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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

A VERDADE DAS ESPUMAS - Carlos Heitor Cony

A verdade das espumas


Acho que não foi há tanto tempo assim. Cheguei à praia com minhas filhas e encontrei um aglomerado de cidadãos. Eles montavam guarda num pequeno trecho da areia, caras alarmadas, pior: pungidas. Não fui eu quem viu o grupo: foi o grupo que me viu e dois de seus membros vieram em minha direção, delicadamente me afastaram das meninas e comunicaram: -Tire depressa suas filhas daqui!. As palavras foram duras, mas o tom era ameno, cúmplice.

Quis saber por que. Em voz baixa, conspiratória, um dos cidadãos me comunicou que ali na arrebentação, boiando como uma anêmona, alga desprendida das profundezas oceânicas, havia uma camisinha -que na época atendia pelo poético nome de "camisa de Vênus".

O grupo de cidadãos ali estava desde cedo, alertando pais incautos, como se a camisinha fosse uma pastilha de material nuclear, uma cápsula de césio com pérfidas e letais emanações.

Não me lembro da reação que tive, é possível que tenha levado as meninas para outro canto, mas tenho certeza de que nem alarmado fiquei. Hoje, a camisinha aparece na televisão, é banal e inocente como um par de patins, um aparelho de barba.

Domingo último, encontrei um grupo de cidadãos em volta de uma coisa. Não, não era aquele monstro marinho que Fellini colocou no final de um de seus filmes. Tampouco era uma camisinha.

O motivo daquela expressão de cidadania era uma seringa que as águas despejaram na areia. Objeto na certa infectado, trazendo na ponta de sua agulha o vírus da Aids, que algum viciado ali deixara para contaminar inocentes e culpados. Daqui a dois, cinco anos, espero que a Aids não mais preocupe a humanidade. Mas os cidadãos continuarão alarmados, descobrindo novas misérias na efêmera eternidade das espumas.

Folha de São Paulo (RJ), 27/08/2017




Carlos Heitor Cony - Quinto ocupante da Cadeira nº 3 da ABL, eleito em 23 de março de 2000, na sucessão de Herberto Sales e recebido em 31 de maio de 2000 pelo acadêmico Arnaldo Niskier.

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ORELHAS DO LIVRO “LAFAYETTE DE BORBOREMA UMA VIDA, UM IDEAL” – Helena Borborema

Lafayette de Borborema


            “Conheci Lafayette de Borborema e acompanhei parte  de sua trajetória em Itabuna.  Advogado, criminalista de renome, político, bom jornalista, bom cidadão.

            Simples, despido de ambição, vaidade, defendia o cliente com ardor e combatividade, não distinguindo o rico do pobre.

            Tinha em mira a causa e não o cliente e com os olhos fitos na deusa de olhos vendados, símbolo da sua profissão, traçou o rumo a seguir, marchando firme, intemerato, desprendido.

            Lafayette de Borborema não pertence tão somente à memória da família e dos amigos, pertence também à História de Itabuna como um dos membros ilustres que o tempo não pode apagar.

RAYMUNDO CRAVO

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            “Inteligente, vibrátil, assim o víamos, sumido entre pilhas que iam até o teto, do seu “Jornal de Itabuna”. De sua carteira, empoeirada,  lançava aquele olhar arguto, enquanto esboçava, num lado da face, um quase riso entre jovial e sarcástico, do jornalista que estraçalhava com fina ironia o adversário, em cruentas polêmicas dos anos idos. Lafayette de Borborema, o advogado tranquilo, agitava-se e agigantava-se na defesa ou no ataque, sem fugir da linha mestra do Direito, o que bem conhecia.

            E o tipo humano? Alma de criança nos longos bate-papos. Esqueceu-se dos ganhos fartos daquela época, deixou-nos, em sua modéstia respeitosa, prole digna e amada, caminhos a seguir,  sempre vivo em nossa lembrança.

OTTONI JOSÉ DA SILVA

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“LAFAYETTE DE BORBOREMA

            A primeira imagem que me aflora à memória, ao evocar, pela magia da remembrança, a figura humana sob todos os títulos respeitável, do meu amigo Lafayette de Borborema, é a do advogado, que na tribuna do Júri ou na defesa das causas cíveis, tinha uma conduta retilínea das mais louváveis, o que lhe dava uma autoridade moral das mais meritórias.

            Mas o que me atraía neste homem, de pequena estatura, mas de avantajado  porte moral,  era sua participação como advogado criminal, defendendo inocentes injustiçados ou condenando, com o cautério de sua dialética irrespondível, os celerados da pior espécie,  que ontem, como hoje, perturbam o funcionamento normal das sociedades.

            Na tribuna do Júri era um leão de juba eriçada, na defesa de princípios morais que serviram de norte a toda sua existência, esgrimindo com a perícia de um d’Artagnan e pondo fora de combate adversários da melhor estirpe, com a força destruidora de seus argumentos, tudo isso de maneira ética e estritamente profissional.

            Esta a lembrança imperecível que tenho do grande lidador, que se chamou em vida Lafayette de Borborema.

JOSÉ NUNES DE AQUINO

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 (Lafayette de Borborema: UMA VIDA, UM IDEAL)
Helena Borborema
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HELENA BORBOREMA -  Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município
(A autora)

Conhecida professora itabunense, filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra’.
(Cyro de Mattos)

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