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terça-feira, 9 de julho de 2019

BÉCASSINE - Plinio Corrêa de Oliveira


15 de junho de 2019

Harmonioso relacionamento de outrora entre classes sociais

Plinio Corrêa de Oliveira

Nesta ilustração* vemos a representação do ensaio para o casamento de um rei e uma rainha (Charles VIII e Anne de Bretagne) e duas crianças à frente deles. Do lado direito está representada a França com flores de lis no traje da menina; do lado esquerdo a Bretanha, com seus símbolos heráldicos no traje do menino.

O personagem que organizou a festa para rememorar a união da França com a Bretanha está pedindo a opinião do marquês de Grand-Air — um modelo de elegância masculina anterior à Primeira Guerra Mundial. São dois velhos conversando, e se nota claramente a diferença social entre ambos. Se alguém perguntasse, não seria difícil responder quem é o marquês.

O velho do lado esquerdo é um camponês vestido como personagem da corte de Ana de Bretanha; o outro é o marquês. Fino e esguio, quase como fumaça que se desprende de um cigarro, tem o tom e o jeito de um homem ciente de sua importância, habituado a ser considerado, que sabe mandar, e com o qual não se pode brincar. O narigão dele é vagamente na linha de uma ave de rapina, de quem sabe decidir sem hesitação. Ele usa um belo chapéu, gravata exuberante, colete e um paletó pomposo que chega até o joelho, chamado de sobrecasaca.

O camponês está inteiramente à vontade, mas de chapéu na mão em sinal de respeito, e se inclinando um pouco para falar com o marquês. Para saber se a representação do casamento está bem feita, ele consulta o marquês sem o menor receio de ser maltratado, de sofrer uma caçoada, de ser menosprezado, e o marquês de Grand-Air demonstra benevolência cativante. Conversa como se estivesse diante de outro nobre, dando explicações com muita bondade. Reina entre eles uma concórdia completa — o contrário da luta de classes marxista, pregada pelos comunistas e por teólogos da libertação.

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* Ilustração do artista francês Joseph Pinchon (1871-1953), autor dos desenhos dos livros de Bécassine, personagem da literatura infantil da época. Para conhecer outros comentários de ilustrações desses livros, leia a matéria “Bécassine — Verdadeiros tratadinhos de sociologia viva”, edição de Catolicismo de fevereiro/2018.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 9 de junho de 1984. Esta transcrição não passou pela revisão do autor.


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O BERÇO – Coelho Neto


           Entre violetas e rosas, pequenino e risonho, as mãozinhas cruzadas sobre o peito, Dedê, de cinco meses, dorme para todo o sempre.

            Veste-lhe o corpinho rechonchudo a mesma cambraia com que foi à pia; à cabecinha loura a mesma touca branca. Parece que esperam que acorde para levá-lo novamente à igreja. Babi, de três anos, guarda o pequenino irmão. Sabe que dorme lho disseram. Para não o despertar, pisa de manso, cautelosa, apertando nos braços Colombina.

            O sol faz um véuzinho de ouro e translúcido, para o rosto risonho de Dedê. Os círios empalidecem e as flores vão murchando junto ao corpinho frio do defunto.

            Batem palmas à porta. Babi estremece. Acerta mais Colombina e lança um olhar ao irmão, receosa de que tenha despertado. Mas Dedê não desperta: dorme, as mãozinhas cruzadas sobre o peito como rezando. Batem palmas de novo.

            Babi, cautelosa, em pontas de pé, vai a porta e coitadinha! Não consegue abafar um grito, dando com os olhos no velho negro que traz debaixo do braço, como um estojo, o pequeno esquife cor de rosa e branco , cercado de franjas de ouro. Babi não consegue sufocar um grito: bate palma, contente, deixa cair Colombina e entra a correr, anunciando:

            “Está aí o berço novo de Dedê! Está aí o berço novo de Dedê!”

            E, com voz de choro, agarrando-se às saias da avó trêmula, que vai compondo ramos para o pequenino, implora: “Mandas fazer um berço igual para mim , vozinha? Mandas fazer, vozinha?” E, para convencê-la, beija-lhe repetidas vezes a mão magra e a velha, soluçando, beija-lhe e os cabelos louros.

            Há dias, indo de visita à casa, encontrei-a silenciosa. Fora, no rosal, já não cantavam pássaros; dentro, no interior, berços não se balançavam. Senti que ali faltava alguma cousa... Não havia barulho.

            A mãe, viúva, de vez em vez, levantando a cabeça, punha os olhos no céu e baixava-os molhados; a velha não falava. Senti que ali faltava alguma cousa.

            Por acaso voltando os olhos descobri Colombina sobre uma peanha. Pobre Colombina! Lembrei-me, então, de Babi e perguntei por ela. A velhinha fitou-me. A mãe baixou os olhos soluçando.

            Teria a complacente avó satisfeito o desejo da criança? Teria a velha dado a Babi um berço cor de rosa e branco igual ao de Dedê? E não foi outra cousa... essas velhas avós fazem tantas vontades aos netinhos...


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COELHO NETO (Henrique Maximiano Coelho Neto) - romancista, crítico e teatrólogo, nasceu em Caxias, MA, em 21 de fevereiro de 1864, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 28 de novembro de 1934. Fundador da Cadeira 2 da ABL, recebeu os Acadêmicos Osório Duque Estrada, Mário de Alencar e Paulo Barreto.

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