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segunda-feira, 31 de agosto de 2020

O MESTRE KLEBER MOREIRA - José Sarney



Meu companheiro do jornal O Imparcial e meu professor na Faculdade de Direito, Fernando Perdigão, grande talento e advogado, disse-me um dia que envelhecer era chegar ao cemitério, percorrer as alamedas, ler as lápides e verificar que quase todos os nomes que ali repousam foram contemporâneos, amigos ou conhecidos na paisagem da cidade.

Jorge Amado disse-me que, ao encontrar-se com Pablo Neruda, futuro Prêmio Nobel de Literatura, seu amigo do tempo de exílio, começou a perguntar por amigos da vida inteira e ouviu como resposta: “Jorge, não me perguntes por ninguém. Todos já morreram.”

Este é um dos desgostos de envelhecer: o sofrimento da perda dos amigos, pesando mais aqueles que nos foram mais próximos, de maior convivência. E eu disse, num dos 122 livros que escrevi, que “a palavra felicidade tem como sinônimo a infância”, quando começam as grandes amizades, que são a melhor coisa da vida. Dentro dela estão o amor, a ternura, a estima, a solidariedade, o gosto da convivência, o perdão e a fé. Daí o provérbio universal “quem tem um amigo tem duas almas”.

Estou na fase dolorosa e sofrida de constantemente sentir escorrerem lágrimas e chorar com a garganta pela perda de velhos amigos.

Foi com a alma em frangalhos que acompanhei a morte de Kleber Moreira. Só um ano a mais me separava dele, mas me amarravam a irmandade da alma desde os tempos do ginasial, passando pela política estudantil, pelas rusgas afetuosas que só faziam consolidar esse relacionamento. Gostava de contar histórias e conhecia como ninguém as pessoas e a vida cotidiana do Maranhão. Ultimamente vivíamos horas e horas revisando histórias passadas.

As marcas maiores de sua personalidade eram o seu caráter, a sua correção, a sua franqueza, a sua obsessão pela precisão dos detalhes e pela integridade dos episódios.

Culto, estudioso, detalhista, conhecia como ninguém a ciência do direito, a jurisprudência e a missão do advogado. Não conhecia o lado da exaltação nem o da chicana. Seguia os ensinamentos de Rui Barbosa sobre a conduta profissional: “Não fazer da banca balcão ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis.” Ganhou prestígio, respeito de sua classe, reverência da sociedade e era considerado um dos grandes advogados do Brasil.

Junto em minha dor a da perda de tantos outros amigos, Milson Coutinho, grande historiador, extraordinária figura humana; Sálvio Dino, companheiro de tantas lutas; José Maria Cabral Marques, um dos maiores educadores do Maranhão, meu colaborador e construtor da equipe do Maranhão Novo; e Waldemiro Viana, intelectual consagrado, confrade ilustre e filho do grande poeta Fernando Viana.

A todas as famílias a minha solidariedade neste momento de tristeza.

E que Kleber Moreira leve para a eternidade a certeza de minha eterna saudade e da falta que ele vai fazer com sua sabedoria, seus conselhos e seus exemplos. Com tantos talentos perdidos o Maranhão está menor, deixando no mármore da imortalidade aqueles que constroem nossa glória extraordinária figura humana; Sálvio Dino, companheiro de tantas lutas; José Maria Cabral Marques, um dos maiores educadores do Maranhão, meu colaborador e construtor da equipe do Maranhão Novo; e Waldemiro Viana, intelectual consagrado, confrade ilustre e filho do grande poeta Fernando Viana.

 

O Estado do Maranhão, 29/08/2020

 

https://www.academia.org.br/artigos/o-mestre-kleber-moreira

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José Sarney
- Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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domingo, 30 de agosto de 2020

DO CENTRO DE EPIDEMIOLOGIA DE MILÃO



Para esta pandemia, há uma probabilidade maior de sobrevivência para aqueles que serão infectados 5 meses depois, como em agosto de 2020, do que para aqueles que foram infectados 5 meses antes, digamos em fevereiro de 2020.

A razão para isso é que médicos e cientistas sabem muito mais sobre COVID-19 agora do que 5 meses atrás e, portanto, são capazes de tratar melhor os pacientes.

 Vou listar 5 aspectos importantes que sabemos agora e que não conhecíamos em fevereiro de 2020:

1. O COVID-19 foi inicialmente pensado   como causador de mortes por pneumonia - uma infecção pulmonar - e assim os ventiladores foram considerados a melhor maneira de tratar pacientes doentes que não podiam respirar.

Agora sabemos que o vírus causa coágulos sanguíneos nos vasos sanguíneos dos pulmões e outras partes do corpo, o que provoca oxigenação reduzida.

 Agora sabemos que simplesmente fornecer oxigênio por meio de ventiladores não vai ajudar, mas temos que prevenir e dissolver micro coágulos nos pulmões.

É por isso que estamos usando medicamentos como Aspirina e Heparina (anticoagulantes) como um protocolo nos regimes de tratamento a partir de julho de 2020. 

 

 2. Anteriormente, os pacientes caíam mortos na rua ou mesmo antes de chegarem ao hospital devido a redução do oxigênio no sangue - SATURAÇÃO DE OXIGÊNIO.

Isso aconteceu pelo que é conhecido como HAPPY HYPOXIA, onde embora a saturação de oxigênio fosse gradualmente reduzida, os pacientes com COVID-19 não apresentavam sintomas até que estivessem criticamente reduzidos, como às vezes em até 70%.

Geralmente ficamos sem fôlego se a saturação de oxigênio cair abaixo de 90%..

Essa falta de ar não é desencadeada em pacientes COVID e é por isso que trouxemos pacientes doentes aos hospitais no final de fevereiro de 2020.

Agora, sabendo o sintoma da Covid-19 que é a hipóxia feliz ou hipóxia silenciosa, recomendamos monitorar a saturação de oxigênio das pessoas, com um oxímetro de pulso simples para uso doméstico e levá-las ao hospital se a saturação de oxigênio cair para 93% ou  Menos.  Isso está dando aos médicos mais tempo para corrigir a deficiência de oxigênio no sangue e uma melhor chance de sobrevivência agora em agosto de 2020.

 

3. Não tínhamos medicamentos para combater o coronavírus em fevereiro de 2020. Tratamos apenas complicações causadas por hipóxia.  Portanto, a maioria dos pacientes ficou seriamente infectada.

 Agora temos 2 medicamentos importantes FAVIPIRAVIR E REMDESIVIR , que são ANTIVIRAIS que podem matar o coronavírus.

Usando esses dois medicamentos, podemos evitar que os pacientes se infectem seriamente e, portanto, curá-los ANTES DE IR PARA HIPÓXIA.  Tivemos esse conhecimento em agosto de 2020 ... não em fevereiro de 2020.

 

4. Muitos pacientes com COVID-19 morrem não apenas por causa do vírus, mas também pela resposta do próprio sistema imunológico dos pacientes, de uma forma exagerada chamada de TEMPESTADE DE CITOCINA.  Essa violenta tempestade da resposta imunológica não apenas mata o vírus, mas também mata pacientes.  Em fevereiro de 2020 não sabíamos como evitar que isso acontecesse.  Agora, em agosto de 2020, sabemos que os medicamentos facilmente disponíveis chamados esteroides, que médicos em todo o mundo vêm usando há quase 80 anos, podem ser usados ​​para prevenir a tempestade de citocinas em alguns pacientes.

 

 5. Agora também sabemos que as pessoas com hipóxia melhoram apenas fazendo com que deitem de bruços, o que é conhecido como posição prona.  Além disso, alguns dias atrás, cientistas israelenses descobriram que uma substância química conhecida como Alpha Defensin, produzida pelos glóbulos brancos, pode causar micro coágulos nos vasos sanguíneos dos pulmões e isso poderia ser prevenido por um medicamento chamado Colchicina, usado por muitas décadas no tratamento da gota.


 Portanto, agora sabemos, com certeza, que os pacientes têm uma chance melhor de sobreviver à infecção por COVID-19 em agosto de 2020 do que em fevereiro de 2020.

Continue tomando precauções.

Saia apenas para o essencial!

Não há festa, chá de bebê ou formatura do jardim de infância essencial!

Vamos parar de ser superficiais!

É melhor estar infectado daqui a mais 6 meses do que agora. Vamos dar tempo à ciência para nos ajudar e aos sistemas de saúde a descongestionar!

Atualmente também é necessário analisar a Saturação Hospitalar e o desgaste físico e mental do Pessoal de Saúde

 (Informações do bate-papo de especialistas do COVID-19) Dr. Román Barroso.


 Lembrar:

 1. O SARS COV2 só pode entrar em seu corpo e infectá-lo através das membranas mucosas de seus OLHOS e do TRATO RESPIRATÓRIO

 2. O SARS COV2 NÃO penetra pela pele.

 Andar por aí com roupas de biossegurança e LUVAS é ABSURDO!

 (exceto se você trabalhar na unidade de pacientes críticos do hospital)

 3. SARS COV2 tem um tamanho de efeito aerodinâmico minúsculo, NÃO SE AGARRA nas roupas.

Teríamos que nos mover em alta velocidade para que isso acontecesse.

 4. O SARS COV2 não infecta veículos, nem seus pneus.  Ninguém inala ou lambe os pneus de um carro ou a estrutura externa.

 NÃO FAZ SENTIDO PULVERIZAR DESINFETANTE em veículos!

5. No chão e na rua pode ter coronavírus sim. Mas se, nos nossos sapatos eles grudarem e se, também, forem em quantidade suficiente para infectar, (teoricamente se lambermos a sola dos nossos sapatos) será  EXTREMAMENTE MELHOR.

 6. Os túneis de desinfecção são perigosos.  Nenhum desinfetante projetado para superfícies inertes deve ser usado na pele humana


 7. Muito importante:

 SIM Faz sentido usar máscara (para evitar espirar, tossir partículas com o coronavírus).

 SIM Faz sentido lavar muito bem as mãos constantemente e usar álcool gel.

 SIM Faz sentido manter distância entre as pessoas.



(Recebi via Whats)

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (199)



22º Domingo do Tempo Comum – 30/08/2020


Anúncio do Evangelho (Mt 16,21-27)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós!

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.

— Glória a vós, Senhor!

Naquele tempo, Jesus começou a mostrar a seus discípulos que devia ir a Jerusalém e sofrer muito da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei, e que devia ser morto e ressuscitar no terceiro dia. Então Pedro tomou Jesus à parte e começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não permita tal coisa, Senhor! Que isso nunca te aconteça!”

Jesus, porém, voltou-se para Pedro e disse: “Vai para longe, Satanás! Tu és para mim uma pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens!”

Então Jesus disse aos discípulos: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la.  De fato, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, mas perder a sua vida? O que poderá alguém dar em troca de sua vida? Porque o Filho do Homem virá na glória do seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com sua conduta”.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe e reflexão do Padre Roger Araújo:



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Na vida de Jesus, a cruz revela seu destino




“O que poderá alguém dar em troca de sua vida?” (Mt 16,26)

 

O evangelho deste domingo é continuação daquele do domingo passado; também hoje, Jesus e seus discípulos se encontram em Cesareia de Filipe, fora do território da Palestina. O que Mateus relata da boca de Jesus, nem sequer é aceitável para os seus seguidores. Jesus tinha acabado de felicitar a Pedro por expressar pensamentos divinos. Agora o critica duramente por pensar como os homens. A diferença é enorme e só umas linhas de distância, no mesmo evangelho.

Como Pedro, também nós, seguidores(as) de Jesus, ficamos escandalizados com a cruz. Nenhum de nós teria escolhido para Jesus esse caminho. Onde fica a imagem do Messias vitorioso, Senhor ou Filho de Deus?

Apesar das palavras de Pedro, no domingo passado, sua atitude diante do anúncio da paixão e morte de Jesus demonstra que, nem ele e nem os outros discípulos, entenderam o que significava a pessoa e a missão do Mestre de Nazaré. Queriam segui-lo, mas sem as consequências do seguimento.

Para compreender Jesus, é preciso deixar de pensar como os homens e começar a pensar como Deus; é deixar de ajustar-nos a este mundo e entrar em sintonia com o modo original de ser e de viver do próprio Jesus; é transformar-nos pela renovação da mente e abertura do coração. Para aceitar a mensagem de Jesus, temos de mudar radicalmente nossa imagem de Deus. 

Quê significado tem para nós, hoje, a morte de Jesus na Cruz? Não é fácil entrar na dinâmica da Cruz. Mas, por outra parte, é impossível compreender a mensagem de Jesus sem compreender a Cruz. Ela é expressão de uma vida doada; por isso se converteu no “sinal chave de nosso seguimento”.

A vida é constantemente chamada a ser Páscoa. Porque, só na vitória da vida entregue, ela ganha sentido, avança, como uma torrente que rega terras secas, ávidas de água, como um fogo que, na noite mais escura, traz uma luz que permite vislumbrar a vida oculta.

A vida é movimento e, portanto, energia expansiva. Podemos consumi-la em benefício do ego (falso eu) e então vem o fracasso. Podemos re-orientá-la em benefício dos outros e da causa do Reino; e então, consumá-la, dando-lhe plenitude. Pois, só uma vida consumada faz fecunda a morte.

Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver, porque incapazes de re-inventar a vida no seu cotidiano. Por isso, viver é uma arte; é necessário re-criar a vida no dia-a-dia, carregá-la de sentido.

A morte do falso eu é a condição para que a verdadeira vida se libere. O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?” 

De fato, aqueles que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança do conhecido e se dedicam apaixonadamente à missão de comunicar vida aos outros. Ter apego à própria vida é destruir-se; entregar a vida por amor não é frustrá-la, mas levá-la à sua completude. Aqui há uma inversão na lógica natural das coisas; ganha-se quando perde, vive-se quando morre, multiplica-se quando divide.

Estranhas atitudes estas que Jesus propõe, tão contrárias em uma cultura como a nossa que nos apresenta a apropriação e a acumulação como meta da existência. Ele, imperturbável, apresenta sua alternativa: perder, vender, dar, deixar, não armazenar, não reter avidamente, desapropriar-se, esvaziar-se, partilhar...

Perder-ganhar, morrer-viver, entregar-reter, doar-receber..., parecem dimensões ou realidades contraditórias, mas captar a profundidade da verdade contida nesta “contradição aparente” é descobrir o Evangelho.

“Morrer”, “perder”, “entregar”, “renunciar”... é este instante de ruptura, onde toda uma vida incubada, trabalhada no silêncio e no sofrimento, marcada de alegrias e tristezas, vitórias e fracassos, desponta luminosa para a vida eterna. Pois vida é um contínuo despedir-se e partir; ela nos desaloja de nossos “lugares estreitos” e nos faz caminhar em direção a novos horizontes.

A vida aumenta quando compartilha e se atrofia quando permanece no isolamento e na comodidade. 

A morte do falso eu é a condição para que a verdadeira Vida se liberte. É preciso passar pela morte do que é terreno, caduco, transitório (aderências afetivas, apegos desordenados...) para deixar emergir a vida interior, a vida divina, a vida de Deus em nós.

O essencial não é encontrar um caminho para alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”.

Como Jesus encarou a Cruz? Ele não buscou a cruz pela cruz. Buscou a fidelidade à sua missão que consistia em evitar a proliferação de cruzes, para si mesmo e para os outros. Pregou e viveu o amor e revelou as condições necessárias para que esse amor se tornasse realidade nas relações entre as pessoas.

Jesus anunciou a boa nova da Vida e do Amor e se entregou por ela. Quem ama e serve não cria cruzes para os outros; é o egocentrismo e a maldade que geram cruzes.

A realidade, dividida e conflituosa, se fechou à proposta de Vida apresentada por Jesus, impondo-lhe cruzes em seu caminho e finalmente O levantou no madeiro da Cruz.

Nela mesma, a cruz é aquilo que limita a vida (as cruzes da vida), que nos faz sofrer e dificulta nosso caminhar, por causa da má vontade humana (carregar a cruz de cada dia); ela é a corporificação do ódio, da violência e da exclusão humana. Mas Jesus continuou amando, apesar do ódio; continuou investindo sua vida a serviço da vida, apesar da cultura de morte na qual se encontrava. Assumiu a cruz em sinal de fidelidade para com o Pai e para com os seres humanos. Por isso, na vida de Jesus a Cruz é salvífica.

Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é conseqüência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai. que quer que todos vivam intensamente.

“Renunciar a si mesmo” e “carregar a sua cruz”, é entrar em sintonia e comunhão com Jesus, assumindo, com seu mesmo espírito, os sofrimentos que se seguem a uma adesão concreta e responsável à sua pessoa e à sua causa. É este seguimento fiel que nos introduz na cruz genuína d’Aquele que foi fiel até o fim.

A partir desta atitude de seguimento precisamos entender esse “renunciar a si mesmo” que Jesus pede ao discípulo. “Renunciar a si mesmo” não significa mortificar-se, castigar-se a si mesmo e, menos ainda, anular-se ou autodestruir-se. Nunca se deve confundir a cruz com atuações masoquistas, nunca alimentadas por Jesus. “Renunciar a si mesmo” é descentrar-se, sair de seus próprios interesses, para fixar a existência na pessoa de Jesus, a quem deseja seguir. É libertar-se de si mesmo para aderir radicalmente a Ele.

A mortificação tem um lugar importante na vida de quem segue a Jesus. Não qualquer mortificação, mas aquela que vai libertando a pessoa de seu egocentrismo, de sua comodidade ou de sua covardia para seguir mais fielmente a Ele. Buscar sofrimento para “agradar a Deus” não tem sentido; é tortura inútil, que alimenta nosso “ego” e nos afunda numa espiritualidade doentia.

A cruz tem sentido quando é consequência de uma opção autêntica de vida em favor da vida: por exemplo, quando sofremos por levar adiante uma causa justa, por defender as pessoas que são vítimas das estruturas sociais, políticas e econômicas injustas, por as-sumir a radicalidade na vivência do amor, lutando contra toda expressão de ódio, preconceito, intolerância..., por evitar o mal e denunciar uma injustiça, etc.

A cruz salva quando aponta para a vida. 

Texto bíblico:  Mt 16,21-27 

Na oração: - “Fazer memória” de tantas mulheres e homens que se associaram à Cruz de Jesus, na solidariedade com os pobres, na fidelidade à vida evangélica, na descida aos porões das contradições sociais e políticas, às realidades inóspitas, aos ter-renos contaminados e difíceis, às periferias insalubres, onde os excluídos deste mundo lutam por sobreviver. Ali se encontraram com o Crucificado, o “Justo e Santo”, identificado com os crucificados da história.

- Recordar as cruzes que apareceram na sua vida por causa da fidelidade ao Evangelho.


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2126-na-vida-de-jesus-a-cruz-revela-seu-destino

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sábado, 29 de agosto de 2020

O TRABALHO – Gibran Khalil Gibran


 

O Trabalho

 

            Então um lavrador disse: “Fala-nos do trabalho”.

            E ele respondeu dizendo:

            “Vós trabalhais para acompanhar o ritmo da terra. E da alma da terra.

            Porque ser indolente é tornar-se um estranho às estações e afastar-se do cortejo da vida, que avança com majestade e orgulhosa submissão rumo ao infinito.

 

            Quando trabalhais, sois uma flauta através da qual o murmúrio das horas se transforma em melodia.

            Quem de vós aceitaria ser um caniço mudo e surdo quando tudo o mais canta em uníssono?

            Sempre vos disseram que o trabalho é uma maldição: e o labor, uma desgraça.

            Mas eu vos digo que, quando trabalhais, realizais parte do sonho mais longínquo da terra, desempenhando assim uma missão que vos foi designada quando esse sonho nasceu.

            E, apegando-vos ao trabalho, estais na verdade amando a vida. E quem ama a vida através do trabalho, partilha do segredo mais íntimo da vida.

            Mas se, em vossas dores, chamais o nascimento uma aflição e a necessidade de suportar a carne, uma maldição inscrita na vossa fronte, então eu vos direi que só o suor da vossa fronte lavará esse estigma.

 

            Disseram-vos que a vida é escuridão; e no vosso cansaço, repetis o que os cansados vos disseram.

            E eu vos digo que a vida é realmente escuridão, exceto quando há um impulso.

            E todo impulso é cego, exceto quando há saber.

            E todo saber é vão, exceto quando há trabalho.

            E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor.

            E quando trabalhais com amor, vós vos unis a vós próprios e uns aos outros e a Deus.

            E que é trabalhar com amor?

            É tecer o tecido com fios desfiados de vosso próprio coração, como se vosso bem-amado tivesse que usar esse tecido.

            É construir uma casa com afeição, como se vosso bem-amado tivesse que habitar essa casa.

            É semear as sementes com ternura e recolher a colheita com alegria, como se vosso bem-amado fosse comer-lhe os frutos.

            É por em todas as coisas que fazeis um sopro de vossa alma.

            E saber que todos os abençoados mortos vos rodeiam e vos observam.

 

            Muitas vezes ouvi-vos dizer como se estivésseis falando em sonho: “Aquele que trabalha no mármore e encontra na pedra a forma de sua alma, é mais nobre do que aquele que lavra a terra.

            E aquele que agarra o arco-íris e o estende na tela em formas humanas, é superior àquele que confecciona sandálias para os nossos pés”.

             Porém eu vos digo, não em sono, mas no pleno despertar do meio-dia, que o vento não fala com maior doçura aos carvalhos gigantes do que à menor das folhas de relva;

             E grande é somente aquele que transforma o ulular do vento numa canção tornada mais suave pelo seu próprio amor.

 

            O trabalho é o amor feito visível.

            E se não podeis trabalhar com amor, mas somente com desgosto, melhor seria que abandonásseis vosso trabalho e vos sentásseis à porta do templo a solicitar esmolas daqueles que trabalham com alegria.

            Pois se cozerdes o pão com indiferença, cozereis um pão amargo, que satisfaz somente à metade da fome do homem.

            E se espremerdes a uva de má vontade, vossa má vontade se destilará no vinho como veneno.

            E ainda que canteis como os anjos, se não tiverdes amor ao canto, tapais o ouvido do homem às vozes do dia e às vozes da noite.”

           

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

 

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NÃO O HEROÍSMO, MAS A GRANDEZA

 

            Para além do pensamento e da forma, O Profeta seduz pela filosofia da vida nele contida. Gibran não era propriamente um filósofo, mas um pensador e um sábio: era um guia espiritual que ambicionava definir um ideal de vida para si mesmo e para todos os homens.

            O ideal que propõe em O Profeta é tanto prático como espiritual: convence e exalta ao mesmo passo. Porque, baseado nas atividades mais comuns da existência, dá a essas atividades um sentido que as transfigura. Casamento, conversação, trabalho, prazer, amor, comprar e vender, beber e comer, todas as nossas atividades são aceitas e aprovadas; mas, ao mesmo tempo, embelezadas e elevadas. Gibran não nos propõe o heroísmo, mas a grandeza. Não nos convida a renunciar à vida, mas a sermos dignos dela. Não procura fazer de nós super-homens, mas homens completos.

            E como todos nós amamos a elevação, mas recuamos perante o heroísmo, sentimo-nos irresistivelmente atraídos por um ideal que põe a elevação ao nosso alcance – embora nem sempre façamos o esforço necessário para alcançá-la.

            Esta capacidade de conciliar assim o ideal e a realidade, deve-a Gibran ao fato de ter sido um sábio e um místico que viveu em Beirute, Boston, Paris, Nova Iorque, e não numa cela isolada de alguma montanha inacessível. Frequentou os homens e conhece suas limitações. E procura guiá-los rumo a um mundo superior, porém não diferente, ao contrário do místico hindu, por exemplo, que, quando prega o nirvana, nos fala de algo que não podemos experimentar sem o treino de longos anos.

           

APRESENTAÇÃO

Mansour Chalita

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sexta-feira, 28 de agosto de 2020

A CORRIDA DOS SENTIMENTOS



A Corrida dos Sentimentos


Era sol. Todos os sentimentos se preparavam para a grande corrida.

A ansiedade chegou primeiro. Não via a hora de começar. 

A dúvida foi a última a chegar, estava sempre questionando onde essa corrida ia dar.

A derrota desistiu antes mesmo de começar.

A alegria deu um salto à frente e disse:  Vamos lá! 

Todos se preparavam para a largada: 3,2,1, já! 

A tristeza põe-se a chorar, “Como vou conseguir chegar lá?”

A dor levou um tombo e começou a gritar.

A intolerância berrou: cale essa boca já!

E a dor respondeu: “Não aguento mais, vou parar”.

A coragem falou em alta voz: Vamos amigos, todos nós podemos ganhar!

A inveja logo se manifestou: “Não sei pra que encorajar!”

A esperança pensou alto: “Estamos perto de chegar

O amor, sempre quietinho, observando tudo, resolveu falar: 

“O que acham de todos juntos darmos as mãos e pararmos de brigar? A vida é muito curta para perdermos tempo.

 Podemos cada momento aproveitar? 

E assim, todos os sentimentos deram as mãos e ganharam juntos a corrida. 

A dúvida que não sabia se daria certo, chegou lá. A ansiedade viu que não valia a pena se desesperar. A derrota foi vencida pela esperança. A tristeza se animou com o salto da alegria. A dor foi encorajada com as palavras da coragem. A inveja foi vencida pelo amor e a esperança sempre acreditou. 

Nós também vivemos numa corrida chamada vida. Em alguns momentos, a dor grita e quer parar. A ansiedade não nos deixa aproveitar os bons momentos. A dúvida chega e traz angústias para o coração.

A coragem nos ajuda a caminhar, mais umas milhas. A tristeza mais uma vez nos faz parar. A inveja, olha para o outro e começa a reclamar. A intolerância não aceita nada, mas o amor, Ah! O amor! .... O amor "suporta todas as coisas, acredita em todas as coisas, espera todas as coisas, persevera em todas as coisas. O amor nunca acaba."(1 Coríntios 13:7,8) Ainda que tenhamos maus momentos, o amor nos faz aguentar. Se não fosse o amor de nada valeria!

 

 Autor desconhecido



(Recebi via WhatsApp)


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quinta-feira, 27 de agosto de 2020

A HONRA DOS BROSSABOURG – Georges Courteline

A Honra dos Brossabourg


           A Baronesa – Esposo meu! Chegou o momento de confessar-vos alguma coisa terrível. Nossa honra, a honra dos Brossabourg, até hoje imaculada...

            O Barão – Que dizeis, senhora? A honra dos Brossabourg?...

            A Baronesa (com dolorosa solenidade) – Senhor de Brossabourg! Vossa honra está para sempre manchada! 

            O Barão – (com entonação terrível) – Vosso cúmplice! O nome do vosso cúmplice, senhora! Necessito afogá-lo em seu próprio sangue! Seu nome prontamente!

            A Baronesa – Ignoro-o!... (Assombro do Barão). É uma história terrivelmente trágica. Ouvi-me e julgai-me. Estais lembrado de que no mês de novembro vieram passar uns dias no castelo vários amigos vossos. Eram eles, o visconde Lamonte, o cavalheiro de Mepier, o senhor de Poilú-Budin, o general barão de La Roussardière...

             O Barão – O doutor Bourdegrave e Oscar Poutrepet. E então?

            A Baronesa – Dois dias depois da chegada de vossos hóspedes achava-me eu nos meus aposentos, mudando de roupa interior. Havia atingido o momento psicológico em que a extremidade inferior da camisa, subindo ao nível da nuca, fica enganchada nos grampos do penteado. Lutava eu para desvencilhar a cabeça desse envoltório, quando ouço, com terror, abrir-se a porta atrás de mim e exclamar, numa voz masculina! – “Raios do céu! Como isto é lindo!...  No mesmo instante, senti uns dedos audaciosos me roçarem a pele, no lado inferior das espáduas... (pudicamente) Corramos um véu sobre o que houve. Quando enfim, pude arrancar a cabeça de entre as pregas da maldita camisa e passear em torno um olhar de nobre indignação, o indiscreto havia desaparecido, deixando uma nódoa indelével no brasão dos Brossaborgs!

            O Barão (soltando uma gargalhada) – Mas como? Não reconheceste a voz?

            A Baronesa – Pela baixeza da expressão, supus reconhecer Poutrepet, e, no mesmo instante, me dispus a apurar a verdade, arrancando ao falso gentil-homem a confissão de sua felonia. Para isso, convidei-o para uma entrevista à meia noite. À hora fixada, abri-lhe a porta do meu aposento, repartindo com ele o meu leito...

            O Barão – Hein?!

           A Baronesa - Sim, esposo meu. Ocultei sob o travesseiro punhal envenenado resolvida a levar a cabo minha vingança ao ter a prova do seu miserável procedimento. Quando o vi prestes a exalar a alma na embriaguez do beijo supremo, disse-lhe com pérfido sorriso, passando-lhe os braços pelo pescoço, numa expressão de fingida ternura: “Confessa tudo, meu amor! Não é verdade que foste tu que entraste ontem no meu aposento no momento em que eu mudava de camisa?” E enquanto dizia isso acariciava o cabo do punhal. Mas ele respondeu: “Como? Não entendo!”, com tal acento de sinceridade, que minhas suspeitas se dissiparam.

            O Barão (enxugando o suor que lhe banha a fronte) – Uff!...

            A Baronesa – Minhas dúvidas recaíram, então, sobre o senhor de Poilú-Budin, cujos olhares libidinosos haviam mais de uma vez chamado a minha atenção. Desejosa de vingar a honra dos Brossabourg, usei do mesmo procedimento anterior, convencendo-me igualmente da sua inocência.

            O Barão (cujos olhos saltam das órbitas) – E, com certeza, suspeitaste também do barão de La Rous-sardière.

            A Baronesa – Exatamente. Por desgraça, minha terceira tentativa resultou igualmente infrutífera, tocando, então, o turno do cavalheiro de Mepier...

            O Barão – E logo ao doutor Boudegrave...

            A Baronesa – Depois ao visconde Lamote, e mais tarde ao nosso cocheiro. Agora, vou fazer e experiência com o porteiro.

            O Barão (fora de si) – É verdade, senhora, que sois mais estúpida que todos os porcos do mundo, juntos. Que meu rosto se cubra de cicatrizes, se pensei, jamais que pudessem advir tais consequências da minha inocente brincadeira daquele dia.

            A Baronesa – Ah!... Mas... Então, foste vós?

            O Barão – Sim, senhora! Fui eu...

            A Baronesa – Louvado seja Deus! Alegra-me saber isso! Pois, à dúvida de que o culpado fora o porteiro, se misturava o indizível terror de que pudesse ter sido aquele imundo criado preto, que trouxeste de Marrocos!...

            

(CONTOS DE ALCOVA)

Compilado por Ives Idílio   

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GEORGES COURTELINE

 

         GEORGES VICTOR MARCEL MOINAUX, que se tornou mundialmente conhecido no mundo literário sob o pseudônimo de Georges Courteline, nasceu em Tours, por volta de 1858 e morreu em Paris em 1929.

          Dotado de fino poder de observação e de uma crítica penetrante, foi inúmeras vezes comparado por essas qualidades ao próprio Molière...

          “A Honra dos Brossabourg”, é um modelo de, sutileza e sobretudo, de poder de síntese. Em meia dezena de palavras, Courteline nos dá uma visão completa e magnífica, embora irreverente, da época em que se passa essa cena inimitável... 

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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

ITABUNA CENTENÁRIA UM SONETO: Hebreia – Castro Alves

 

Hebreia

                                Flos campi et lilium convallium

                                                   (Cântico dos Cânticos)

 

Pomba de esperança sobre um mar de escolhos,

Lírio do vale oriental, brilhante,

Estrela Vésper do pastor errante,

Ramo de murta a rescender cheirosa!

 

Tu és, ó filha de Israel formosa...

Tu és, ó linda, sedutora hebreia.

 Pálida rosa da infeliz Judéia

Sem ter o orvalho, que do céu deriva!

 

Por que descoras, quando a tarde esquisa

Mira-se triste sobre o azul das vagas?

Serão saudades das infindas plagas

Onde a oliveira no Jordão se inclina?

 

Sonhas acaso, quando o sol declina,

A terra santa do Oriente imenso?

E as caravanas no deserto extenso?

E os pegureiros da palmeira à sombra?!...

 

Sim, fora belo na relvosa alfombra,

Junto da fonte, onde Raquel gemera,

Viver contigo qual Jacó vivera

Guiando escravo teu feliz rebanho...

 

Depois nas águas de cheiroso banho

- Como Suzana a estremecer de frio –

Fitar-te, ó flor do babilônio rio,

 Fitar-te a medo no salgueiro oculto.

 

Vem pois!... Contigo no deserto inculto,

Fugindo às iras de Saul embora,

Davi eu fora se Micol tu foras,

Vibrando na harpa do profeta o canto.

 

Não vês?... Do seio me goteja o pranto

Qual da torrente do Cédron deserto!

Como lutara o patriarca incerto

Lutei, meu anjo, mas caí vencido.

 

Eu sou o lótus para o chão pendido,

Vem ser o orvalho oriental, brilhante!

Ai! Guia o passo ao viajor perdido,

Estrela Vésper do pastor errante!...

 

                                                               Bahia, 1866

(ESPUMAS FLUTUANTES)

Castro Alves

 

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CASTRO ALVES

 

          Antônio de Castro Alves nasceu na comarca de Cachoeira, Estado da Bahia, a 14 de abril de 1847, sendo filho do médico Antônio Alves e de sua mulher, D. Clélia Brasília da Silva Castro. Faleceu na cidade do Salvador a 6 de julho de 1871. Na expressão de Afrânio Peixoto Castro Alves “Pôs suas ideias à frente do seu sentimento e, num tempo em que a miséria da escravidão não comovia ninguém,  despertou com os seus poemas arrebatadores, piedosos ou indignados, a sensibilidade humana e patriótica da geração que, vinte anos mais tarde, viria a conseguir a liberdade. Por isso lhe deram o nome invejável de Poeta dos Escravos. Das alturas do seu gênio compreendera que não há grande homem sem uma grande causa social a que tenha servido, e não aspirava a outra glorificação que a dessa obra realizada. A morte, depois, não importaria...

 

De tumba da infâmia erguer um povo

Fazer de um verme – um rei.

Depois morrer... que a vida está completa

- Rei ou tribuno. César ou poeta,

Que mais quereis, depois?

Basta escutar do fundo lá da cova

Dançar em vossa lousa a raça nova

Libertada por vós...”


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