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domingo, 29 de novembro de 2020

ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA E ELETROGÓES CONCEDEM PRÊMIO AO ESCRITOR CYRO DE MATTOS

 


              Academia de Letras da Bahia

e Eletrogóes concedem Prêmio

ao Escritor Cyro de Mattos

 

A Academia de Letras da Bahia e a Eletrogóes  concederam o Prêmio Conjunto de Obra deste ano ao escritor Cyro de Mattos, autor baiano (de Itabuna), com cerca de 50 livros pessoais publicados, de diversos gêneros,  organizador de dez antologias, também editado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos, além de participar de dezenas antologias no Brasil e exterior. Neste ano, Cyro de Mattos publicou os livros Prosa e Poesia no Sul da Bahia, ensaios, Infância com Bicho e Pesadelo, contos, na Coleção Mestres da Literatura Baiana, e O Discurso do Rio, poesia, em Portugal.

 O Prêmio Conjunto de Obra Academia de Letras da Bahia e Eletrogóes consiste em uma placa alusiva à obra do escritor homenageado e valor em espécie, que serão entregues ao agraciado em sessão online, na festa de confraternização natalina da Academia de Letras da Bahia, em data a ser designada neste mês de dezembro. Este prêmio é o mais elevado da Academia de Letras da Bahia e já foi conquistado nas edições anteriores pela poeta Myriam Fraga, escritor Hélio Pólvora, educador Edvaldo Boaventura, historiador João José Reis e romancista Gláucia Lemos.


https://costadocacau.blog.br/academia-de-letras-da-bahia-e-eletrogoes-concedem-premio-ao-escritor-cyro-de-mattos/


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PALAVRA DA SALVAÇÃO (211)


1º Domingo do Advento – 29/11/2020

Anúncio do Evangelho (Mc 13,33-37)

 

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Marcos.

— Glória a vós, Senhor.

 

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: “Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento. É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. 

Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai!”. 

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:


https://www.youtube.com/watch?v=C-Q-KKLxEJw&feature=emb_logo

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ADVENTO: "sentir o tempo"

 

 

Imagem: Bigstok.com

“Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento” (Mc 13,33) 

 

Com o Advento, iniciamos mais um novo “tempo litúrgico”. Qual o sentido dos tempos litúrgicos?

Podemos representá-los graficamente, visualizando um círculo onde começamos com o Advento, percorremos os “tempos” da vida de Jesus, com suas celebrações mais importantes, e o “tempo comum”, que culmina com a festa de Cristo Rei.

Acaso não é assim o grande círculo da vida? Tempos para gestar a vida, para trazê-la à luz, para alimentá-la e cuidá-la, “tempos comuns” para descobrir a inspiração do viver cotidiano, buscando o sentido de tudo o que fazemos e o que acontece ao nosso redor; às vezes, estes tempos são áridos e cinzentos, outras vezes, iluminantes e coloridos; tempos com a marca da solidão e da perda e tempos de primavera em que a vida brota de novo... Podemos dizer que nós, como num espelho, nos vemos no tempo litúrgico, para compreender e inspirar nossa vida a partir de “Jesus” e da “comunidade cristã”. 

Vivemos hoje tempos conturbados, tensos...; partilhamos um momento de grande inquietação social, de aridez espiritual, de drama sanitário, de distúrbios existenciais, de profundos dilemas morais...

No entanto, resistimos! Em meio às sombras, perplexidades, contradições, provocações e promessas, que constituem o atual momento histórico, queremos expressar a fé no futuro da nossa vida.

Ainda que soframos ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e confessamos com o profeta Jeremias, e pela graça do Espírito, que “há esperança de um futuro” (31,17).

Para cada momento histórico sempre foi válido o alerta de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. A liturgia deste primeiro domingo de Advento se atreve a proclamar de novo sua esperança, como uma grande trombeta, que não chama para a morte, mas para a vida.

esperança é um princípio vital, expresso na sábia constatação de que “enquanto há vida, há esperança”. Mesmo diante de desafios quase intransponíveis, consideramos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos opções, criamos novas saídas... e, sem cessar, sonhamos com o “mais” e o “melhor”. A esperança cristã destrói os “germes de resignação” da sociedade moderna e combate a “atrofia espiritual” dos satisfeitos. Por isso, a esperança cristã tem os pés plantados no “hoje” da nossa história, inspirando o esforço de transformação deste mundo marcado por muitos sinais de morte.

É ela que introduz na sociedade a sede de justiça e o compromisso de humanização.

Aquele que vive com esperança se sente impulsionado a fazer o que espera.

Nesse sentido, o futuro esperado se converte em projeto de ação e compromisso.  

Ao adentrarmos, mais uma vez, no tempo do Advento, sentimos ressoar, no mais íntimo, a voz do Mestre da Galiléia, que nos convida a estar vigilantes e atentos, a viver despertos...

E temos muitas frentes abertas: superar o medo que nos paralisa, renovar a esperança no sentido da vida, avançar com a comunidade para uma nova Igreja em saída, ser as mãos de Jesus no mundo para curar, consolar, repartir o pão... Tempo para despertar e cuidar da “casa” que foi confiada à nossa responsabilidade.

“vigilância”, de que fala o evangelho, é o outro nome para a atitude de “atenção”.

Para Simone Weil “a atenção é uma prece”, pois ela nos mobiliza para uma aliança com o “hoje” da vida; se não formos prudentes e generosos para manter os olhos bem abertos sobre o presente, perderemos a possibilidade do encontro com o surpreendente. Viver tem a marca da simplicidade, que precisamos redescobrir, despojando-nos de todas as cataratas existenciais que bloqueiam a visão, para deixar-nos conduzir pelo fluir contemplativo. Estamos muitas vezes alienados da vida, separados dela por uma muralha de discursos, de ideias vazias, de esperanças confusas...  Com o olhar contemplativo, podemos perfurar esse muro e deixar-nos impactar pelo novo que se revela do outro lado. 

Somos seres “desejantes”. O instigante tempo do Advento ativa em nós os desejos mais nobres e oblativos, nos fazem ultrapassar a barreira do imediato e entrar no movimento que nos impulsiona a ir além, a entrar em sintonia com Aquele que vem e, ao mesmo tempo, já está presente. Desejar o encontro com “Aquele que vem” nos sensibiliza a perceber presente “Aquele que é”.

Por isso, o evangelho de hoje nos apresenta uma imagem sugestiva, que reúne no desejo duas atitudes importantes: o tempo da espera e o permanecer em vigília, ambas vivido no “estar despertos”.

A espera e a vigília da vinda plena do Senhor não nos afastam da realidade presente. Pelo contrário, faz-nos encarnar mais lucidamente nela. Nesse novo tempo litúrgico, a comunidade cristã permanece à escuta dos passos de Deus, em nosso mundo, em nossa vida. Porque o novo, não vem de fora, mas o sentimos e o tocamos por dentro.

Aquele que espera o encontro com o Senhor começa a ler a história como história redentora; descobre os momentos de inovação; é capaz de ver as libertações sendo gestadas no silêncio; conecta com as promessas ainda abertas e pendentes: a nova aliança, o novo povo, o novo êxodo, o Messias...

A atitude de vigília nos faz descobrir os sinais da chegada do Reino no tempo: não nos contentamos com o tempo vazio, “normótico” e sempre igual a si mesmo; descobrimos o tempo de salvação no qual há revelação e realização do novo, da justiça e da graça.

Os “esperantes” cristãos precisam aprender a “ressignificar” o tempo, pois o tempo de Deus e do Reino é o tempo da decisão em favor da vida (kairós). O reino tem seu tempo e seu ritmo. Não é questão de pressas, não é questão de datas e lugares, não é questão de cálculos. Tentar acelerar sua vinda seria como esticar o talo da planta para que cresça mais rápido. O importante é ter a paciência de quem sabe que a semente do Reino está semeada em nossa história e ninguém poderá deter seu desenvolvimento. 

Nesta tremenda e instigante história, da qual fazemos parte, precisamos nos situar bem. Não só com a cabeça, pois aí já temos as coisas mais ou menos claras, mas com nossa sensibilidade, com compaixão, com nossos modos de falar e de olhar, com aquilo que deixamos que toque e afete às nossas vidas. Trata-se da sabedoria de “sentir o tempo”.

Diante do tempo dramático que vivemos, nossa tentação é querer saltá-lo, fugindo de suas exigências.

Advento vem ser, então, um tempo para voltarmos para o interior em meio à agitação, olhar para dentro e deixar-nos perguntar: presto atenção à história que todos vivemos, às suas dores e à sua beleza? Reconheço seus poderes (augustos, herodes, quirinos) e a vida vulnerável de Deus iluminando-se nela, apesar de tudo?

Somos iniciados a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigos dele, a nomear e acompanhar o tempo que nos toca viver, a habitar com intensidade todas as etapas de nossa existência. Cada momento esconde sua pérola, e é muito emocionante poder chegar a descobri-la. Precisamos recuperar a força do “hoje” de Deus fazendo “memória” dos grandes personagens do passado:  Isaías, Jeremias, Elias, João Batista, Isabel, Maria de Nazaré, José... Eles continuam falando, continuam desvelando sinais de vida plena na história presente. Só uma sensibilidade marcada pelo tempo do Advento é capaz de entrar em sintonia com as surpresas de Deus; e a história é o rumor dos Seus passos. 

Texto bíblico:  Mc 13,33-37 

Na oração: Caminhamos para Deus quanto mais nos adentramos no profundo de nós mesmos e da realidade. O maior enraizamento no tempo que nos toca viver desperta maior sensibilidade para sermos surpreendidos pelo novo que brota nos lugares menos esperados; é precisamente ali onde a vida renasce e amadurece.

- Como você se situa diante deste “tempo pandêmico”? Desespero? Medo? Desejo de saltá-lo?...

- Qual é o “novo” que você vislumbra no meio deste tempo? Você percebe algum sentido nele? Para onde ele aponta? É revelador de algo diferente?...


Pe. Adroaldo Palaoro sj

 

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2199-advento-sentir-o-tempo


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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

RESISTÊNCIA SANTA DE FIRMINO ROCHA – Cyro de Mattos


Resistência Santa  de Firmino Rocha

Cyro de Mattos

                                        

                O épico apresenta, o lírico lembra, o dramático articula mundos interiores que resultam de atritos e conflitos na cadência crítica da vida. O lirismo e o sentimento do amor andam juntos, como  podem ser vistos na tradição da poesia ibérica. Na sua maneira íntima, de permanente emotividade, o lírico procede como quem recorda ou irrompe dos estados puros da paixão. O ouvido está atento para captar situações, auscultar seres e coisas, pulsações e frêmitos que correm no rio da vida. A mensagem é endereçada em muitos casos mais  aos ouvidos do que aos olhos. Não pretende deixar nada na escuridão e frieza. Seu estro murmura  nos acordes da  tristeza, adeus, agonia, lamento e grito.  Passado e  presente são auscultados  no presente para a sugestão r muitas vezes de um sentimento único: o amor.

                Em Firmino Rocha, poeta de expressão fácil,  verso de tonalidades leves,  um canto de amor emerge do eu lírico, ingênuo no modo de sentir o mundo. Ao fugir do real circundante, recheado de horas doloridas,  que os olhos não chegam a compreender, o transe imposto ao poeta  o impele para  outra paisagem, de aflição que atua como  âncora. Provoca uma poesia que,  mesmo dolorida na captura da vida,  flui com ternura. Acontece com forte apelo naqueles  poemas em que o fluxo lírico traduz   a angústia de ser  ante o mundo: os pesares permanecem em companhia  dos recônditos  por quem se vê ilha  em seu estar no mundo.

                De tendência intimista, no seu verso  tão somente pulsa a emoção, que acontece pelas arestas do  coração, ofendido pelo mundo áspero que fere. Os olhos tentam  colocá-lo distante, mas não conseguem. A  dor e  a saudade, no seu banimento impossível,    irrompem num facho de luz repentino para externar  a solidão, tornada queixa  no gesto que é uma profusão enorme  entre o dramático,  com seus delírios, e o lirismo,  com a  sua pureza incrementada na verdade.

                O  som como elemento necessário forma o ritmo, que emana suave e flui do verso com espontaneidade. Associada  ao som,  sua poesia tem assim  entonação musical, embora nem sempre a intuição compareça no texto verbal com  bons resultados. É ausente de síntese na reflexão crítica,  sem  tendência  conceitual, emotiva por excelência submete-se aos instantes do  eu profundo. É como o ar  que o próprio poeta respira, nesses encontros  inevitáveis  da solidão de quem, perturbado na alma,  sofre e sente, resiste e chora.

                A poesia tomada  nessa latitude não deixa de ser comoção, tornada   em linguagem condensada,  intensa e plural no seu significado.  Há quem afirme que nessa postura do sensível, com suas formas  calcadas no eu lírico,  a poesia obedeça  ao  ritual  simbólico da escrita para revelar uma ideia. Argumente  contra os que acham  que  é a razão  que faz o outro se sentir bem, conhecer o inexplicável, esclarecendo  que a poesia  através de emotiva  pulsação interior  traduz  murmúrios que estremecem,  encantam e comovem. Consegue demonstrar,  em sua linguagem aparentemente prosaica,  que um  poeta nem sempre se apoia em formas frias, não é um operador  de modelos reflexivos que buscam unir o ser humano, contraditório, finito,  a momentos  da palavra tomada  emprestada à razão para pronunciar os indícios históricos da existência.

                Poeta que marca a palavra com o abraço da paz e a lágrima do amor, Firmino  Rocha é mais um caso de resistência da poesia. Do homem que, ilhado na cidade do interior, de ambiência literária incipiente à sua época, assume em sua feição heroica e santa o lado do sonho, da loucura iluminada. Expressa  por meio de intuições  e emoções a  solidão solidária  que encontrou como maneira de exercer a  dialética do silêncio para não sucumbir ante a opressiva lei da vida.

                Para esse poeta de Itabuna, o poema é sangue e ar, calvário e canto que redime, pilastra  que sustenta a dor de si e de muitos, ponte de inquietudes que se estende  “prenhe das águas encobertas e das ramagens emudecidas.” Dostoiewsky disse que a Arte salvaria os homens, o poeta Firmino Rocha acredita que só o poema pode trazer-lhe o sonho da amada e salvá-lo, como numa prece, das paragens cegas da noite sem beijos e canções.

 Era sua crença:

 

Só um poema pode

esta angústia afugentar

esta tristeza exilar

esta escuridão espantar

 

                Defensor dos valores eternos, como a liberdade e a paz, em versos que se vestem com auroras e vertem estrelas, tem como um de seus temas preferidos o da inocência que se escondeu  com a infância. A sua lira, que sobe “o manto azul da lua cheia” e se desperta na janela pela voz de três baladas, canta a saudade, o amor, a  infância, o mistério que cerca seres e coisas nesse velho mundo impossível de ser elucidado nas  propostas íntimas de  uma canção constante. Firmino Rocha canta os mares pressentidos de angústia e pranto, o eu lírico livre e sereno aparece no verso espontâneo  “colhendo do amanhecer os  seus milagres.” Canta a morte do desesperado negro Stanley, que na terra de Tio Sam cometeu o pecado de amar uma mulher branca.

                Ânsia, lágrima, o beijo perdido para sempre, paixão, lembrança, tudo isso está na poesia de Firmino Rocha, com seus vícios  e virtudes.  Nela há sempre a necessidade de  amparar a solidão na companhia de sons e na magia de sonhos. Poesia feita de recados, desejos impossíveis, indagações sem resposta, pranto e distância. Filho do chão cacaueiro baiano, descendente de família pioneira na conquista da terra, sua poesia não  tem o som épico e dramático que impõe o tema urdido  num contexto que  ao longo do tempo implantou  uma civilização singular, portadora de valores materiais, tipos e costumes com bases na lavra dos frutos cor de ouro.    

                O poema “Deram um fuzil ao menino”, pungente canto  de ternura feito  como protesto contra a  guerra (1939-1945), tem arrebatado o brilho de toda a  poesia do autor de O canto do dia novo (1968). Há forte versão  entre os conterrâneos de  que  esse poema  encontra-se gravado, em bronze, na sede da ONU, em Nova Iorque. Figura  em antologia de poetas do mundo todo, editada pela Organização das Nações Unidas. Mas não existem  provas de que tais fatos sejam verdadeiros. Pode ser uma lenda, criada pelos seus conterrâneos e admiradores,  para  que o mito ganhe circulação internacional nos  ares locais,  com meros propósitos ufanistas.

                A poesia reunida de Firmino Rocha foi publicada numa co-edição da Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz,  e Fundação Itabunense de Cultura, na gestão do professor Flávio Simões. Iniciativa louvável porque até aquele momento, inclusive entre seus conterrâneos,  o poeta continuava inédito. Falava-se mais de Firmino Rocha  como autor do poema “Deram  um fuzil ao menino” e pouco se tinha  conhecimento  do seu legado poético.

                Certamente a publicação de sua obra, reunindo diversos poemas esparsos por  jornais e oferecidos a amigos em mesa de bar, é uma forma de perpetuar esse poeta sul baiano,  resgatar e  preservar  a memória cultural do sul  da Bahia  Poderia ser  uma boa oportunidade para inserir documentos e iconografia pertinente  no livro Firmino Rocha – Poemas escolhidos e inéditos (2008) e fazer a comprovação  em definitivo  que o poema “ Deram Um Fuzil ao Menino” encontra-se realmente   gravado na ONU, em  bronze, além de participar  de antologia importante no exterior.

                Os comentários continuarão em torno do assunto informando que  os fatos que envolvem o poema famoso com possível  repercussão na ONU são verdadeiros.   Pelo sim, pelo não, com a palavra os estudiosos de literatura, pesquisadores  e historiadores da terra do poeta.

               Um adendo. Solicitei ao meu tradutor nos Estados Unidos, Fred Ellison, professor emérito da Universidade de Austin, no Texas, para  verificar se o poema “Deram um fuzil ao menino” achava-se gravado em bronze na ONU. E se pertencia a uma antologia da paz publicada pela ONU com poetas do mundo. A busca exaustiva foi realizada por um parente de Fred Ellison, funcionário da ONU. E nada foi encontrado que comprovasse estar gravado na ONU o célebre poema do poeta itabunense. Nem antologia nem nada. Até que prove o contrário, para mim é lenda este assunto que os aligeirados gostam de propagar como verdade. 

 

Leitura Sugerida 

ROCHA, Firmino. Poemas escolhidos e inéditos, Via Litterarum Editora, Itabuna, Bahia, 2008.

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Cyro de Mattos é ficcionista, poeta, cronista, ensaísta e autor de literatura infantojuvenil. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC (Bahia).  Possui prêmios importantes. Publicado no exterior.

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A MELHOR DAS ESMOLAS – Plinio Maria Solimeo

25 de novembro de 2020



  • Plinio Maria Solimeo

 

As editoras costumavam lançar pelo menos um título por mês, dada a apetência de leitura que o público tinha. Com o surgimento da TV, e sobretudo da internet, passou a prevalecer a “civilização da imagem”, e a capacidade de abstração do homem foi se reduzindo a ponto de hoje não despertar interesse senão aquilo que se dirige diretamente à fantasia. Daí a dificuldade que se tem em nossos dias da leitura de um livro de caráter doutrinário ou histórico.

Entretanto, Santo Antônio Maria Claret [fotos acima e abaixo], o grande missionário espanhol do fim do século XIX, fundador dos claretianos, ressaltava o papel preponderante da leitura para a evangelização, pois ela alimenta a alma do mesmo modo que a comida nutre o corpo faminto. Mas assim como a comida deteriorada prejudica a saúde do corpo, a leitura de maus livros corrompe a alma.

Periódicos ímpios, folhetos heréticos e demais escritos perniciosos corrompem as crenças, pervertem os costumes, extraviam o entendimento e corrompem o coração. E do coração corrompido saem todos os males, como diz Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt 15, 19), até se chegar a negar a primeira verdade, que é Deus, origem de todo o verdadeiro: “Disse o depravado em seu coração: ‘não há Deus’” (Sl 2, 16).

Santo Antônio Claret passou grande parte de sua vida como missionário. E para que seus sermões tivessem efeito duradouro sobre os fiéis, procurava todos os meios que a sua fértil imaginação lhe sugeria. Um deles, ensinado pela experiência, que considerava o melhor e mais poderoso, era a imprensa, se bem seja igualmente a arma mais letal quando dela se abusa, acrescentou ele. Por isso, dedicou-se com afinco à publicação de bons livros e mesmo de folhetos de fundo religioso como auxiliares de sua pregação.

Em sua autobiografia diz: “Quando ia missionando, cuidava de todos os aspectos da missão; e, segundo via e ouvia, escrevia um livrinho ou um folheto. Assim, se na população observava que havia o costume de entoar cânticos desonestos, publicava um folheto com um cântico espiritual ou moral”.  Pelo que desde o início de seu apostolado publicou folhetos que continham meios para se combater a blasfêmia.

Na ocasião em que começou a pregar, constituía coisa escabrosa a quantidade e a gravidade de blasfêmias que se ouviam em todas partes. Parecia a ele que todos os demônios do inferno se haviam espalhado pela Terra a fim de fazer os homens blasfemarem. Igualmente, a impureza havia rompido os seus diques, e por isso resolveu escrever dois folhetos com instruções para combatê-la.

Segundo ele, para todos os males, é remédio muito poderoso a devoção a Maria Santíssima, assim no início dos folhetos escreveu a oração:

“Ó Virgem e Mãe de Deus, eu me entrego por filho vosso e, em honra e glória de vossa pureza, vos ofereço minha alma e corpo, potências e sentidos, e vos suplico que me alcanceis a graça de não cometer nenhum pecado [neste dia]. Amém. Mãe, aqui tendes vosso filho! Em vós, Mãe dulcíssima, pus toda minha confiança, e jamais serei confundido. Amém”.


Percebendo os bons resultados que esta publicação produzia nas almas, resolveu escrever outras, segundo as necessidades que observava na sociedade, e distribuía esses folhetos com profusão não só aos adultos, mas aos meninos e meninas que se aproximavam dele. Afirma um seu biógrafo que na Catalunha essa oração tornou-se tão popular como a Salve Rainha.

Tal foi a repercussão da ação deste ardoroso missionário, de sua pregação e de seus escritos que um periódico de Madri registrou no tempo dele: “A Catalunha se comove ouvindo a divina palavra da boca de um homem de 36 anos, e este homem é Antônio Claret. […] O Padre Claret não tem um momento de descanso. Seus sermões duram geralmente hora e meia. O confessionário lhe ocupa boa parte do dia, de maneira que rouba ao sono o tempo que consagra em escrever livros piedosos para uso do povo. […] Louvor, pois, a esse eclesiástico benemérito que soube adquirir uma justa celebridade, que como São Vicente Ferrer aparta os povos do lodo dos vícios, e os instrui na ciência da vida. Grande é a sua missão regeneradora”.

O êxito obtido em todas as camadas da sociedade foi tão grande que o próprio missionário chegou a afirmar: “Graças sejam dadas a Deus, todos os livrinhos têm produzido bons resultados; mas dos que produziram mais conversões foi O Caminho Reto, e o Catecismo Explicado”.

Principalmente o primeiro teve muita procura, não só entre a gente do povo mas igualmente das mais altas autoridades do país, observou ele. Da leitura desses livros saíram muitas conversões, e mesmo na Corte, não passava dia em que não se apresentassem almas determinadas a mudar de vida por sua leitura. Todos o buscavam, e não descansavam até obtê-lo.


Tal desejo o obrigou a fazer uma impressão de luxo [foto ao lado] para as pessoas mais categorizadas. Com efeito, o procuraram a rainha, o rei, a infanta, damas do palácio, fidalgos e toda a nobreza. Pode-se dizer que na classe alta não houve casa ou palácio onde um ou mais exemplares da edição de luxo de O Caminho Reto não tivesse penetrado, e nas demais classes, da edição popular.

Apenas um exemplo do bem que as leituras contidas em estampas religiosas ou nos folhetos operava. Narra ele que numa cidade, quatro réus aguardavam as respectivas execuções, e não queriam se confessar. Santo Antônio deu então a cada qual uma estampa religiosa, com considerações espirituais no verso. Lendo-as, eles refletiram e se confessaram, receberam o Santíssimo Viático, e tiveram morte edificante.

Considerando o grande bem que faziam seus livros e folhetos, Santo Antônio Maria Claret, para torná-los mais acessíveis, em 1848 fundou em Barcelona uma Imprensa Religiosa, colocando-a sob a proteção de Maria Santíssima de Montserrat, como padroeira que é da Catalunha, e do glorioso São Miguel.

Com a impressora fundou a Livraria Religiosa para difundir sua literatura espiritual, fazendo com que eclesiásticos e seculares se provessem de bons livros, os melhores de que se sabe, ao mais ínfimo preço, de modo que nenhuma impressora da Espanha fornece livros tão baratos como os da Livraria Religiosa.

Afirma o santo: “Em todos os livros publicados não se buscou o lucro, mas a maior glória de Deus e o bem das almas. Nunca cobrei um centavo como propriedade intelectual do que mandei imprimir; ao contrário, doei milhares e milhares de exemplares, e continuo doando e, com a ajuda de Deus, doarei até a morte, pois considero ser a melhor esmola que se pode fazer”.

Hoje fala-se muito nos pobres, mas se faz pouco por eles. Há muita demagogia sobre seu bem-estar material. Até entre eclesiásticos de todos os níveis fala-se muito pouco ou quase nada do bem-estar espiritual deles. Esquecem-se que, como diz o grande Santo Antônio Maria Claret que dedicou a vida a dar aos desprovidos dos bens materiais a “maior esmola que se pode dar”, ou seja, a instrução e assistência religiosa para lhes abrir as portas da bem-aventurança eterna.

https://www.abim.inf.br/a-melhor-das-esmolas/

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segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Os Pingos Nos Is - 23/11/20

CANTO DE FIRMINO ROCHA – Cyro de Mattos


                                Canto de Firmino Rocha

Cyro de Mattos

 

            Tuas penas feridas com o fuzil

                 que deram ao menino 

                teus ventos companheiros

                  redimindo as calçadas

            no gesto de estrela

                 um novo dia anuncias

                   dos longes comovidos

               nas águas dormindo

              onde o ouro vegetal

                  flora como flama eleita

                   os fragmentos colhidos

                     nos seios da madrugada

                o discurso elementar

                 de sol com borboletas

                     em tua metáfora solitária

                       ciranda de todas as relvas

                               ébria de amor por nós mesmos

                     enquanto durou a cantiga

                       nos becos o esgar dos dias

               o comentário esquivo

                    nenhum rancor ouvimos

        como conseguias

             permanecer menino?

                teu pássaro puro reluz

         nesse canto sereno

               agora legiões de anjos

                 te escutam em silêncio

                      tua hora de no eterno voar.

 

            (Do livro Os Enganos Cativantes, poemas)

 

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Cyro de Mattos é escritor e poeta com prêmios literários importantes, no Brasil e exterior. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz, Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil e Ordem do Mérito do Governo da Bahia, no grau de Comendador

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sábado, 21 de novembro de 2020

FRADE NOMEADO CARDEAL PEDIU PARA NÃO SER ORDENADO BISPO


© ofmcap.org

 em 20/11/20

Frei Raniero Cantalamessa explicou os motivos que o levaram a pedir a dispensa e manifestou que deseja morrer usando o seu hábito franciscano

Frade nomeado cardeal pediu para não ser ordenado bispo: trata-se do frei capuchinho Raniero Cantalamessa, de 86 anos, pregador da Casa Pontifícia. Ele foi escolhido entre os 13 novos cardeais a serem criados pelo Papa Francisco neste próximo dia 28 de novembro.

Não é obrigatório ser bispo para ser cardeal, mas é a prática mais comum. Por isso, aqueles que Francisco nomeou para o cardinalato e que ainda não são bispos receberiam a ordem episcopal. O frei Cantalamessa, porém, pediu dispensa dessa ordenação.

“Já que existe essa possibilidade, pedi ao Santo Padre a dispensa da ordenação episcopal. A função do bispo, como diz o título do meu recente livro de exercícios espirituais para bispos, é ser pastor e pescador. Na minha idade, há muito pouco que eu possa fazer como pastor; por outro lado, o que poderia fazer como pescador eu posso continuar fazendo mediante o anúncio da Palavra de Deus”.

O frade manifestou ainda que deseja morrer usando o seu hábito franciscano, o que “dificilmente me seria permitido se eu fosse bispo”.

Em outubro, quando o Papa o anunciou entre os futuros novos cardeais, o frei Raniero declarou, segundo o Vatican News:

“O cardinalato será outro modo de estar perto do Papa e apoiá-lo com a oração e a palavra. Vejo a nomeação como um reconhecimento da importância da Palavra de Deus, mais do que da minha própria pessoa, já que o meu serviço à Igreja tem sido e continuará sendo, por desejo expresso do Santo Padre, praticamente só proclamar a Palavra a partir da Casa Pontifícia”.

Por ocasião das nomeações, no mês passado, o Papa Francisco pediu orações pelos novos cardeais:

“Que, confirmando a sua adesão a Cristo, eles me ajudem no meu ministério de bispo de Roma para o bem de todo o povo de Deus”.

 

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sexta-feira, 20 de novembro de 2020

NOVO LIVRO DE POESIA DE CYRO DE MATTOS É PUBLICADO EM PORTUGAL

 


                         Novo Livro de Poesia 

de Cyro de Mattos 

É Publicado em Portugal

 

A Editora Palimage, de Coimbra, Portugal, acaba de publicar O Discurso do Rio, novo livro do baiano (de Itabuna) Cyro de Mattos, reunindo trinta sonetos, com prefácio da professora doutora Graça Capinha, da Universidade de Coimbra. O livro integra a coleção Palavra Imagem, e seus poemas foram motivados pela situação atual do rio Cachoeira,  que divide a cidade natal do autor em duas partes, com suas águas poluídas hoje, como se fosse um esgoto a céu aberto, comparado ao tempo de antigamente quando havia um ambiente de beleza que habitava as suas correntes puríssimas.

Este é o quinto livro de poemas que a Editora Palimage publica de Cyro de Mattos na Coleção Palavra Imagem, que reúne poetas representativos da poesia contemporânea portuguesa.  Membro de instituições culturais importantes, como a Academia de Letras da Bahia, os outros livros desse autor baiano publicados pela Editora Palimage são Vinte Poemas do Rio, inglês-português, Ecológico, Vinte e Um Poemas de Amor e Poemas Ibero-Americanos.

 A professora Graça Capinha observa que “alguns poetas brasileiros têm a capacidade extraordinária de conseguir regressar às coisas primeiras, como se, de fato, abrir uma janela e olhar o mundo pela vez primeira fosse possível”. Acrescenta que olham com as palavras, é certo, mas, mesmo essas, parecem trazer-lhes (-nos) os primeiros sons.” Mostra assim que “Cyro de Mattos é um desses poetas e não será certamente por mero acaso que, além de poeta e ficcionista, este seja também um autor de livros para crianças. Digamos que, tratando-se de escrever sobre um rio, este só poderia assim ser: um autor-menino, de olhos lavados e bem abertos”.


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quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O ALIENISTA CAP IV – Machado de Assis


 Uma Teoria Nova


          Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscando o Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos os lados uma certa ideia arrojada e nova, própria a alargar as bases da psicologia. Todo o tempo que lhe sobrava dos cuidados da Casa Verde era pouco para andar na rua, ou de casa em casa, conversando as gentes, sobre trinta mil assuntos, e virgulando as falas de um olhar que metia medo aos mais heroicos.

         Um dia de manhã, — eram passadas três semanas, — estando Crispim Soares ocupado em temperar um medicamento, vieram dizer-lhe que o alienista o mandava chamar.

         — Trata-se de negócio importante, segundo ele me disse, acrescentou o portador.

         Crispim empalideceu. Que negócio importante podia ser, se não alguma notícia da comitiva, e especialmente da mulher? Porque este tópico deve ficar claramente definido, visto insistirem nele os cronistas: Crispim amava a mulher, e, desde trinta anos, nunca estiveram separados um só dia. Assim se explicam os monólogos que ele fazia agora, e que os fâmulos lhe ouviam muita vez:—"Anda, bem feito, quem te mandou consentir na viagem de Cesária? Bajulador, torpe bajulador! Só para adular ao Dr. Bacamarte. Pois agora aguenta-te; anda, aguenta-te, alma de lacaio, fracalhão, vil, miserável. Dizes amém a tudo, não é? aí tens o lucro, biltre!"—E muitos outros nomes feios, que um homem não deve dizer aos outros, quanto mais a si mesmo. Daqui a imaginar o efeito do recado é um nada. Tão depressa ele o recebeu como abriu mão das drogas e voou à Casa Verde.

         Simão Bacamarte recebeu-o com a alegria própria de um sábio, uma alegria abotoada de circunspeção até o pescoço.

         — Estou muito contente, disse ele.

         — Notícias do nosso povo? perguntou o boticário com a voz trêmula.

         O alienista fez um gesto magnífico, e respondeu: —Trata-se de coisa mais alta, trata-se de uma experiência científica. Digo experiência, porque não me atrevo a assegurar desde já a minha ideia; nem a ciência é outra coisa, Sr. Soares, senão uma investigação constante.

         Trata-se, pois, de uma experiência, mas uma experiência que vai mudar a face da terra. A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.

         Disse isto, e calou-se, para ruminar o pasmo do boticário. Depois explicou compridamente a sua ideia. No conceito dele a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros; e desenvolveu isto com grande cópia de raciocínios, de textos, de exemplos. Os exemplos achou-os na história e em Itaguaí mas, como um raro espírito que era, reconheceu o perigo de citar todos os casos de Itaguaí e refugiou-se na história. Assim, apontou com especialidade alguns personagens célebres, Sócrates, que tinha um demônio familiar, Pascal, que via um abismo à esquerda, Maomé, Caracala, Domiciano, Calígula, etc., uma enfiada de casos e pessoas, em que de mistura vinham entidades odiosas, e entidades ridículas. E porque o boticário se admirasse de uma tal promiscuidade, o alienista disse-lhe que era tudo a mesma coisa, e até acrescentou sentenciosamente:

         — A ferocidade, Sr. Soares, é o grotesco a sério.

         — Gracioso, muito gracioso! exclamou Crispim Soares levantando as mãos ao céu.

         Quanto à ideia de ampliar o território da loucura, achou-a o boticário extravagante; mas a modéstia, principal adorno de seu espírito, não lhe sofreu confessar outra coisa além de um nobre entusiasmo; declarou-a sublime e verdadeira, e acrescentou que era "caso de matraca". Esta expressão não tem equivalente no estilo moderno. Naquele tempo, Itaguaí, que como as demais vilas, arraiais e povoações da colônia, não dispunha de imprensa, tinha dois modos de divulgar uma notícia: ou por meio de cartazes manuscritos e pregados na porta da Câmara, e da matriz; — ou por meio de matraca. 

         Eis em que consistia este segundo uso. Contratava-se um homem, por um ou mais dias, para andar as ruas do povoado, com uma matraca na mão.

         De quando em quando tocava a matraca, reunia-se gente, e ele anunciava o que lhe incumbiam, — um remédio para sezões, umas terras lavradias, um soneto, um donativo eclesiástico, a melhor tesoura da vila, o mais belo discurso do ano, etc. O sistema tinha inconvenientes para a paz pública; mas era conservado pela grande energia de divulgação que possuía. Por exemplo, um dos vereadores, —aquele justamente que mais se opusera à criação da Casa Verde, —desfrutava a reputação de perfeito educador de cobras e macacos, e aliás nunca domesticara um só desses bichos; mas, tinha o cuidado de fazer trabalhar a matraca todos os meses. E dizem as crônicas que algumas pessoas afirmavam ter visto cascavéis dançando no peito do vereador; afirmação perfeitamente falsa, mas só devida à absoluta confiança no sistema. Verdade, verdade, nem todas as instituições do antigo regímen mereciam o desprezo do nosso século.

         — Há melhor do que anunciar a minha ideia, é praticá-la, respondeu o alienista à insinuação do boticário.

         E o boticário, não divergindo sensivelmente deste modo de ver, disse-lhe que sim, que era melhor começar pela execução.

         — Sempre haverá tempo de a dar à matraca, concluiu ele.

         Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:

         — Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.

         O Vigário Lopes a quem ele confiou a nova teoria, declarou lisamente que não chegava a entendê-la, que era uma obra absurda, e, se não era absurda, era de tal modo colossal que não merecia princípio de execução.

         — Com a definição atual, que é a de todos os tempos, acrescentou, a loucura e a razão estão perfeitamente delimitadas. Sabe-se onde uma acaba e onde a outra começa. Para que transpor a cerca?

         Sobre o lábio fino e discreto do alienista roçou a vaga sombra de uma intenção de riso, em que o desdém vinha casado à comiseração; mas nenhuma palavra saiu de suas egrégias entranhas.

         A ciência contentou-se em estender a mão à teologia, — com tal segurança, que a teologia não soube enfim se devia crer em si ou na outra. Itaguaí e o universo ficavam à beira de uma revolução.

 

 Fonte:

MINISTÉRIO DA CULTURA

Fundação Biblioteca Nacional

Departamento Nacional do Livro

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Machado de Assis (Joaquim Maria Machado de Assis), jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21 de junho de 1839, e faleceu também no Rio de Janeiro, em 29 de setembro de 1908. É o fundador da cadeira nº. 23 da Academia Brasileira de Letras.

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