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segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A FARSA ACABOU - Rosiska Darcy de Oliveira

A farsa acabou
  

As máscaras caíram. La commedia è finita. A História, irônica como sempre, escolheu a Semana da Pátria para presentear os brasileiros com as imagens definitivas, irrefutáveis do fim de uma trama sórdida, urdida por uma gente abominável. Malas e malas de dinheiro sujo do ex-chefe da Secretaria de Governo de Temer, um depoimento frio e devastador contra Lula, uma gravação obscena e machista de um bandido armado com a poderosíssima arma que uma grande fortuna pode ser.

Que o Brasil tenha se tornado um acampamento de bandoleiros parece evidente. O que importa agora é que os Joesleys da vida estão encurralados, acabarão todos atrás das grades, onde já está Geddel, depois de uma boa e profilática limpeza de lava a jato. Essa é a melhor das notícias, o presente do Dia da Pátria.

Nos mesmos dias em que as fitas com o chorrilho de canalhices machistas de Joesley eram ouvidas no STF, em Curitiba Palocci contava ao juiz Sergio Moro o que muitos já sabíamos. Duzentos milhões de brasileiros ouviram do homem forte do governo Lula que o maior líder popular do Brasil, depositário não só das esperanças mas sobretudo do amor dos mais pobres, eloquente no discurso contra “eles”, os ricos, vivia a soldo “deles”, pedia milhões em propinas aos homens mais podres do Brasil. E recebia, fartamente. Dilma sabia das regras do jogo, jogando nas laterais. Eram “eles” que governavam o Brasil, embora os brasileiros acreditassem ter votado no Partido dos Trabalhadores.

O depoimento de Palocci, o Italiano das planilhas da Odebrecht, quebrou definitivamente os pés de barro do ídolo nacional que foi Lula, posto a nu na sua verdadeira condição de cúmplice do poder econômico mais corrupto. Sem apelação possível, ficaram demonstrados a periculosidade e o cinismo de uma organização criminosa que, sob o seu comando, governou o país por 16 anos.

É humilhante, sim, para o povo brasileiro, é uma traição terrível, uma decepção imensa para os milhões que o elegeram, mas é a verdade necessária que desconstrói os mitos e permite refundar a vida democrática.

Quando alguém é traído, no amor ou na amizade, o grande risco é perder a capacidade de amar. Na política, os melhores sentimentos podem deslizar para o desencanto. O risco que corre o povo brasileiro é, em um surto de depressão nacional, desacreditar de suas esperanças e cair nos braços de outro aventureiro ou psicopata, já que isso não falta na lista de pretendentes à sucessão de Lula no coração do povo. Um Lula ameaçado de passar as eleições de 2018 na cadeia.

Não me inscrevo entre os deprimidos. Indignada, sim, estou há décadas, com a obscena desigualdade deste país injusto, com a ditadura que ganhei de presente de 20 anos, com a progressiva usura dos sonhos de ver o Brasil tornar-se a grande nação que acreditei que ele fosse, com a evidencia da corrupção desvairada que, como um cupim, vai desfazendo o Estado brasileiro e contaminando a sociedade. Por tudo isso, creio que estamos vivendo um momento de travessia e de ruptura. Nada será como antes.

O ministro Luís Roberto Barroso, clarividente, aposta em uma revolução silenciosa em curso. “O velho já morreu, só falta remover os corpos. O novo vem vindo. Há uma imensa demanda por integridade, idealismo e patriotismo. Essa é a energia para mudar o curso da História”, escreveu em artigo recente.

Não é hora para depressão, ao contrário, é preciso celebrar essa revolução silenciosa e usar essa energia que a raiva e a frustração alimentam para fortalecer essas demandas que exprimem um querer coletivo.

A exigência de integridade é condição para governar, já que é obvia a relação de causa e efeito entre a pobreza e a corrupção, a ineficiência dos serviços e o assalto aos cofres públicos.

Idealismo, porque nunca tantos se preocuparam tão intensamente com o destino do país, opinando nas redes e nas ruas. E se há visões contrárias, o que é da natureza da democracia, são interpretações diferentes de um mesmo desejo de viver em um país mais justo. A lenda da juventude apática caiu por terra.

É preciso coragem para falar em patriotismo desde que o perigosíssimo Jair Bolsonaro usurpou a palavra para batizar seu partido fascistoide. No texto de Barroso essa palavra é reinvestida pelo que de fato é, o sentimento cálido de pertencimento, real, que todos conhecemos desde a infância e que nos leva a querer contribuir para tirar o país da tragédia em que mergulhamos.

A Semana da Pátria foi gloriosa. A farsa acabou. Caiu o pano.
Desmascarados, nos bastidores, o salve-se quem puder.

O Globo, 09/09/2017
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Rosiska Darcy de Oliveira - Sexta ocupante da cadeira 10 da ABL, eleita em 11 de abril de 2013. Escritora e ensaísta, sua obra literária exprime uma trajetória de vida. Foi recebida em 14 de junho de 2013 pelo Acadêmico Eduardo Portella, na sucessão do Acadêmico Lêdo Ivo.

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A “VIDINHA” É CINZA, SEM COR NEM SABOR

31 de agosto de 2017
Leo Daniele

Se o leitor pensa que “vidinha” é apenas o diminutivo de “vida”, está enganado. Como “vidinha” é com frequência o apego à rotina, cabe um esclarecimento. Pode ser até virtude aceitar uma rotina, desde que o façamos sem perder os grandes horizontes que devem nos nortear. Caso contrário, a rotina poderá nos tornar medíocres e, aí sim, poderemos cair naquilo que chamamos de “vidinha”.

Não podemos permitir que a rotina se transforme em indiferença. Este é o ponto. Nem desejar ser “daqueles a quem só interessa a coisinha deles, a virtudezinha deles e a pessoinha deles”, levando a sua vidinha e recitando o seu credo: “Creio num só Deus, o dinheiro onipotente, criador da fartura e da tranquilidade etc.”.

Assim se exprimia Plinio Corrêa de Oliveira em uma oração que compôs para combater essa má tendência.

Mas a vidinha não é o auge, ela é o cinza da vida.

O cinza não é incolor, nem merece fazer parte da vistosa galeria das cores vivas como o vermelho, o azul, o dourado etc. É neutro, sem sabor. Sempre se deve ter uma atitude interna, ainda que silenciosa, diante das coisas más, pois sempre se pode ser inconformado com as conformidades erradas dos outros.

Nosso Senhor Jesus Cristo não se contenta com as almas que são generosas somente no teor miudinho da vida cotidiana. Como afirma Dr. Plinio, “num dia ou outro, uma tragédia vem para os que Deus prefere. Tragédia interior ou tragédia exterior, uma coisa e outra em geral, e na maioria dos casos, várias tragédias se sucedem até à morte”.

Oh, a apatia! A falta de ação e reação! Mas como, reação? Nas condições em que vivemos, muitas vezes é uma coisa difícil. No entanto, sempre devemos tomar uma atitude interna, silenciosa, de inconformidade com os erros que notamos para não nos submetermos à onda. A inconformidade está sempre ao alcance de todos, pois conformismo é sinônimo de egoísmo e passividade.



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CHEIRO DA PRIMAVERA – Oscar Benício dos Santos

Cheiro da Primavera  
 
Le Printemps adorable a perdu son odeur – Baudelaire

Perdeu a Primavera seu adorável odor 
essência que não chegará ao verão
que a aguarda, ora, esperançoso em vão,
para espargi-la em seus campos sem verdor.

Campinas que não mais têm aquela cor,
que outrora coloria aquela estação,
são agora folhas secas no chão
de terra triste, esmaecida, incolor. 

E da primavera não mais se escuta
o solfejo harmonioso das flores,
que se mistura aos seus suaves odores 

e o tempo o destrói em marcha resoluta
em seu imperturbável caminhar
– o qual não consegue nunca chegar... 


Oscar Benício Dos Santos
Faz.Guanabara, 10/09/15


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