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terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

ITABUNA CENTENÁRIA UM SONETO: Noite de Insônia - Emílio de Menezes


 

Noite de Insônia

Emílio de Menezes

 

 

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,

Onde este grande amor floriu, sincero e justo,

E unimos, ambos nós, o peito contra o peito,

Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

 

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,

 Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto,

Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito,

Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!...

 

Louco e só! Desvairado! – A noite vai sem termo

E, estendendo, lá fora, as sombras augurais

Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

 

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,

Quanto me punge e corta o coração enfermo,

Este horrível temor de que não voltes mais!...

 

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EMÍLIO DE MENEZES, o mais famoso poeta satírico brasileiro depois de Gregório de Mattos. Foi também lírico primoroso. Nasceu em Curitiba em 04/07/1867 e faleceu no Rio de Janeiro em 05/06/1918, sem haver tomado posse na Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito na vaga de Salvador de Mendonça (cadeira nº20, depois ocupada por Humberto de Campos). As peripécias da vida boêmia de Emílio, as suas piadas chistosas, as suas tiradas repentistas, o grupo de amigo com os quais convivia, foram recordados no livro de Raimundo de Menezes – Emílio de Menezes, o último boêmio (1945), já em 3ª edição. Publicou o poeta os seguintes livros de versos: Símbolos, Poemas da Morte, Versos Antigos, e Dies Irae (1909), Últimas Rimas (1917) e Mortalinas ou Os Deuses em Ceroulas (1924). Este último volumes encerra os seus famosos sonetos satíricos.

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UM PERFIL DE CORAGEM II – José Sarney



Um Perfil de Coragem - II 

José Sarney

 

Contei na semana passada a história do grande gesto de coragem cívica do Adauto Lúcio Cardoso ao defender a Lei acima das contingências políticas. Ele foi, sem dúvida nenhuma, um dos grandes brasileiros do século passado. Era de uma retidão absoluta, que não o impediu de fazer política com todas as qualidades - ao contrário do que se costuma dizer para desqualificar a política e os políticos, a política não apenas pode, mas deve ser feita, para ser legítima, com a visão dos valores éticos que pautam a sociedade. Adauto era uma fortaleza moral, impávido, respeitado por toda a Câmara, por todo o Congresso, por todos.

Sua vida política começou com a assinatura do Manifesto dos Mineiros, um dos pontapés que derrubou a ditadura Vargas. Vereador na Capital, não aceitou a decisão do Senado de impedir que a Câmara de Vereadores analisasse os vetos do Prefeito e renunciou a seu mandato. Eleito para a Câmara dos Deputados, logo tornou-se um dos principais membros da Banda de Música da UDN.

Em 1966 foi eleito Presidente da Câmara. Foi a Castelo Branco e pediu o compromisso de que não houvesse cassações: não as aceitaria. Pouco depois da eleição de Costa e Silva, em outubro de 1966, saiu uma lista com a cassação de quatro deputados. Adauto, que estava no Rio, voltou a Brasília e disse que, enquanto ele ali estivesse, deputados não sofreriam restrições de direito. 'Eu poderia lavar as mãos, como Pilatos, mas não lavaria minha consciência.'

O Ministro da Justiça disse que a posição de Adauto de submeter as cassações à análise da Câmara era 'um absurdo inconcebível'. Mas Adauto ficou firme na garantia aos deputados que permaneciam na Casa. Um ato complementar 'considerando [que] entendeu o Senhor Presidente da Câmara?' colocou em recesso o Congresso Nacional. Adauto aguardava em sua sala desde as 4 horas da madrugada. Uma hora depois forças militares invadiram o Congresso. Pôs-se de pé no alto da escada que dá acesso do segundo andar ao plenário da Câmara dos Deputados. Quando o comandante da tropa chegou, ele enfrentou: 'Aqui estou como representante do poder civil.' E o militar contestou: 'Aqui estou como representante do poder militar.' Adauto replicou: 'Então, pela força, entre no Congresso, mas jamais com a minha complacência ou o meu reconhecimento.' Passado o recesso, Adauto renunciou à Presidência da Casa.

Para mostrar a grandeza de outro homem público, o Marechal Castello Branco decidiu, já nos últimos dias de seu governo, ao vagar uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal, indo contra todos os 'revolucionários', que estavam com o Adauto engasgado na garganta, convidá-lo para ser ministro da Suprema Corte.

Ali no Supremo, mais uma vez, Adauto iria mostrar quem ele era.

Durante o julgamento, em março de 1971, no Governo do Presidente Médici, da constitucionalidade do decreto-lei 1.077/1970, que estabelecia a obrigatoriedade de censura prévia, inclusive a livros, o Ministro Adauto disse que, como juiz, jamais concordaria com isso. Deu, então, seu voto pela inconstitucionalidade do decreto, afirmando que o livro era intocável, não poderia sujeitar-se a nenhuma censura e que sua publicação deveria ser livre.

Colhidos os votos, Adauto foi vencido e o Supremo aceitou o arquivamento da ação pelo Procurador-Geral da República, o que, na prática, autorizou a censura.

Adauto levantou-se, tirou a toga, enrolou-a, colocou-a sobre sua cadeira e deixou o Supremo Tribunal Federal! Jamais voltou.

Esse era Adauto Lúcio Cardoso.

Ao escrever estes episódios ainda me comovo lembrando sua figura?

Os Divergentes, 30/01/2022

 

https://www.academia.org.br/artigos/um-perfil-de-coragem-ii

José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38, eleito em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6 de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.

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