflexões nos campos da literatura, da história e das ciências sociais.

Sobre o autor

Afonso Henriques de Lima Barreto nasce no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881. Perde a mãe, Amália Augusta, escrava liberta e professora, quando tinha seis anos, ficando sob os cuidados do pai, o tipógrafo João Henrique, que, poucos anos depois, é diagnosticado como neurastênico, o que o levaria a ficar recolhido pelo resto da vida. A doença do pai o obriga a deixar a Politécnica para sustentar a família como Amanuense do Ministério da Guerra.

Inicia sua colaboração regular para a imprensa em 1905, no Correio da Manhã. O jornal, extinto em 1974, serviu de inspiração para a criação de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, publicado em 1909. Pelas críticas à imprensa no livro, Lima Barreto é retirado do quadro de colaboradores do Correio da Manhã e tem proibida qualquer citação ao seu nome nas páginas do diário, mesmo trinta anos depois de sua morte. Passa a colaborar, sob pseudônimo, para revistas como a Fon-Fon e Revista da Época, fazendo uma crítica social e política do Rio de Janeiro e o Brasil.

Em 1911, escreve e publica Triste fim de Policarpo Quaresma em folhetim do Jornal do Comércio. O livro seria editado em livro quatro anos depois.

Lima, devido ao alcoolismo, é internado pela primeira vez no hospício em agosto de 1914, repetindo a tragédia pessoal de seu pai. A primeira internação serve, contudo, de inspiração para sua obra a posteriori.

Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá, livro que dialoga com o gênero biográfico, é publicado em 1919. No dia 25 de dezembro deste ano, o autor é internado pela segunda vez.

Lima Barreto morre, aos 41 anos, em 1º de novembro de 1922, Dia de Todos os Santos. No dia 3 de novembro, morre seu pai.

Clara dos Anjos, livro que foi escrito e reescrito durante quase toda a vida de Lima, é publicado em livro no mesmo ano de sua morte.

A obra de Lima Barreto passa por um resgate e uma refundação a partir da biografia publicada por Francisco de Assis Barbosa, A vida de Lima Barreto, e da recuperação de seus escritos, feita a partir do acervo pessoal catalogado pelo próprio autor.

O autor torna-se objeto de estudo de intelectuais de referência em diversas áreas da inteligência brasileira, como Antonio Candido, Nicolau Sevcenko, Osman Lins, Alfredo Bosi, Antonio Arnoni Prado, Beatriz Resende e Lilia Schwarcz.

“Por muito tempo Lima Barreto ficou na ‘aba’ de literatura social, e sua obra e trajetória possibilitaram muitos debates sobre a sociedade brasileira. O que eu gostaria, mesmo, é que a Flip contribuísse para revelar o grande autor que ele é. Para além das questões importantíssimas sobre o país que ajuda a levantar, tem uma expressão literária inventiva e interessante, à frente de sua época em termos formais, capaz de inspirar toda uma linhagem da literatura em língua portuguesa”, afirma Joselia Aguiar, curadora da Flip 2017.

“O Lima é o autor de um território. O universo literário dele é determinado pela criação da Avenida Central, do Rio de Janeiro, que estabelece os diferentes graus de distância dos subúrbios com a Zona Sul e o Centro da Cidade”, afirma Mauro Munhoz, diretor-geral da Flip. “O olhar do Lima sobre a variedade de personagens brasileiros – seja nos subúrbios, seja nas regiões centrais – é determinado pela experiência do território onde viveu por quase toda a vida. Desse modo, sendo um grande autor, ele fez valer a máxima ‘Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia’, do Tolstói.”



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Flip 2017 terá mais vozes femininas e negras participando dos debates, conta curadora

Será a primeira vez que haverá mais mulheres compondo as mesas da festa que, este ano, homenageia Lima Barreto

Norna Odara
Brasil de Fato | São Paulo (SP)

23 de Junho de 2017

Festa Literária de Paraty de 2009 / Monica/ Flickr

Com um autor negro como homenageado, Lima Barreto, e tendo, pela primeira vez na história, mais vozes femininas do que masculinas participando dos debates — serão 24 mulheres e 22 homens na composição das mesas — a já tradicional Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) chega a sua 15ª edição com mais representatividade de gênero e raça.

O evento, que ocorrerá do dia 26 a 30 de julho, na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, reunirá autoras e autores nacionais e internacionais, como a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, a mineira Conceição Evaristo, a gaúcha Eliane Brum e o pernambucano Marcelino Freire, entre muitos outros.


"O que a gente está propondo com essa Flip é um recorte que não é, de maneira nenhuma, o espelho do que existe no mercado editorial. Trata-se de um novo recorte, uma nova proposta de representação", comenta a curadora da Flip e pesquisadora Josélia Aguiar.

A inspiração para a edição deste ano, segundo Josélia, veio de campanhas como "Leia Mulheres" (read women), fomentada pela britânica Joanna Walsh, em 2014, no Reino Unido, que buscava incentivar a leitura de obras de mulheres, em contraposição ao mercado editorial, que não lhes proporcionava visibilidade. Outra iniciativa inspiradora para a edição da feira foi o "Vidas Negras Importam" [Black Lives Metter], que surgiu nos Estados Unidos com o intuito de se contrapor à violência policial e hostilidade sofrida contra negros e negras e para ressaltar fato de que as vidas negras têm valor.

Homenageado do ano e grandes autores

"Não há muito tempo, em dias de carnaval, um rapaz atirou sobre a ex-noiva, lá pelas bandas do Estácio, matando-se em seguida. A moça com a bala na espinha, veio morrer, dias após, entre sofrimentos atrozes". Esse trecho é de uma crônica de 1915 escrita por Lima Barreto, o homenageado na Festa Literária de Paraty (FLIP) deste ano, abordando o tema do feminicídio no início do século 19.  A crônica intitulada "Não as matem" é parte da publicação "Vida Urbana", uma coletânea de crônicas e artigos do autor publicada em 1953.

A curadora da Flip, Josélia Aguiar, explica sobre a escolha deste autor, que "escreveu sobre diversos gêneros" e mantinha uma "visão da sociedade brasileira que é muito atual".

"Lima Barreto me interessa há uns cinco anos por causa do projeto de um livro, que já está praticamente pra ser lançado, que é a biografia do Jorge Amado. Ele muito jovem adorava o Lima Barreto. Então, eu tive que ler Lima Barreto e as conexões entre eles", conta Josélia.

Josélia reforça que a expectativa para o evento é grande e ressalta a importância de trazer cada vez mais autores e autoras de diversos países, gêneros e abordagens para um evento da magnitude da Festa: "A história da Flip é muito bonita, de uma festa literária que ajuda a pautar a literatura, que trouxe grandes autores e autoras, inclusive grandes autores negros e negras, como a escritora [estadunidense] Toni Morrison e, no ano passado, Svetlana Aleksiévitch, prêmio Nobel".

Edição: Vanessa Martina Silva




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ITABUNA CENTENÁRIA REFLETINDO: A Casa Queimada

A Casa Queimada


Certo homem saiu em uma viagem de avião. Era um homem que acreditava em Deus, e sabia que Ele o protegeria. Durante a viagem, quando sobrevoavam o mar um dos motores falhou e o piloto teve que fazer um pouso forçado no oceano.

Quase todos morreram, mas o homem conseguiu agarrar-se a alguma coisa que o conservasse em cima da água. Ficou boiando à deriva durante muito tempo até que chegou a uma ilha não habitada. Ao chegar à praia, cansado, porém vivo, agradeceu a Deus por este livramento maravilhoso da morte. Ele conseguiu se alimentar de peixes e ervas. Conseguiu derrubar algumas árvores e com muito esforço conseguiu construir uma casinha para ele. Não era bem uma casa, mas um abrigo tosco, com paus e folhas. Porém significava proteção. Ele ficou todo satisfeito e mais uma vez agradeceu a Deus, porque agora podia dormir sem medo dos animais selvagens que talvez pudessem existir na ilha.

Um dia, ele estava pescando e quando terminou, havia apanhado muitos peixes. Assim com comida abundante, estava satisfeito com o resultado da pesca. Porém, ao voltar-se na direção de sua casa, qual tamanha não foi sua decepção, ao ver sua casa toda incendiada. Ele se sentou em uma pedra chorando e dizendo em prantos:

"Deus! Como é que o Senhor podia deixar isto acontecer comigo? O Senhor sabe que eu preciso muito desta casa para poder me abrigar, e o Senhor deixou minha casa se queimar todinha. Deus, o Senhor não tem compaixão de mim?"

Neste mesmo momento uma mão pousou no seu ombro e ele ouviu uma voz dizendo:

"Vamos rapaz?"

Ele se virou para ver quem estava falando com ele, e qual não foi sua surpresa quando viu em sua frente um marinheiro todo fardado e dizendo:

"Vamos rapaz, nós viemos te buscar".

"Mas como é possível? Como vocês souberam que eu estava aqui?"

"Ora, amigo! Vimos os seus sinais de fumaça pedindo socorro. O capitão ordenou que o navio parasse e me mandou vir lhe buscar naquele barco ali adiante."

Os dois entraram no barco e assim o homem foi para o navio que o levaria em segurança de volta para os seus queridos.


https://www.mundodasmensagens.com/mensagem/reflexao-a-casa-queimada.html



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ROLETA-RUSSA - Wagner Albertsson

Clique na foto, para vê-la no tamanho original
ROLETA-RUSSA 


PROCURE APAGAR
OS DIAS DE AGONIA DA TUA VIDA;
PARA QUE COMEMORAR
ANIVERSÁRIOS DE SITUAÇÕES DESESPERADORAS?
TODA AGONIA É SINÔNIMO DE RETROCESSO
E DEVE SER ELIMINADA
IMEDIATAMENTE DA TUA MENTE.
GUARDAR "SOUVENIRS”
DE UMA DOR É COMO ROER CIANURETO,
É COMO PRATICAR ROLETA-RUSSA 
TODOS OS DIAS.
GUARDE NO TEU ÍNTIMO
SÓ AS CONQUISTAS E NADA MAIS.
SOFRIMENTO DO PASSADO
NÃO ACRESCENTA NADA NO PRESENTE.


WAGNER ALBERTSSON

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A FILHA DO COMENDADOR – Ariston Caldas

A filha do comendador


            Antônio teve a ideia de pedir trabalho a Berenice, principalmente um cômodo para dormir. Ele podia fazer limpeza na casa, dar uma ajeitada vez em quando no jardim da frente, fazer mandado,  nem ia exigir o quanto ganharia, qualquer trocado para cigarro, para uma cachacinha.

            Mentira que ele nunca trabalhou, desde menino já enrolava a vida num colégio público onde nem chegou a passar dois anos entre filadas e outras sem-vergonhices; nem chegou a concluir o primário.

            Filho de um jardineiro, tinha lá algumas noções sobre rosas,  orquídeas e girassóis; sobre outras plantas de jardim. Só noções. Na unha mesmo nem arredar uma palha.

            Arranhava mais ou menos um violão pelas noites de vadiagem. “Vou falar com Berenice”. Foram colegas no primário. Muita diferença entre os dois, a partir dos teres; ela filha de comendador, homem rico, doutor honoris causa, dono de bom patrimônio em imóveis e rurais. Ela perdeu o pai ainda mocinha, mas o venerava num quadro pendurado na parede do quarto grande, com bigode de pontas curvas, respeitável; gravata de lacinho, lenço branco bem dobrado no bolsinho de cima do jaquetão de bom talhe. Lembrava da mãe reverenciando-o, toda boquinha da noite, com preces, uma vela acesa. “Coitada, morreu poucos anos depois”.

            Berenice envelhecia. Sozinha, virgem, no mesmo casarão onde nascera. Oito quartos, mobiliada, cheia de lustres, de cristais; família grande, quatro filhos, a mãe, o comendador, agregados, parentes, visitas de amigos diariamente. O pai morreu, a mãe, também; os irmãos se casaram e foram para longe; os agregados também sumiram.

            Não apareceu nenhum homem rico. Berenice foi ficando sozinha, nostálgica; distraía-se com o piano que ficava na biblioteca; nem aprendera lá essas coisas de música, um pouquinho além das notas que tivera nas aulas quando usava duas tranças caídas sobre os ombros, anel de brilhante, pulseira de ouro, volta cravejada, relógio dourado e uns brincos como derradeiro presente do comendador.

            Nunca tivera namorado, sempre vigiada; homem rico disponível nem havia no lugar; a mãe era pedante, exigente, dera-lhe educação repelida, quase enclausurada; para o colégio, para a missa, aulas de piano, acompanhada, olhares atravessados, vigilantes.

            Agora, vez em quando, da janela, via Antônio passando de cabeça baixa, humilde, violão a tiracolo, roupa suja, tamancos de pau. O sabia chamar-se Antônio. “De quê?  Da Silva, de Souza?” Nem se lembrava, fora seu colega no primário.

            Ele fez a proposta e ela aceitou com algumas exigências: “você só vai lá em cima se eu chamar”. Ele concordou, com a cabeça; arriou a trouxa e sentou-se numa cadeira a um canto do quarto meio-empoirado. Berenice deu-lhe a chave da porta e subiu pela escada curva que tinha um corrimão preto e lustroso. Cuidou depois de coisas de rotina, comeu e foi dar umas tecladas no piano; sentiu sono. “Será que ele está com fome?” Panhou um pedaço de bolo, um bule com leite e desceu pela escada; bateu na porta do quarto; “olhe, eu trouxe para você”. Antônio desenhou um risinho acanhado e recebeu a comida.

            E daí por diante, foi assim: café pela manhã, almoço, refeição à noite. Berenice assuntava, calada. “amanhã você vai comer lá em cima”. Ele foi continuou indo durante três semanas. Comia, depois descia e ficava até às tantas tocando violão, quando não saía para a rua.

            Berenice sentia quando ele saía e quando vinha voltando, pelo silêncio, pelo som do violão, longe. “É ele”. Depois, o ruído da fechadura, os bulícios pelo quarto, o silêncio. “se ele aparecesse agora!” Imaginou a cara de Antônio espiando pelo gradil da porta, olhos assustados atravessando; sentia sustenidos de violão distantes, morrendo pelo silêncio; depois parecia ouvir pisadas pela escada, degrau por degrau, macias, cautelosas;  olhava para o retrato do comendador pendurado na parede, austero, de gravata com lacinho.

            O piano ficava na sala vizinha onde havia uma estante cheia de livros, coleções com lombadas cor de ouro. Olhava para o gradil da porta através de um espelho ovalado de cornijas pretas; fecharia o gradil, mas aí lembrou que a noite estava quente; por ele entrava um vento agradável passando pelo corredor. Os olhos tornavam a espiar, fugindo, chegando.

            Três pancadas na porta quase imperceptíveis. Teria sido na porta os ruídos vindos da rua que era deserta àquelas horas? Bateram novamente.

            Seria ele, ousado, desconfiado, cheio de desejo. “Se bater outra vez eu grito”. Bateu, ela não gritou. Fez foi levantar-se, abrir a porta, um tanto apreensiva. Era ele, pasmo, calado como estátua.

            Entrou, sentou-se na cama, pôs as mãos espalmadas sobre o rosto; depois tirou as calças e deitou-se, como se a cama fosse dele. Ela, silenciosa, deitou-se também e entrelaçou-se a ele, ofegante, nervosa. Passou a noite abraçada, sentindo cheiro de sujo,  um respirar quente como fogo; unhas lhe arranhando as costas, os seios. As partes doendo. Ele repetia toda noite, calado, gostando.

            Depois de três semanas ela mandou Antônio embora. “Você vai hoje”. Ele não disse nada e saiu porta a fora, calado,  violão a tiracolo.

            Três meses depois Berenice estava com a barriga enorme e quando ia deitar-se  parecia ouvir sustenidos de violão perdendo-se pela noite, entrando pelo gradil do quarto onde havia o retrato do comendador pendurado na parede. Parecia ouvir pancadas leves na porta. Três pancadas.

            Afagava a barriga avolumada e pegava no sono, esquecendo Antônio que nem sabia se de Souza ou da Silva.


(LINHAS INTERCALADAS)

Ariston Caldas

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (32)

12º Domingo Comum - 25/06/2017


Anúncio do Evangelho (Mt 10,26-33)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus apóstolos: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido. O que vos digo na escuridão dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados! Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma! Pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno! Não se vendem dois pardais por algumas moedas? No entanto, nenhum deles cai no chão sem o consentimento do vosso Pai. Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais. Portanto, todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens, também eu me declararei em favor dele diante do meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me negar diante dos homens, também eu o negarei diante do meu Pai que está nos céus.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Paulo Ricardo:

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Evangelizar nossa interioridade

“Vede, eu vos envio como ovelhas para o meio dos lobos; sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16) 


Os conflitos são constantes no caminho da fidelidade ao Evangelho: conflitos externos que surgem a partir da presença inspiradora e provocativa dos(as) seguidores(as) de Jesus; conflitos internos que afloram quando a mensagem evangélica ressoa na interioridade de cada um, desvelando seus contraditórios impulsos, tendências, dinamismos, forças... 

O ser humano vive tencionado entre dois polos: entre luz e escuridão, céu e terra, fragmentação e unidade, espírito e instinto, solidão e vida comum, medo e desejo, amor e ódio, razão e sentimento, sagrado e profano..., enfim, entre animalidade e humanidade. 

Não se trata de alimentar uma luta entre esses dois impulsos, como um combate entre o bem e o mal; tampouco se trata de uma leitura moralista diante da presença das chamadas “tentações”.

O combate dualístico desemboca no puritanismo, no farisaísmo, no legalismo, no perfeccionismo, no voluntarismo..., esvaziando a pessoa de toda densidade humana. 

A questão de fundo é saber qual dos dois dinamismos nós alimentamos; é aqui que entra a liberdade (ordenada) para deixar-nos conduzir pelo Espírito. O centro é o Espírito. Só quando dizemos sim a esta tensão básica de nossa vida é que conseguimos superar a divisão interna. 

Viver uma “vida segundo o Espírito” significa, antes de tudo, chegar à compreensão e integração das polarizações internas, dos dinamismos opostos, dos movimentos contraditórios... que nos mantêm “despertos” e que dão calor e sabor à nossa existência. 

É próprio do Espírito, reunir, integrar, conciliar, pacificar, conduzir-nos a um “lugar interior”, a um centro de calma, onde tudo tem seu lugar, onde tudo encontra seu espaço. Sua discreta presença nos move a acolher em nós nosso potencial de ternura, de cuidado e de resistência diante de todas aquelas situações e forças que desintegram a vida.  A atitude fundamental é a de sermos dóceis para nos deixar conduzir pelos impulsos do Espírito, por onde muitas vezes não entendemos e não sabemos. 

À luz do evangelho deste domingo, vamos considerar os “conflitos internos”. E a questão primeira que surge é esta: como integrar, pacificar, harmonizar... os “animais interiores”, para que o seguimento de Jesus Cristo não termine num combate espiritual que desgasta, tornando pesada a vivência cristã e levando ao sentimento de impotência e desânimo? 

Sob o impulso do Espírito, somos chamados a conhecer, reconhecer, nomear e integrar os animais que nos habitam. E caminhar fraternalmente com eles. Cada um deles representa os instintos, impulsos, paixões, fragilidades, sensualidade, sentimentos... que, quando não pacificados e integrados, criam uma desarmonia interior. 

Somos como a “arca de Noé”, no grande Oceano da vida, carregando em nosso interior todos os animais, com seus instintos selvagens e primitivos; e o maior desafio é, justamente, a harmonia e a convivência, onde cada um deles tem sua importância, seu papel sagrado e revelador da nossa identidade humana. São eles que nos facilitarão o acesso às nossas riquezas interiores. 

Algumas vezes agimos como uma cobra, ficamos ariscos e escondidos como uma onça, rugimos como um leão ou atacamos como um cão feroz. Outras vezes, até agimos igual a animais ruminantes que mastigam continuamente os rancores e mágoas do passado.

Eles não cessam de ladrar enquanto não lhes damos atenção. É preciso, antes de tudo, pacificar nossos animais interiores. Trata-se de conhecê-los, aprender a linguagem deles, fazer amizade com eles para que eles não nos destruam por dentro. 

Faz parte da maturidade e crescimento pessoal encontrar e entender, em cada um de nós, a mensagem e o desafio de animais interiores como a pomba, o cachorro, o corvo, a serpente, a raposa, a perdiz, o lagarto, o falcão, o lobo, o leão... Cada animal deve ser verbalizado, integrado harmoniosamente no tempo certo e no lugar adequado. Ao fazer isso, descobriremos as diferentes dimensões da ecologia espiritual, paradisíaca e harmônica, para bem viver a maravilha da vida plena e em abundância. 

Quando todas as energias animais são ordenadas, elas colaboram para o conhecimento pessoal, o refinamento da identidade e a busca da autenticidade, elas são fonte interior de sabedoria e de desfrute espiritual. Então, os animais pacificados  irão nos conduzir ao mais profundo e nos mostrar onde o tesouro está escondido, e ajudam-nos a desenterrá-lo. Aqui está o lado “humanizante” da vida. 

Fomos forçados, durante nossa formação cristã, a viver uma espiritualidade que nos ensinou a reprimir e a manter presos todos os animais  na gruta interior e a levantar junto dela um edifício de “grandes ideais”. Lutar contra os animais interiores é permanecer na superfície de si mesmo e não ter acesso às reservas de riqueza do próprio coração. 

Tal vigilância e suspeita nos levaram a viver constantemente com medo de que os animais pudessem fugir e nos devorar. Fomos obrigados a fugir de nós mesmos, ficamos com medo de olhar para dentro de nós, pois poderíamos correr o risco de nos deparar com os eles. Quanto mais os amarramos, tanto mais perigosos eles se tornam; eles nos atacam por dentro, tirando a disposição, o ânimo de viver. 

Com isso nos excluímos do prazer de viver, porque tudo é reprimido e nossa animalidade é violentada. E onde está o nosso medo pode estar também o nosso tesouro enterrado. “Não tenhais medo deles. Não há nada de oculto que não venha a ser revelado, e nada de escondido que não venha a ser conhecido” (Mt 10,26).

Sem a superação cotidiana desse medo, nossa missão estará comprometida; perderá sua força inovadora, garantida pela novidade do Projeto de Deus. Sabemos que tudo quanto nós reprimimos nos faz falta à nossa vida. Os “animais selvagens”  tem muita força. Quando os prendemos, gera um desgaste muito grande e fica nos faltando a sua força de que temos necessidade para o nosso caminho para Deus, para nós mesmos e para os outros. 

Nosso compromisso deveria ser a de travar um diálogo amoroso com os animais dentro de nós. Então tornar-se-á realidade o que o profeta Isaías prometeu: “O cordeiro e o leão andarão juntos, e a pantera se deitará com o cabrito...” (Is. 11,6ss). O compromisso com o Reino requer de todos uma forte dose de coragem e uma alma ágil, animada e vivificada pelo sabor da aventura e da novidade. Vencido o medo, nós nos tornaremos autênticos, criativos e audazes seguidores de Jesus.

Texto bíblico:  Mt 10,16-33

Na oração: Na vivência cristã, o que importa é ter a coragem de entrar na “arca interior” e dialogar amigavelmente com todos os animais. Então eles indicarão o caminho do tesouro escondido. Este tesouro pode ser  “uma nova vitalidade e autenticidade, um sonho ousado, uma intuição, um dom especial, o encontro com o verdadeiro eu, a imagem que Deus faz de cada um de nós...” 

“Entrar na arca” significa “buscar e encontrar a Deus” exatamente em nossas paixões, em nossos traumas, em nossas feridas, em nossos instintos, em nossa impotência e fragilidade... Viver uma nova espiritualidade significa, então, não buscar “ideais de perfeição”, mas dialogar com nossas paixões, nossas fragilidades, nossas carências...Poderíamos nos interrogar o que é que Deus deseja nos revelar por meio delas, e como justamente através delas Ele deseja nos conduzir ao tesouro escondido no interior de nossa vida. 

Pe. Adroaldo Palaoro sj



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